No sol de dezembro

Por Aninha Franco

  • D
  • Da Redação

Publicado em 2 de dezembro de 2017 às 07:37

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Hoje é sábado, segundo dia do mês de dezembro que, neste ano, terá cinco sextas-feiras, cinco sábados e cinco domingos. Dizem que esse fenômeno só acontece uma vez em cada 823 anos, portanto está acontecendo para nós, em 2017, e aconteceu para os que estavam vivos em 1194, ano do nascimento de Santa Clara e do ocaso da civilização Inca. Os chineses chamam  isso de Bolso Cheio de Dinheiro, o que os baianos precisarão muito nos próximos meses para festejar Oyá no dia 4, Oxum no dia 8, Santa Luzia no dia 13, Natal e Réveillon, Lavagem do Bonfim, Yemanjá no 2 de Fevereiro e viajar no Carnaval. Há muito tempo que os baianos fogem do Carnaval para sarar do tranco do Verão.

Na próxima segunda-feira, Yansã pintará a Cidade Velha de vermelho. Roupas, cabelos, almas, espíritos saudarão a Senhora das Nuvens de Chumbo, Oyá, o raio que corta os céus e ocupou a imagem de Santa Bárbara no sincretismo afro-católico. Dia 8, menos baianos festejarão Nossa Senhora da Conceição da Praia, Oxum, outra Ayabá de grande poder, porque a festa está sem força. Mas Oxum é de ir e voltar. Dia 13, Santa Luzia, protetora dos necessitados de boa visão, das profissionais do sexo e dos caminhoneiros, ainda leva muita gente à Igreja do Pilar para lavar os olhos e pedir visão e previsão neste Brasil cego.

Depois é festa de Ano-Novo, do Senhor dos Navegantes, de barcos no mar. E na segunda quinta-feira de janeiro, Lavagem do Bonfim. A Segunda-Feira da Ribeira desapareceu há muito tempo, como as dezenas de Lavagens que, a depender dos organizadores, explodiam em pequenos carnavais. Mas no dois de fevereiro, Yemanjá subirá para rir e dançar com os pescadores da Mariquita. O Carnaval que vem depois ninguém nunca sabe o que será. Os últimos foram muito fraquinhos, porque perderam a baianidade e se transformaram em festas sem fulejo. Mas em todos os dias, em todos eles, mesmo antes de 21 de dezembro, chegada oficial do Verão, o sol nascerá com tanta intensidade que explodirá em festas, inclusive no Carnaval.

Não sei se os dias de Verão ainda são mais longos que as noites, como aprendi na escola, e se os ataques à camada de ozônio alteraram as variações climáticas que a natureza demonstra. Autora das mais sutis delicadezas do planeta e de suas violências mais espetaculares, a natureza não deve se incomodar com os humanos, espécie predatória, mas de alcance limitado.

Apesar do Outono ser minha estação predileta, há 40 anos eu esperava o Verão como os prisioneiros esperam a soltura, marcando os dias na folhinha. E quando ele chegava com seu figurino brilhante e calorento, e a cidade se enchia de gente, os preços do coco e do acarajé disparavam, as festas de largo se sucediam, as Lavagens se multiplicavam, e a festa orgamatizava na maior festa popular do planeta – sim, nós já tivemos isso, sem ufanismo –, eu não vivia apenas uma mudança de estação, eu mudava para uma outra Cidade, para uma Baía que nenhuma outra estação consegue representar com tanta franqueza. Já não há mais tanta Baía, como há 40 anos, mas ainda há Verão que possa trazê-la de volta.