O mel e o fel estão na cabeça do homem

Por Rogério Menezes

  • D
  • Da Redação

Publicado em 6 de agosto de 2017 às 03:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Dona Águida – em sempiterno conluio com o senhor Crispim – nunca escondeu: queria muito que eu me tornasse alguém importante no então porvir. Evidências: 1. Aos 7 anos fui matriculado no curso de piano da então única loja maçônica da cidade. 2. Aos 14, sem que eu rogasse, sequer  pedisse, ele & ela me mandaram estudar em Salvador, onde cursei o colegial nos Irmãos Maristas (Colégio Nossa da Vitória) – uma das melhores e mais caras escolas da Salvador d’antanho.

Apesar do carinho e da dedicação das professoras de piano, as irmãs Uzeda (Lúcia e Luíza), minha carreira de pianista foi abortada aos 10 anos. Cheguei a realizar concerto coletivo público, mas frustrei minha mãe e, por tabela, meu pai, ao dizer-lhes: - Painho & mainha, não quero ser pianista! [Capricho de menino bobo que meus pais,  mesmo frustrados, atenderam. Não deveriam. Sabe-se lá, talvez fosse hoje músico célebre e virtuose que tivesse casas em Paris, Nova York e Vancouver, e fizesse apresentações públicas nas mais importantes metrópoles do mundo.  Mas De(u)stino, esse cruel,  não quis].

Quanto ao tempo no qual estudei no Colégio Maristas,  obtive relativo êxito: era medíocre  em ciências exatas e biológicas, mas excelente em História, Português e Literatura.  Foi o lugar onde mais aprendi na vida e também lá que o meu amor pelo ato de escrever explodiu. Culpados:  Euclides da Cunha, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Lúcio Cardoso, Eça de Queiroz, Miguel Torga, Fernando Pessoa e autores da mesma estirpe – lidos e dissecados em classe.

Decidi-me pelo jornalismo e pela literatura. Não devo ter feito a coisa certa. Escritor e jornalista são ofícios madrastos, e melhor seria se tivesse seguido outros rumos que me tornassem homem mais feliz. [Mas o De(u)stino, esse cruel, quis.] Brasília, 2008. Pego no contrapé, vi-me desempregado e falido e me obriguei a passar temporadas em casas alheias. Aceitei  convite de amigo que passaria 40 dias em Paris e carreguei meus magérrimos teréns para  quarto-e-sala na Octogonal, bem ao lado do  idolatrado Parque da Cidade.

Quando chegava em minha casa provisória - e devia me concentrar na escrita de novo romance - deixava-me enlevar pelo som do piano bem tocado no apartamento ao lado. Schubert, Bach, Villa-Lobos, Chopin et al ninavam minhas tardes vazias. [Investiguei e descobri:  o virtuose era um jovem de 16 anos. A mãe alugara o imóvel por temporada apenas para o filho exercitar-se em paz. No quarto-e-sala havia apenas piano Bössenfelder, banqueta – e nada].

Em certa tarde de crise criativa – o romance empacara – e existencial – a vida empacara – eu delirei: o pianista que se exercitava ao lado se chamava Rogério;  a mãe dele, Águida.  Num átimo, rebobinei o filme,  voltei aos 10 anos e disse: - Mainha & painho, quero ser pianista pelo resto da  vida!

[Palavras que não consolam] [Deu(s)tino o cacete!] [Aviso aos navegantes que singram este vale de lágrimas: somos responsáveis pelos nossos próprio atos]. [Kaput.]