O som do Pará: estrela de Belém, Dona Onete, 73 anos, brilha no primeiro álbum

Gaby Amarantos participa do coro de duas canções do primeiro e ótimo álbum de Dona Onete

Publicado em 15 de setembro de 2012 às 08:12

Hagamenon [email protected]

Novidades sempre hão de pintar na música popular brasileira, como o tecnobrega que surgiu e estourou em Belém do Pará, pegou um ita no Norte e desceu conquistando o público e a mídia do país em 2012 com seus contagiantes beats tropicais. Sim, quem ainda não ‘tremeu’ ouvindo o pop regional paraense nesta temporada não sabe o que está perdendo.

Batizada Ionete Silveira Gama, Dona Onete, 73 anos, é a grande dama da velha guarda musical de Belém do Pará que produziu, digamos, o neto adolescente que é o tecnobrega e do qual a esfuziante cantora Gaby Amarantos, 34 anos, é a rainha.Professora  Não por acaso, Gaby Amarantos - que faz show hoje na Concha Acústica do TCA, às 18h - participa do coro de duas canções do primeiro e ótimo álbum de Dona Onete, Feitiço Caboclo (Na Music), patrocinado pelo Conexão Vivo.“Gaby é maravilhosa, é a nossa estrela. O sucesso do trabalho dela chama a atenção para outros talentos de Belém do Pará. Eu conheço ela desde menina, fui professora de História do pai dela”, afirma Dona Onete.

Compositora de mão cheia,  Dona Onete oferece um delicioso e miscigenado festim de ritmos regionais e afro-caribenhos, como carimbó, guitarrada, merengue, lambada, boi, brega e até samba com inserção de rap na faixa Rio de Lágrimas, que inclui toques eletrônicos.

Apesar dos vários sotaques, o gênero que melhor simboliza a música da cantora é o carimbó, ritmo que o país conheceu primeiro com o mestre Pinduca, 75, na década de 70. Quando Dona Onete canta Carimbó Chamegado, é impossível ficar parado.

A cantora conhece bem a cultura do seu estado e, curiosamente, começou a carreira artística há pouco mais de uma década. Após brilhar em concursos de carimbó, a professora de História que chegou a ser secretária de Cultura do município de Igarapé-Miri, nos anos 90, foi descoberta pelo grupo Coletivo Rádio Cipó, do qual fazia parte outra lenda paraense, Mestre Laurentino, 87.Jamburana  “Sempre me considerei uma compositora. Só recentemente, de tanto falarem, comecei a acreditar em mim como cantora também (risos). O Miranda (o produtor Carlos Eduardo Miranda) me disse que o público fica maluco quando eu estou no palco”, conta Onete, nascida em Cachoeira do Arari, noroeste do Pará, e autora de mais de 400 músicas.

Apesar do entusiasmo do público e do poder caliente de suas composições, Dona Onete lamenta, por causa de problemas nos quadris, não poder dançar um pouco mais nos shows. Especialmente, quando ela interpreta a gostosa Jamburana, outra faixa nota 10 do álbum.

“A música do Pará, assim como a  cultura, é sensual, e Jamburana é sobre isso”, explica Onete. A letra brinca de modo malicioso com a expressão treme, que tem conotação musical, sexual e culinário, já que a hortaliça paraense jambu causa uma sensação de formigamento e ‘treme-treme’ na boca.

Moreno Morenado também é uma canção sensual do repertório 100% autoral de  Feitiço Caboclo, álbum produzido por Marco André: “Oi! Moreno, ê moreno.../ Ora deixa eu sugar dessa boca/ O gostoso veneno/ Corpo queimado de sol/ Malícia tu tens no andar/ Esse teu olhar sereno/ Faz até eu imaginar/ Coisas que nesses meus versos/ Proibiram eu falar/ Ai, ui... Ê moreno...”.

Dona Onete, a senhora já viveu essas coisas sensuais que canta? “Muitas das coisas sim, e outras são histórias que ouvi de amigas. Gosto de música pra beijar na boca, sempre falo isso nos shows. Não existe coisa melhor do que beijar na boca. Já fiz isso muito quando dançava agarradinha nos bailes (risos)”, revela a cantora, que foi casada por 25 anos com o pai dos seus filhos.

Conversar com Dona Onete, mesmo por telefone, deixa o cabra tão apaixonado por ela quanto ouvir pérolas como Feitiço Caboclo, que fala do famoso chá de tamaquaré, e Homenagem aos Orixás, cuja letra exalta “Dandara, negra mucama favorita de Ganga Zumba”.

Como não se encantar pela sabedoria simples de quem pensa dessa forma sobre o que é o amor? “O amor não é paixão que queima e tira o sossego. O amor chega aos poucos e não vê cor, feiura, sexo, nada disso. O amor é calmo. A pessoa tem de chamar o outro de meu nego, minha nega. Todo mundo gosta de carinho, não é não?”. Claro, Dona Onete.

Dona Onete em ação no palco: vida ligada à cultura do estado do ParáAutoestimaCom tanto encanto assim, além da sua importância histórica na cena paraense, não é de admirar que a cantora tenha reunido tanta gente boa - da velha e da nova guarda - na sua estreia em disco.

Além de Gaby Amarantos e Marco André, participam de Feitiço Caboclo Lia Sophia, Luê Soares, Keila Gentil (da Gang do Eletro), o baixista MG Calibre, a percussão do Trio Manari e os ases da guitarrada Manoel Cordeiro (pai de Felipe Cordeiro), Mestre Vieira e Pio Lobato.

“Acho que, enfim, o povo e o governo paraense aprenderam a ter orgulho musical de suas raízes. Por isso é que agora a música do Pará, com seus vários gêneros e artistas, está aparecendo mais forte  no país . Antes, só o que era de fora era bom, não tínhamos autoestima como têm vocês, baianos e pernambucanos", diz Dona Onete.

O som kitsch pop cult paraense de Felipe CordeiroFilho do produtor e grande guitarrista Manoel Cordeiro, músico fundamental para dar visibilidade à lambada na década de 80, o cantor e compositor Felipe Cordeiro, 28 anos, é outra prova da força e da variedade que veio lá do Norte para oxigenar a música popular brasileira.

Produzido por André Abujamra (ex-Os Mulheres Negras, Karnak), Kitsch Pop Cult (Na Music), o segundo álbum de Felipe, diverte e instiga ao mesmo tempo com suas dez canções que, de modo irônico e pop, olham para as raízes paraenses do artista e para a vanguarda paulista, vide as canções Fanzine Kitsch e Café Pequeno. A primeira lembra a estética - incluindo os vocais femininos -  de Arrigo Barnabé e a banda Sabor de Veneno. Já Café Pequeno reverencia o canto falado do Grupo Rumo.Formado em Filosofia, Felipe Cordeiro é uma espécie de téorico da cena de Belém do Pará e divide a autoria de uma música com Gaby Amarantos, Ela Tá no Ar, gravada pela rainha do tecnobrega em seu álbum Treme (Som Livre). Mas a formação acadêmica de Felipe não prejudica o frescor de uma música que, assumidamente, é feita de maneira racional, calculada. E unir bem, com equilíbrio e apelo pop, o brega paraense - no sentido de gênero musical mesmo – com referências de Karnak, Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé e Luiz Tatit não é para qualquer um. Legal e Ilegal, que mescla carimbó, cúmbia e a sonoridade do Karnak, é exemplar nesse sentido, a começar pela letra espirituosa, que associa um tipo de droga ou bebida ao seu gênero musical adequado.

Felipe Cordeiro abre o show da conterrânea Gaby Amarantos hoje na Concha “Aguardente no bom samba canção/ Uisquinho da bossa nova/ Caspa do diabo no rock’n’roll/ Erva do amor no reggae night/ Cultura sintética no drum’n’bass (rosinha, branquinha, pílula amarela)/ Cuba libre na salsa peruana/ Flocos de milho com cerveja no velho punk (e toma-te! e toma-te!)/ Lança perfume no Carnaval/ A gengibirra no marabaixo/ Muito tabaco no bolero (essa eu não tolero! essa eu não tolero!)/ Um vinhozinho ou chocolate quente (no tango é bom!)/ A tequila no merengue (é dessa que eu gosto! é dessa que eu gosto!)”.“A música brega no Pará não é um adjetivo, como acontece em outros lugares, é um gênero musical. Como convivi com isso de perto, me aproprio disso. Quis  fazer algo moderno e criativo a partir disso, evitando a caricatura. E, ao mesmo tempo, a prosa urbana da música feita em São Paulo, especialmente nos anos 80, me agrada muito”, explica Felipe.O certo é que, sem esquecer as lições do passado, a geração de Felipe Cordeiro, Gaby Amarantos, Lia Sophia e Luê Soares (as duas últimas preparam discos com patrocínio da Natura), faz a música brasileira produzida em Belém do Pará avançar.

KITSCH POP CULT* Artista Felipe Cordeiro* Produção André Abujamra* Lançamento Na Music* Preço R$ 20