O dia em que o Carnaval 'attoxxou' geral

Em sua estreia puxando a pipoca, Àttoxxá mostrou do que ‘elas gostam’

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 13 de fevereiro de 2018 às 23:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/ CORREIO

O trio ainda aguardava na fila e a banda apenas passava o som. Foi quando, para testar o instrumento, uma guitarra distorcida puxou acordes do refrão. O público que rodeava o caminhão reagiu na hora: uns gritaram aplaudindo. Outros, de shortinho descaradinho ou não, já viraram o quadril para o lado e começaram a quicar a bunda. Ali, na concentração dos blocos, no Corredor da Vitória, não havia como contestar o incrível sucesso de Elas Gostam - ou Popa da Bunda, como alguns preferem chamar.   

Terça-feira, encerramento do Carnaval, dia de pipoca no Campo Grande. À frente, viriam nomes consagrados desfilando sem corda, como Olodum, Saulo, Harmonia, Daniela e Baiana System. Mas, no seu primeiro Carnaval, a Àttoxxá e o seu hit também arrastaram uma multidão ensandecida. O coletivo formado por jovens de periferia confirmava não só a força de um hit, mas também de um tipo de som apontado como uma das novas influências da música baiana. “Muito bom fazer parte desse momento, com Baiana System logo à frente e outras tantas atrações de peso sem cordas”, disse Oz, um dos vocalistas.

Attoxxou geral. Com cinco apresentações convincentes neste Carnaval, fora as participações com outros artistas (Anitta e Psirico), o Àttoxxá não só gostou de “causar” com uma música, mas acredita ser um dos elementos de renovação do Carnaval. “Nosso mote principal é transformar a música baiana através do diálogo que ela pode ter com o Brasil e com o mundo. Dessa forma estamos cativando as pessoas na rua. Ainda mais em um trio sem cordas. Cola quem quer. Então é uma manifestação bem espontânea. É daí pra cima”, disse, antes da apresentação, o Dj Rafael Dias, produtor musical e criador da Àttoxá.

No chão, um público tão empolgado quanto diversificado. Tanto na quinta-feira no circuito Dodô, quanto na terça-feira, no Osmar, havia desde as chamadas àttoxxádeiras, jovens de periferia que criaram um fã clube, até turistas e estrangeiros. “Nunca ouvi nada parecido. É empolgante!”, disse uma turista alemã que se identificou apenas como Lorika. “Somos fãs deles desde o início. Sempre gostei dessa união do pagode popular com o eletrônico. Eles ultrapassam essa coisa do gueto”, observou Milena de Oliveira, 24 anos, uma das àttoxádeiras.

O pagode misturado com diversas influências atraiu do nada a piauiense Terciane Naira, 23 anos. “Eu gosto do suingão. Não conhecia. Muito bom!”. Na verdade, o coletivo não gosta de definir o próprio som. Não são nem Igor Kannário, nem Baiana System. Apesar de trazerem um “som de preto”, da periferia, querem comunicar para a favela e para a orla. “Você não precisa ser naturalmente da favela para querer mostrar um som que vem do gueto. A amizade, o contato com as pessoas desses lugares te dão um bom entendimento. Não importa se você é da favela ou orla”, completa Oz.

Por isso, no repertório, além de Elas Gostam e de composições próprias que começam a pegar, tinha desde Saiddy Bamba até Vai Malandra, de Anitta. “Queremos comunicar. O que posso dizer é que a gente privilegia sempre a linguagem daqui, da periferia, mas sempre querendo se fazer entender. Assim a gente pega a visão de todos e abraça todo tipo de pessoa, todo o tipo de classe social. Essa é a transformação que a gente tá tentando trazer. A gente quer que a galera se enxergue como iguais”, diz o outro vocal, Raoni.

Mesmo não tendo sido criado para ser uma banda de Carnaval, o Àttoxxá sempre teve a pretensão de participar da festa. Não imaginavam que o sucesso viria tão rápido, com menos de um ano de estrada. Na verdade, o Àttoxá, antes de ter outros integrantes, era formado apenas por Rafael, que atuava como Dj desde 2015. Só depois, veio a ideia do coletivo. “Sempre almejamos isso (tocar no Carnaval). Sendo músico da terra, seria burrice nossa não querer estar na maior festa popular do planeta. Ainda mais um evento que está caminhando para ser cada vez mais democrático”, afirmou Oz, um dos vocalistas.

Bahia Folia

O Troféu Bahia Folia divulga nessa quarta-feira, 14, a composição vencedora como melhor música do Carnaval de Salvador. A votação é feita através do site do G1 Bahia e por pesquisa de rua realizada pela TV Bahia. Há 24 anos, a TV Bahia elege o hit que faz a cabeça dos foliões nos circuitos da festa. Elas Gostam, do Àttoxxá é uma das favoritas. Os integrantes do grupo explicaram o conteúdo da composição e, diferente do que algumas pessoas interpretaram, disseram que o objetivo é justamente criticar a objetificação feminina. 

“Nossa intenção é realmente dar um ‘pega visão’. Mostrar que se usar shortinho é um comportamento natural e as pessoas precisam respeitar. Não é porque a mulher está usando um short que ela tá dando o seu corpo para alguém. Faz parte da nossa cultura e do nosso clima”, afirma o produtor Rafa Dias. 

Rafa lembra que a música foi criada justamente quando rolaram alguns assédios em uma festa de pagode durante o show da Àttoxxá. “Um turbilhão de coisas aconteceu. A gente chegou a ser notificado. Por isso fizemos duas músicas para dar a ideia para a galera: ‘Olha gente, vamos respeitar. A galera quer meter dança e ser livre’. Foi essa nossa mensagem”.