O dia em que Bolt caiu

Por Saulo Miguez

  • D
  • Da Redação

Publicado em 14 de agosto de 2017 às 18:33

- Atualizado há um ano

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Há quem diga que o atleta que sabe a hora de parar encerra a carreira no auge. Discordo. Acredito sim que o lutador que nunca foi nocauteado não pisou o suficiente nos ringues. Foi poucas vezes testado. Não buscou um desafiante à altura e se escondeu atrás do ego grande o suficiente a ponto de não saber lidar com o fato de não ter o punho erguido ao soar do último gongo.

No Mundial de Atletismo de Londres, era a grande a expectativa dos fãs de esporte e amantes dos feitos incríveis pela última apresentação do jamaicano Usain Bolt. Aos 30 anos, o Raio chegou à terra da rainha com uma quantidade de ouros mundiais e olímpicos equiparados ao tesouro de Elizabeth II. Atleta se machuca e não completa prova de despedida (Foto: Daniel Leal-Olivas/ AFP Photo)  Dono de marcas sobre-humanas, ele é o tipo do cara que não precisa de mais de meio minuto de atenção para, sem dizer uma palavra, mandar o recado e fazer explodir em emoção milhões de pessoas de diferentes nacionalidades, credos e culturas. Durante aquela fração de tempo, todos se unem nas passadas largas e precisas do gigante negro que deixou a América Central para reinar no mundo dos esportes.

Nos acostumamos a sofrer com a tal largada ruim de Bolt - "parece que não vai dar", pensamos em uníssono quando ele deixa o bloco e é rapidamente ultrapassado pelos companheiros de menor porte. Aprendemos também a vê-lo igualar os adversários na metade da prova - "chegou!", comemoramos (ainda em silêncio) quando sua sapatilha aparece empatada com os rivais de pista.

Até que nos últimos metros, com o Raio já sobrando no tablado, prestes a cruzar a linha que o separa da glória, o pensamento já não cabe na cabeça, a emoção não acha espaço no peito e gritar se torna algo inevitável - "É OUROOOOO!!!!". Mais um título é conquistado e novamente o desejo de milhões é respeitado. Os recordes dos 100 e 200 metros rasos, respectivamente 9s58 e 19s19, mais do que feitos pessoais do atleta são indícios do bem que faz o respeito à democracia.

Eis que em sua última prova, onde fecharia o revezamento 4 X 100, Bolt tão habituado a esperar os adversários no final do percurso, viu o mundo sob outra perspectiva. O Raio literalmente caiu no chão. Esticado ao solo como nunca antes, o multicampeão assistiu a Grã-Bretanha fechar o revezamento em primeiro lugar. Dessa vez não deu.

O último capítulo da história do atleta Bolt mostra que a trajetória do Deus da Velocidade foi mesmo uma Odisseia. Tal qual Aquiles, atingido no tendão em sua última batalha, Usain também foi vítima de uma flechada disparada de algum esconderijo da fortaleza de Troia que o fez parar. Nada mais o faria parar. O ponto fraco da armadura aparentemente intransponível foi meticulosamente rastreado e o Deus mostrou-se divinamente humano. Nada mais simbólico que tudo isso tenha se passado em um estádio Olímpico.

Parafraseando Ulisses no épico Troia, digo: se algum dia contarem minha história, que digam que assisti gigantes. Atletas se erguem e caem como trigo no inverno, mas seus nomes jamais perecerão. Que digam que vivi na época de Michael Phelps, o senhor das águas. Que digam que vivi na época de Roger Federer, o maestro das quadras. Que digam que vivi na época de Lionel Messi, o gênio da bola. Que digam que vivi na época de Usain Bolt, o homem mais rápido do mundo.

Texto originalmente publicado no Facebook