Neste tórrido sol de dezembro eu voo – por que

Por Rogério Menezes

Publicado em 10 de dezembro de 2017 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arquivo CORREIO

A dantesca condição humana que ora nos esmaga me assusta tanto, mas tanto – e de maneira tão desabrida e tão avassaladora – que me faz concluir: a morte é aconchegante refrigério, pacífico descanso, jardim de jasmim. [Ok, gentil e preocupado leitor, não será preciso chamar os bombeiros: ainda amo a vida apesar das mazelas, das más caras e dos dissabores e vilanias nos quais chafurdei].

Venero a bem-urdida dramaturgia da vida – tecida pelo maior teatrólogo de todas as galáxias. O autor, o autor! Cada um o invoca como quer.  Seja lá o nome que tenha, faço-lhe vênia. Arrebentou. Nenhum Shakespeare chegou-lhe ou chegar-lhe-á perto. [Não quero perder minuto sequer da minha dramaturgia pessoal tramada por esse gênio indomável, esse cara que teceu esta turbinada saga que nos engendra].

Não abrirei mão de viver todas as horas do fim. Amo a paisagem, a natureza. Amo mais as multidões – e menos cada um dos que integram essas multidões com nossas miudezas em geral, achaques de egocentrismo e ataques de cegueira mental. [Amo as crianças e os bichos,  per supuesto].

Vivi e vivo até o osso. Não tive nem tenho demandas reprimidas. Fui e sou livre da maneira que pude e posso – se é que houve, há ou haverá liberdade neste mundo sob eterno controle e eu brinquei de ser livre feito besta quadrada.  

Não me escondo de nada. Não escondo nada. Sou bandido e cordeiro. Vítima e algoz. Ocupei e ocupo todas as marcações de palco e interpretei e interpreto sem pejo todos os personagens determinados pelo dono da voz.

Aprendi com meu pai Crispim Menezes, o meu amado paideia: - Só se morre na hora certa. [Batata]. Converso com a vida e a morte sempre que posso. Não tenho tempo de temer a morte. Não pedi para nascer. Não pedirei para morrer. A vida é concessão. A morte, idem.

Sempre tive birra com cemitérios. Quebrei a escrita com   22 anos, em abril de 1976, no enterro de minha mãe, Águida, em Jequié-Bahia. Na primeira metade dos anos  1980 – o fim dos meus tempos loucos nesta Salvador-Bahia – comecei a frequentar o restaurante da quituteira Dadá, que, mais tarde, se tornaria famosa em todo o Brasil.

Adorava a comida, sempre, deliciosa de Dadá, mas não gostava da paisagem vista das mesas toscas localizadas no quintal da cozinheira que então morava no Alto das Pombas: o Cemitério do Campo Santo. O estômago venceu. Relevei a vizinhança. A metros de tumbas e mausoléus e d’alguns odores nauseabundos provenientes de covas rasas fuçada por vândalos e outros bichos, bebíamos cervejas  geladas, trucidávamos frutos do mar divinais e ríamos às bandeiras despregadas.

Curei-me. Perdi a birra com cemitérios, e o medo dos mortos e da morte se desmanchou no ar. Nesta atual conjuntura de inglória do nosso zeitgeist há momentos em que dirijo cobiçoso olhar para um tranquilo falecimento. [Ou apenas me contento em aspirar vidinha menos ordinária para mim e para os que ao meu redor também vivem vidinhas ordinárias, meu sinhô!]