Nestes dias, eu sou o papai.

Flávia é produtora e mãe de Leo

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 18 de fevereiro de 2018 às 11:50

- Atualizado há um ano

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Meu filho tem seis anos e meio e, neste ano, pela primeira vez: não fui eu que me ocupei do uniforme, eu não estava no primeiro dia de aula, não é a minha letra na identificação do material escolar. Também não acompanhei as primeiras tarefas nem sei o que ele levou pra lanchar.

Porque satanás resolveu me testar, pela primeira vez, ele ficou doente longe de mim, logo no primeiro dia. Nas outras vezes, ele voltava doente e eu era quem cuidava. Foi só uma gripe, felizmente. Mas, pela primeira vez, eu soube de uma febre dele pelo Whatsapp. Pela primeira vez, não fui eu que passei 12 horas com o termômetro na mão, bebendo café pra ficar ligada. Nem comecei o dia com aquela que é a pior ressaca. E ainda que eu não tirasse os olhos do celular e que meu coração estivesse apertado, confesso sem culpa alguma: naquela noite eu estava na farra.

(Claro que porque estava óbvio que não era grave)

(E assumo: só não corri pro lado dele porque ele estava com o pai em outro estado)

Pela primeira vez, em seis anos e meio, eu priorizei meu trabalho (e muita diversão nos intervalos). Pela primeira vez, desde o teste de farmácia, eu pedi pro pai: "assume ele por dez dias porque eu tô precisando". Pela primeira vez, em seis anos e meio, ele foi porque eu quis, porque eu precisei, porque eu decidi ter um tempo pra mim. Pela primeira vez, em seis anos e meio, eu - de verdade - me desincumbi. Pela primeira vez, em seis anos e meio (fora a gravidez), eu voltei a ser a minha prioridade. Por dez dias, apenas. Ele entre Rio e Bahia. Eu entre amigos e trabalhos. Por dez dias. Que pareceram uma eternidade de aprendizado.

Ele fica com o pai sempre, claro. Sempre por demanda de ambos e com ótima periodicidade. Mas eu nunca me apropriei desses dias, de verdade. Nunca havia me sentido confortável. Eu sempre meio incomodada, extremamente preocupada, morta de saudade. Sempre porque "tudo bem, é um direito dos dois", mas nunca, jamais porque EU PEDI. Só que o tempo passa e ele não é mais um bebê. Depois de um momento de profunda culpa (até o avião achei que ia cair e eu que tinha colocado meu filho naquela roubada), relaxei. E isso mudou tudo, em mim. Resumindo, numa frase: finalmente eu senti na pele o que é a tradicional paternidade.

(Nota implorativa: por todos os santos não viaje no "mas nem todo pai". Tô falando da "tradicional paternidade" aqui do Brasil. Esperando que tenha ficado claro, obrigada.)

Pela primeira vez, atuei, por uns dias, como atua uma grande parte dos pais. No caso deles, por toda a vida, claro. E tô falando dos vistos como "bacanas", excluindo aqui os que agem mal o suficiente para que sejam reconhecidos como disfuncionais. Como você sabe, ainda se cobra posturas diferentes de mães e pais. É bem fácil ser um "bom pai", coisa que se faz entre uma tarefa e outra, com telefonemas e tal. E eu fiz com as mãos nas costas, rá!

(Pra ser "boa mãe" já são outros 500. Você tá se lascando toda e o povo dizendo que é assim mesmo, que precisa se dedicar mais. Qualquer coisa basta, vindo deles. De nós, nada é suficiente. Deve estar na bíblia, no alcorão ou Freud explica, sei lá)

"Cadê Leo?" foi a pergunta que mais ouvi, disparado. E a novidade foi a falta dele não doer na minha alma. E eu não ter dado um jeito de ir junto no primeiro dia de aula. E eu não ter me preocupado nem com a fantasia do bailinho da escola, nem com a cor da mochila comprada, nem com nenhum dos nossos rituais que foram quebrados.

Ele estava bem e bastava. Pela primeira vez, a voz apressada dizendo "não posso falar agora, mamãe", não me deixou angustiada. E ainda que eu tenha achado a tal fantasia do bailinho quente demais (vi nas fotos)  e criticado horrores (já me perdoei) as meias que não combinavam com os sapatos, eu consegui. Por uns dias, apenas fui "pai". Um pai doce e amoroso, mas desconectado da rotina do meu filho. Por uns dias, não me senti responsável. Isso, na minha vida, um escândalo de modernidade.

Eu amo ser mãe do meu filho e quem me conhece sabe. Grudada que nem chiclete, apaixonada por meu tico de gente que "é meu e ninguém tasca". Uma relação bem forte e ricamente alimentada. No peito, por quase cinco anos, além de dengos e conversas intermináveis. E isso não vai mudar. Mas essa "tradicional paternidade" essa coisa fluida, frouxa e descompromissada, tem uma lição pra me oferecer: a realidade deles, o que não quero ser nem nunca serei na "vida real", pode ser o modelo perfeito pro "modo mamãe offline". Sabendo que ele está bem, eu consigo sim dar algumas desconectadas.

Uma coisa que jamais será rotina pra mim, mas um formato possível pra viver em pequenos e pontuais intervalos. Nos quais, amigos e amigas, eu já decidi e ninguém me convence do contrário. Podem me julgar à vontade, mas toda vez eu vou dizer, estando longe do meu filho, uma frase piadista, com bastante ironia, mas cheia de pura verdade. Para quem quiser ouvir, enquanto fizer sentido (a ainda faz!): "nestes dias, eu sou o papai".

(Páro de dizer a frase quando ninguém mais entender)

(Torço por esse dia, que fique claro)

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