Onde está Amadeu? Família busca na Bahia artesão sumido há 10 anos

Uma das pistas é reportagem do CORREIO de 2011

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  • Thais Borges

Publicado em 23 de novembro de 2017 às 03:00

- Atualizado há um ano

Desde cedo, o jovem Amadeu Saldanha Neto queria ficar perto da praia. Ainda adolescente, aos 17 anos, saiu da casa onde morava, no centro de Fortaleza (CE), para viver de frente para a praia de Iracema, um dos cartões postais da capital cearense. De praia em praia, pegando carona pelo mundo, Amadeu veio parar em Salvador, onde vivia, de frente para o mar, na Praia da Preguiça, na Avenida Contorno. 

Era dezembro de 2011 quando Amadeu apareceu nas páginas do CORREIO. Numa reportagem sobre moradores de rua que tinham se firmado ali, se apresentou como artesão e contou que, se tivesse condições financeiras, voltaria para casa. Voltaria para a família, com quem não tinha contato há anos. Esse foi o último registro concreto de que Amadeu teria passado por algum lugar. Imagem divulgada pela família a fim de localizar Amadeu Saldanha Neto (Foto: Reprodução) Hoje, cerca de dez anos depois que a família soube dele pela última vez, Amadeu é alvo de um grupo de buscas. Sua irmã, a analista administrativa Ana Paula Saldanha Martins, 40 anos, é quem está na linha de frente da cruzada para encontrá-lo e - quem sabe - trazê-lo de volta para os parentes. De lá, de Fortaleza, tentam encontrar pistas de onde Amadeu estaria aqui.

Se estiver vivo, o artesão terá completado, em 15 de outubro, 43 anos de idade. Era o mais velho de três irmãos por parte de mãe e outro por parte de pai.“A lembrança que tenho dele é que era muito criativo, que gostava de desenvolver as coisas”, diz Ana Paula.Amadeu tentou jogar futebol, mas, ainda na adolescência, descobriu uma paixão pelo surfe.

Para a irmã, esse foi o começo do fim. Amadeu largou os estudos no primeiro ano do ensino médio e começou a viver na rua. Na época, a mãe vendia marmitas para sustentar os três filhos. Enquanto isso, ele virou figurinha conhecida entre os surfistas da Praia de Iracema até que, um tempo depois, se mudou para Canoa Quebrada, praia que fica a cerca de 160 quilômetros de distância de Fortaleza. Lá, se tornou artesão.

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Alcoolismo “Ele viajou, passou uns quatro anos fora e voltou, mas nós tínhamos telefone e ele sempre falava pelo telefone. Só que, quando ele voltou, a gente não tinha maturidade ainda para entender que ele estava com um problema com vício”, lembra Ana Paula, que perdeu o pai há dois anos, depois de lutar durante toda a vida contra o alcoolismo.

Amadeu, que hoje ela percebe que era alcoólatra, estava usando outras drogas. Em casa, estava mais ‘selvagem’. Não queria mais dormir na cama; preferia ficar na rede. Passa três dias bem, até que tinha outra recaída. Nesses momentos, o alcoolismo era cruel com a família. A mãe Dona Francisca e a irmã de Amadeu, Ana Paula, não perdem as esperanças de encontrá-lo (Foto: Divulgação) Um dia, aos 27 anos, ele decidiu que iria para Recife (PE). Na época, sempre viajava acompanhado de um amigo, cuja família também vivia em Fortaleza. A mãe desse amigo, por vezes, também transmitia notícias de Amadeu. Pouco tempo depois, essa senhora também não deu mais sinais. Não sabem se morreu ou se trocou de endereço. 

Enquanto isso, Ana Paula precisou se mudar e não teve como manter a linha telefônica – para onde Amadeu costumava ligar. “(A linha) ficou com meu irmão um tempo e ele disse que Amadeu ligou, mas poucas vezes. Depois, ele teve que se desfazer da linha”, lembra.

Os anos que se seguiram foram no escuro. Não se sabia nada sobre Amadeu. Até que, esse ano, Ana Paula reforçou as buscas pelo irmão. Criou um site, anunciava em redes sociais, tinha grupos no Whatsapp. Era tudo que pudesse, de alguma forma, conectá-la ao irmão. Em junho, um conhecido enviou um link: era a reportagem do CORREIO.

Reportagem Seis anos após ter sido publicado, o texto deu à família uma nova esperança. Eram três linhas, mas o suficiente para dar uma nova direção.“Por isso, a busca gira em torno da Bahia, que é onde ele estaria provavelmente”, diz a prima de Amadeu, Adeliane Alcântara, 25, uma das mais ativas no grupo.Nos arquivos do CORREIO, não há fotos de Amadeu. Entre as imagens daquele dia, feitas pelo fotógrafo Antônio Saturnino, não há nem pessoas identificadas como o artesão, nem pessoas que se pareçam com o homem que aparece nos retratos divulgados pela família. O texto é assinado pela jornalista Florence Perez, que trabalhava como repórter no CORREIO, na época.

Procurada, ela contou que se lembrava pouco do dia. Não lembrava da fisionomia de Amadeu. “Infelizmente, queria ajudar mais, mas a única coisa que posso dizer é que todos ali foram muito tranquilos, receptivos e falaram com a reportagem”, explica.

Possíveis Amadeus  Ana Paula e a família não têm recursos financeiros para viajar a todos os locais onde há suspeita de que Amadeu esteja. Após ter encontrado a reportagem, houve dois ‘suspostos’ Amadeus em Santa Luzia (PB) e em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador. Na primeira vez, Ana Paula e Adeliane chegaram a viajar a Santa Luzia, para encontrar o rapaz em questão.

Era um andarilho que se recusava a dizer seu nome. “O perfil do meu irmão não é de andarilho, mas o rapaz parecia muito com ele e estava desorientado. A cidade toda estava me mandando fotos, vídeos... Causou uma confusão na minha cabeça”, lembra. Em Camaçari, ela descartou logo a hipótese. Tinha certeza de que as fotos não eram dele.

No vídeo abaixo, mãe e irmã contam a história do desaparecimento.

Na situação de Santa Luzia, Ana Paula conheceu o jornalista Henrique Melo, 46, que mora na cidade. Conhecido na região por ajudar a investigar casos de desaparecidos, Henrique tem ajudado nas buscas. É um dos que mais orienta os possíveis passos do grupo.

Nas últimas semanas, surgiram pistas de que Amadeu estaria em frente ao Mercado Modelo, mas também no Farol da Barra e na região do Iguatemi.

Conseguiram voluntários para ir ao Mercado Modelo e, lá, encontraram pessoas que diziam conhecer Amadeu. Mas cada uma dizia uma coisa. Num outro dia, contrataram um taxista para ir até uma árvore, próximo ao Farol da Barra, onde Amadeu costumaria ficar. Os hippies que lá estavam disseram que não o conheciam.“Estão surgindo informações desencontradas, mas isso não é ruim. O que a gente quer é que as pessoas comecem a entrar em contato”, explica Henrique.Enquanto isso, a família sofre. A mãe, dona Francisca, já não tem mais a mesma emoção em feriados como o Natal e o Dia das Mães. Mesmo assim, mesmo depois de 10 anos, Ana Paula não perdeu as esperanças de encontrá-lo – e vivo.

"A pior coisa que tem é não ter uma resposta. Todos nós precisamos saber: onde está Amadeu? Se ele tiver criado família, vínculos, vamos respeitar, mas a gente precisa ver onde ele está morando, se ele quer voltar para casa, se quer ajuda no tratamento”, desabafa.

Amadeu nunca teve documentos. Agora, recentemente, Ana Paula conseguiu tirar a certidão de nascimento do irmão. Enquanto ela se empenha na busca por ele, também ajuda outras famílias. Criou um grupo de divulgação para pessoas desaparecidas e, lá, espera mudar o destino de outras pessoas.