Nordeste de Amaralina: Val Bandeira comanda mortes e tráfico de drogas

A cada seis dias, uma pessoa é assassinada no bairro, diz Polícia Militar

Publicado em 6 de dezembro de 2009 às 10:37

- Atualizado há 10 meses

O que antes era só conjectura, agora é fato: mesmo custodiado no presídio federal de Catanduvas, no Paraná - considerado um dos de maior segurança do país -, o traficante Joseval Bandeira, o Val Bandeira, continua controlando o tráfico de drogas do Nordeste de Amaralina, uma das regiões mais violentas de Salvador. Um dos integrantes do segundo escalão da facção criminosa Comissão da Paz, comandada pelo também traficante Cláudio Campanha - que assumiu a organização após a morte de Éberson Souza Santos, Pitty -, Val Bandeira é responsável por liderar a maioria das execuções registradas nos últimos anos na região do Nordeste de Amaralina e adjacências. “Ele ganhou fama pelo requinte de crueldade com que executa seus desafetos”,afirma o major Gidelmar de Almeida Gualberto, comandante da 40ª Companhia Independente.

Val Bandeira (de azul) sendo transferido para CatanduvasFoto: Paulo M. Azevedo / Arquivo Correio

Homicídios De janeiro a novembro deste ano, foram cometidos 50 homicídios, segundo fontes da Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA). Ou seja, a cada seis dias, uma pessoa é morta no Nordeste de Amaralina. “Mesmo preso, traficantes continuam agindo sob seu comando”, disse Gualberto, sem revelar como Val Bandeira poderia ordenar os crimes, dentro de um presídio onde os detentos ficam em celas individuais e o sinal de celular é bloqueado.

Informações não confirmadas dão conta de que Val Bandeira vem agindo há pelo menos dez anos na região do Nordeste. Mas foi em 2005que se fortaleceu com a aliança entre Campanha e Pitty. Ele responde processos por homicídios e tráfico.

Braço direito Atualmente, o braço direito de Val Bandeira está preso, mas continua na ativa, assim como o seu líder. Anderson Sacramento Santos, o Amaral, preso há cerca de duas semanas por agentes civis da 28ª Delegacia (Nordeste de Amaralina), teria envolvimento na morte do PM José Cláudio de Jesus Santos, 35 anos, no último dia 29. Após receber a denúncia de que cerca de dez homens circulavam de armas em punho, uma guarnição da PM foi até a localidade do Areal, onde houve confronto e o soldado foi atingido na cabeça.Segundo a polícia, os PMs trocaram tiros com Adriano Boa Morte da Fonseca, o Pokémon, Marivaldo Conceição, o “Barbosa”, além de oito adolescentes já identificados pelo Serviço de Inteligência da SSP. Todos são orientados por Amaral a abrirem fogo ao menor sinal da polícia. Durante a caça aos assassinos do soldado, policiais das Rondas Especiais (Rondesp) mataram três jovens no último domingo (2/12). No dia seguinte às mortes, moradores de Santa Cruz protestaram bloqueando vários pontos da rua principal do bairro com pneus e lixo queimados. De acordo com os moradores, o gari Ezenildo Pereira dos Santos, 31, o adolescente Rodrigo Pereira dos Santos, 15, e um outro jovem, de prenome Gilmar, não eram envolvidos com a criminalidade. Ainda na escala de violência do bairro, o sargento da PM EliasBrito Lima, 43, foi baleado por dois assaltantes na última sexta- feira (4/12), ao tentar impedir o roubo de um carro na Rua Cristóvão Ferreira. Ferido na coxa direita, foi socorrido ao HGE. Ele estava à paisana. OrganizaçãoNo organograma da quadrilha, Pokémon, que possui mandado de prisão pela 1ª Vara do Júri por homicídio qualificado, é o gerente de todas as “bocas” do Nordeste de Amaralina. Abaixo dele estão Barbosa e dois adolescentes de 17 anos, responsáveis também pela gestão dos pontos-de-venda de entorpecentes. Segundo policiais da Delegacia de Tóxico e Entorpecentes, a linha de frente do bando é formada por jovens ente 15 e 17 anos, que usam revólver calibre 38, pistolas ponto 40 e 45 (uso restrito das Forças Armadas), rifles, metralhadoras ponto 45, submetralhadoras 9mm, carabina (espingarda) calibre 12, bananas de dinamite e até fuzil calibre 762. Com todo esse poderio bélico, o bando executou rivais, inocentes e policiais para estabelecer seus pontos, dos quais seis deles são os mais rentáveis devido a sua localização geográfica. A Rua Emídio Pio (localidade do Boqueirão), Rua Nova da República, Rua das Ubaranas, Rua do Norte, Rua da Horta e Rua José Rodrigues Oliveira, estão próximas a bairros nobres, como Pituba e Itaigara, regiões onde está localizado o maior número de consumidores. A quadrilha de Val Bandeira atua em outros bairros: Chapada do Rio Vermelho, na Rua da Arábia, Rua Coreia do Norte e Rua Vietnã do Sul; Vale das Pedrinhas, na Avenida Vale das Pedrinhas, Rua do Eco e Rua Raimundo Viana; e Santa Cruz(Rua Onze de Novembro, Ruas Renato Medeiros Neto e Antônio Carlos Magalhães).

Policiais civis em mais uma incursão pelos becos do Nordeste Foto: Antonio Queiroz

Crianças recrutadas O crack e a cocaína são as drogas mais vendidas pelos traficantes no Nordeste de Amaralina. As informações são de agentes da Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes que mapeiam o tráfico da região. Segundo eles, o comércio de entorpecentes rende cerca de R$50 mil por mês aos traficantes ligados a Val Bandeira. A procura é maior pelo crack, consumido, principalmente, pela própria comunidade, devido ao baixo valor em relação a outras drogas. Já a cocaína é a preferida pelos jovens de classe média. Uma das estratégias da quadrilha é recrutar crianças e adolescentes. Primeiro, porque eles respeitam mais a hierarquia da comunidade. Depois, porque, caso sejam presos, é mais barato mantê-los dentro da cadeia. Não se perde muito dinheiro, já que eles saem com mais facilidade. E um terceiro detalhe, não menos importante: se a polícia entra numa comunidade e fere ou mata uma criança ou adolescente, mesmo que ligado ao crime, a opinião pública automaticamente já se volta contra a polícia. Ainda é difícil para a sociedade admitir que crianças são ligadas ao mundo do crime. Alguns meninos sobre as lajes não estão lá por acaso. Ao menor sinal da polícia, eles empinam pipas como código de alerta para os traficantes da área. São conhecidos como “olheiros”, aliciados por roupas, sapatos, dinheiro e até mesmo pela droga. Outros são usados para despistar policiais durante abordagens na favela. São chamados de “vapor” porque, durante incursões, correm em direção contrária, atraindo os policiais para longe das “bocas”. A esses garotos, cuja função é a mais perigosa, a “recompensa” é a garantia de um dia fazer parte do bando.

RivalidadeDos quatro bairros que fazem parte da região do Nordeste, apenas a Chapada do Rio Vermelho não está sob o controle de Val Bandeira. As bocas-de-fumo instaladas no local são de domínio do traficante Peu, velho conhecido da polícia pela extensa ficha criminal.

Ele tem como homem de confiança Rubens Souza Moreno, o “Coelhinho”, que responde por tráfico. Eles servem ao traficante Genílson Lino da Silva, o “Perna”, que encontra-se em presídio federal. A rivalidade entre as duas quadrilhas já resultou em banho de sangue em toda a região. (Notícia publicada na edição impressa de 06/12/2009 do CORREIO)Veja também