'Não sou racista. Minha mulher é negra', diz autor de injúria racial contra Tia Má

Jovem alegou problemas psicológicos; 'fico assustada com essa desculpa', diz vítima

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  • Milena Hildete

Publicado em 14 de março de 2018 às 19:33

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Milena Teixeira/CORREIO

O vendedor José Raimundo, 23, se apresentou acompanhado de advogado (Foto: Milena Teixeira/CORREIO) “Eu não sou racista. Minha mulher é negra”. A afirmação é do vendedor José Raimundo Pitta Júnior, 23 anos, que admitiu ter ameaçado de morte e ter cometido crime de injúria racial contra a jornalista Maíra Azevedo, mais conhecida como Tia Má. Após ser identificado pela polícia, ele foi até a 1ª Delegacia (Barris), em Salvador, acompanhado do advogado e da mãe, na tarde desta quarta-feira (14). 

O jovem assumiu que atacou a jornalista e chegou a dizer que cometeu os crimes por causa da morte da ex-mulher, ocorrida há sete meses. De acordo com José Raimundo, ela morreu de hemorragia durante o parto e, por causa disso, ele estaria passando por problemas psicológicos.“Eu não tinha a intenção de chamar Tia Má de macaca e eu descontei a raiva nela [Maíra]. Não sou racista. Foi uma raiva que eu estava passando por causa da morte da minha ex-mulher”, alegou. Em sua defesa, José afirmou ainda que as ameaças foram “da boca pra fora” e que jamais teria coragem de fazer alguma contra Maíra. Ele falou que já a seguia nas redes sociais e, além disso, a acompanhava na televisão. “Eu estou arrependido e queria muito pedir desculpas a ela, pessoalmente. Somos todos iguais. Eu sou negro e minha mulher também”, afirmou.

Ao CORREIO, na delegacia, ele fez uma tentativa de retratação. Assista:

"Eu quero pedir a ela desculpas porque eu tenho problemas psicológicos. Quero que ela venha até aqui [delegacia] para eu pedir desculpas. Não sou racista. Minha mulher é negra. Estou arrependido. O que causou isso foi a perda da minha mulher. Eu sentia raiva, não sei o que deu em mim", declarou.

Morador do Cabula VI, o jovem divide a casa com a mãe. Ele tem uma filha de sete meses, que sobreviveu às complicações no parto.

José diz ainda que trabalha como vendedor de bolsas de palha e que passa por problemas financeiros.

O advogado do rapaz, Paulo Cézar Júnior, confirmou as afirmações do cliente. Ele disse ainda que após a morte da mulher, José teria mudado de comportamento. As ameaças, segundo Paulo Cézar, eram feitas em momentos de raiva e descontrole emocional.

“Ele não é uma pessoa que consegue manter uma linha de raciocínio até o final. José está passando por problemas psicológicos e financeiros, principalmente porque está sem a filha”, comentou o advogado.  José Raimundo durante depoimento prestado à delegada Maria Dail, nos Barris (Foto: Betto Jr./CORREIO) A delegada responsável pelo caso, Maria Dail Sá, disse que já solicitou que um exame psiquiátrico para comprovar que o jovem não pode responder por seus atos.“Vamos ver se ele é uma pessoa normal ou se tem algum transtorno. Está se vendo que ele é uma pessoa que não tem coragem de fazer o que dizia nas ameaças, que teve um surto psicótico. É como se ele tivesse feito algum tipo de associação com a esposa”, afirmou a titular da Delegacia dos Barris.Apesar dos exames, o acusado vai responder pelas ameaças e pelo crime de injúria racial.

Internet tem dono De acordo com Maria Dail, a situação deve servir de exemplo para outras pessoas que cometem crime pela internet. Ela diz que a polícia chegou ao jovem pela conta do Instagram, que disponibiliza o endereço dos usuários.“Só demoramos mais para encontrar ele porque o endereço era antigo, mas, chegamos na pessoa. Espero que sirva de lição para quem comete crimes de injúria racial. Quem cometer racismo vai ser punido”, avisou.O telefone de José Raimundo foi levado para que a perícia analise as mensagens que ele passava. O laudo deve ficar pronto em dez dias.

Desculpas pra quem? Em conversa com o CORREIO, Maíra Azevedo disse que não queria “receber desculpas”. 

"As pessoas costumam banalizar os crimes de racismo com pedidos de desculpas, problemas psicológicos… Quando alguém comete um homicídio, é com desculpas que a pessoa é penalizada?", questionou, ao contar que permanece em alerta com o caso."Não me deixa aliviada. Pelo contrário, eu fico assustada com essa desculpa. Ele não poderia descontar essa raiva em mim", comentou, em conversa com o CORREIO.Sobre a frase “não sou racista, minha mulher é negra”, dita por José Raimundo, Tia Má contou os transtornos que as mensagens dele causou a ela e sua família.

“Conviver com pessoas negras não tira você dessa prática perversa. Ele me ameaçou, me tirou do controle. Eu tive danos, porque minha mãe, que é hipertensa, ficou com a pressão instável, e meu filho também ficou assustado, porque a gente não sabia de onde estavam vindo as ameaças”, relatou. 

A jornalista confirmou que vai dar continuidade ao processo. Ela diz que não vai "se calar" e que já acionou os advogados.

Reveja algumas das mensagens enviadas pelo agressor para a jornalista. Imagem: Reprodução/Facebook