O centenário da Festa de Iemanjá

Nelson Cadena é publicitário e jornalista

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  • Nelson Cadena

Publicado em 26 de janeiro de 2018 às 05:10

- Atualizado há um ano

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Se tivéssemos levado a sério o depoimento de Astério Diogo da Conceição - ao jornal A Tarde em 2/2/1966  - estaríamos celebrando este ano o centenário do presente a Iemanjá, durante as festas de 2 de fevereiro, no Rio Vermelho. Segundo o pescador foi em 1918 que a Mãe D’Água recebeu a sua primeira oferenda nas praias do arraial, por ocasião das Festas de Nossa Senhora de Sant’Anna, celebradas, naqueles idos, entre as últimas semanas de janeiro e as primeiras de fevereiro.

Como não levamos a sério o testemunhal,  perdemos uma ótima oportunidade, restam-nos duas datas se queremos comemorar o feito: 2023 e 2024. A primeira tem como referência o depoimento de Zequinha, construtor de jangadas, ao informativo O Pescador, da Biblioteca Juracy Magalhães, edição de fevereiro de 1984. Resenhou que o fato narrado ocorreu em 1923 e não em 1918, divergindo também do pescador Eustáquio Bernardino de Sena que em entrevista à Tribuna da Bahia, edição de 14/12/1970, informou que o primeiro presente ocorreu em 1924. Essas são as opções, ou seja, assumimos uma das duas datas referidas que restam, ou esquecemos o assunto e não comemoramos coisa nenhuma.

O historiador do Rio Vermelho Ubaldo Marques Porto Filho, recém-falecido, acreditava na versão de Eustáquio Bernardino, o conheceu pessoalmente e dele ouviu o relato. Por isso, sugiro que deveríamos adotar esse marco - cabe à Colônia da Casa do Peso se pronunciar e assumir o encargo - de modo que em 2024 possamos celebrar com dignidade o centenário. Todas as versões têm em comum a suposta motivação para o presente: uma temporada de pesca malsucedida, do que decorreu a intenção de agradar à Mãe D’Água no dia 2 de fevereiro, data consagrada a Nossa Senhora das Candeias.

Iemanjá era de fato o sincretismo de Nossa Senhora das Candeias,  como descreveu o mestre Didi - Dioscorides dos Santos - em artigo publicado no livro de Zora Seijan, edição da Record, em 1967, ele próprio protagonista do culto no terreiro do Ilê Abôulá de Amoreiras, na Ilha de Itaparica, na primeira metade do século XX. O Mestre narrou os preparativos para a festa, contou detalhes dos rituais e a condução do mastro com a bandeira branca, do terreiro até a porta da capela, em frente ao mar, onde permanecia fincado, enquanto era realizada a romaria dos saveiros.

Retomando o fio da meada do centenário, sabemos, e nisso todas as versões de oralidade aqui referidas são convergentes, que um grupo de pescadores tomou a iniciativa de agradar a Mãe D’Água. Eram eles Eustáquio, já citado, e mais Alípio Capenga, Folô, Olavo, Ananias, Ismael, Faustino, Satu, Tanajura e a família Moita: José, Pedro e Siben. Esse primeiro presente consistiu “em um boneco e um cheiro bom”, em modesta caixa de papelão, a oferenda conduzida por saveiro embandeirado. No ano seguinte a turma recorria ao terreiro de Julia Bugã, esta aconselhava-os a praticar a oferenda nos conformes, como já era tradição desde o século XIX nas praias de Monte Serrat em Itapagipe e também em Itapuã, onde o culto ocorria.

Mãe Julia encarregou-se dos preceitos, sem batuques, para não alertar a polícia. A mãe de santo orientou por anos o presente do Rio Vermelho, sendo substituída por Mãe Emília e, na sequência, por Mãe Catita do terreiro do Engenho Velho da Federação. A partir de 1968 a incumbência ficou com o pai de santo Cipriano, do Terreiro de Bogum, e na sequência Mãe Lourdes, do terreiro de Engenho Velho de Brotas, Olga Kolossi, Mãe Aice do Oxóssi, do terreiro de Odé Mirim - que comandou os preceitos por mais de 40 anos - e,  a partir de 2016, por Mãe Jacira do Ilê Axé Jibayê. 

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às sextas-feiras