O padre, a moça e os delírios da carne

por Rogério Menezes

  • D
  • Da Redação

Publicado em 24 de setembro de 2017 às 09:28

- Atualizado há um ano

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Passei parte de minha infância com o seguinte mantra em latim ladrando na mente: ‘Sic itur ad astra’. Segundo me afirmou a aplicada professora de Português, era frase em latim, que, digamos, na língua pátria, significa: ‘Assim se chega às estrelas’. Esse lema, bordado em letras douradas, ornava mapa-múndi do escudo que estufava as camisas cáquis que cobriam nossos peitos juvenis.

[Éramos alunos das primeiras séries do então curso ginasial do afamado Ginásio de Jequié – mais conhecido como Ginásio do Padre – e eu, perguntador de marca, pentelhava a mestra quase todo o dia com a seguinte questão: - Assim, como, professora? Como se chega às estrelas? [Ela nunca me respondeu].

Severo e rigoroso, o padre que dirigia esse ginásio acordava todas as manhãs para acompanhar as aulas de Educação Física. Com os polegares enfiados nos sovacos e batendo levemente os dedos na caixa torácica, humilhava alunos que exibissem rasgões ou sujeiras nas roupas esportivas, ou não usassem sapatos  chamados ‘galopins’ [imaculadamente limpos].

A humildade e a caridade lhe eram os mais abstratos dos substantivos. Vaidoso, usava nas missas dominicais batinas que emulavam fantasias usadas por Clovis Bornay nos desfiles de Carnaval do Teatro Municipal do Rio de Janeiro d’antanho. Por fortuna nunca revelada, o padre J.B.S. – iniciais fictícias – viajou até a Itália e voltou com um título de nobreza no peito: Marquês de Monte Maggiore.

[É vero – embora algumas beatas + birutas duvidem: padres e todos os canalhas que infestam a Igreja Católica, como é praxe em indivíduos do sexo masculino, carregam no meio das pernas pênis de dimensões variadas, circuncidados ou não, mas, enfim, pênis. Donde se deduz, o usam e o abusam quando a libido os incendeia e os transforma em cordeiros de Eros e Baco – a carne é fraca, sabe-se desde tempos imemoriais].

Padre J.B.S., o magnificente Marquês de Monte Maggiore, era vaidosíssimo. Durante as missas, dividia-se entre a leitura de trechos bíblicos em latim, em patéticos rodopios e genuflexões, e, last but not least, em olhares cobiçosos nas coxas das lolitas e pós-lolitas sentadas nas primeiras filas da igreja. [Não deu outra: na calada da noite, enquanto a cidade mergulhava em sono profundo, o Marquês de Monte Maggiore e a futura Marquesa de Monte Maggiore fugiram para a Itália].

Surpresa, escândalo, bafafá, beatas surtadas a bordo de vertigens extáticas: garota de cerca de 17 anos – com todo o physique-du-rôle daquelas santas e sonsas meninas dos anos 1960 – caíra nas garras e taras afiadas do padre-marquês-sadês. [De volta ao primeiro parágrafo: até hoje não sei como ‘sic itur ad astra’ – ou como se chega às estrelas, segundo aquela frase estampada nos escudos de nossas fardas de guris. Ainda hoje gostaria de saber como chegar às estrelas. Mas quer saber? Elas que se danem. Ou não – apud Caetano Veloso em ‘Cultura & Civilização’].