Orquestra com 50 sanfoneiros toca no primeiro clipe de Gonzagão

A emoção tomou conta da Fazenda Araripe, em Exu, Pernambuco, no último dia 8, cenário de onde Luiz partiu para o mundo

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 20 de junho de 2017 às 09:25

- Atualizado há um ano

Numa tarde bem tristonha, em agosto de 1989, o corpo de Luiz Gonzaga era enterrado por uma chorosa multidão, no cemitério de Exu, Pernambuco, sua terra natal. Eis que, 28 anos depois, no início deste mês, o velho Lua reapareceu, na mesma Exu, dessa vez ao lado da casa em que passou a infância, no pé da Serra do Araripe.

Não, não era a assombração do Menino do Braçanã. Luiz Gonzaga podia ser visto redivivo em projeções mapeadas na fachada da igreja ao lado de sua antiga residência, onde morava antes de deixar Exu. Nesse cenário perfeito para revivê-lo, duas produtoras, uma de vídeo (Zepelin Produtora Visual) e outra de música (Brisa Som + Ideais), gravaram, no dia 8 de junho, o primeiro clipe do Rei do Baião. Luiz Gonzaga é ‘ressuscitado’ para gravação do seu primeiro videoclipe (Foto: Hercules Felix/Divulgação)Isso mesmo. Idealizado pela agência New Style, o primeiro clipe de Gonzagão, que será lançado amanhã (21), foi produzido a partir de imagens de um vídeo inédito em que Gonzaga toca Asa Branca só em voz e sanfona. Um achado no acervo da TV Cultura de São Paulo. Aos pés do Luiz gigantesco projetado no vídeo mapping da fachada, cerca de 50 “sanfoneiros machos” e algumas sanfoneiras. O videoclipe é uma das principais ações da campanha da cervejaria Schin no São João 2017.

“Na época de Luiz Gonzaga não existia videoclipe. Não tinha essa tecnologia. Quando encontramos essas imagens raríssimas, tivemos a ideia de fazer o clipe com projeções para dar um ar de realidade. Então colocamos 50 sanfoneiros para tocar junto com ele, além de um zabumbeiro e o trianguleiro em cima do arranjo”, explicou a cantora Mariana Aydar, uma das responsáveis pela direção musical do clipe.

As imagens raras da TV Cultura mudaram os rumos da produção, diz o diretor-geral do clipe, Rodrigo Zanchini. “Com o material dele tocando Asa Branca só com a sanfona, pudemos colocar ele tocando com o pessoal ao vivo aqui. É uma orquestra de sanfonas tocando com o maestro no telão, entende?”, explicou.

A comunidade da Fazenda Araripe também participou das gravações. Logo atrás dos sanfoneiros, ajudaram no coro, dançaram e tiraram fotos. Uma das que estavam lá, quando era criança, conheceu Gonzagão de perto. Ele e a mãe  dela eram vizinhos. “É como se tivesse vendo ele de novo, né? Só que maior. Ele é grande desse jeito aí mesmo”, disse Jamila Maria de Souza, 49 anos.Oswaldinho do Arcodeon, um dos díscipulos de Luiz Gonzaga, participou da gravação (Foto:Hércules Felix) 

Puxa o fole

Eles foram chegando de todos os cantos e regiões. De carro, em vans, de ônibus e até a pé. Perto do início da gravação, assim que anoiteceu, formavam uma orquestra de sanfonas. Mas quem puxou o fole foi Seu Luí. Um trabalho repetido exaustivamente até a perfeição. As gravações, na Fazenda Araripe, distrito de Exu, iniciaram às 18h e se estenderam até a madrugada do dia seguinte.

Entre os principais sanfoneiros, Oswaldinho do Acordeon, Lulinha Alencar e Joquinha Gonzaga, este último sobrinho do rei. Asa Branca ainda ganhou um videoclipe no ano em que completa 70 anos. A música “hino do Nordeste” foi composta em 1947 por Luiz Gonzaga em parceria com Humberto Teixeira. “Eu me emocionei muito. Senti a presença dele. Parece que estávamos do lado dele no palco. Ainda mais junto com tantos colegas. Fico feliz porque o que ele criou está se fortalecendo”, disse Joquinha.

Oswaldinho do Acordeon, um dos seus principais pupilos, estava visivelmente emocionado. Quantas vezes dividiu o palco com o Rei do Baião? E agora, ao lado da casa simples que ele viveu, podia sentir aquela atmosfera, criada para que ele revivesse em forma de clipe. Mais experiente entre todos da orquestra, Oswaldinho acredita que Gonzagão se deliciou com a homenagem.

“Uma surpresa muito boa. Além de ser para quem é, tem vários colegas da mesma profissão fazendo essa homenagem muito querida ao nosso grande rei. E nesse cenário, perto da casa do pai dele, nessa fazenda que ele andou muito”, disse seu Oswaldo. “Ele deve tá se deliciando”, arrematou.

Com sorriso com mais dentes que o teclado da própria sanfona, o potiguar Lulinha Alencar nunca imaginou participar de um clipe de Luiz Gonzaga. “Tocar junto com ele é muito emocionante. Quanto mais homenagem tiver vai ser pouco diante da grandeza que seu Luiz é para gente”, disse Lulinha, que além de ter o nome do Rei do Baião, nasceu na mesma data, em 13  de dezembro. “Tem essa briga lá em casa. Minha mãe diz que meu nome é por causa de Santa Luzia. Meu pai, que também é sanfoneiro, diz que é por causa de Gonzaga. O fato  nada diminui a emoção desse momento”.

Da nova geração de sanfoneiros, o sergipano Mestrinho foi um dos que conduziram a orquestra. “Momento único. Você poder tá na terra do rei, onde ele pisou, onde tudo começou, do lado da casa dele e pertinho da igreja já é um privilégio sem tamanho. Imagine poder tocar junto com ele. Uma energia grandiosa, um momento único”.Rodrigo Zanchini é o diretor do clipe de Gonzagão (Foto: Hercules Felix/Divulgação)‘Achamos uma relíquia’, diz diretor

O diretor-geral do primeiro clipe de Luiz Gonzaga tinha um desafio. “Como que eu faço o clipe de Asa Branca se eu não tenho mais o cara pra cantar pra gente? Fomos atrás de um material em que ele estivesse cantando só a Asa Branca com sanfona. Procuramos em todos os cantos e ninguém tinha”, contou Rodrigo Zanchini.

Mas os problemas de Zanchini acabaram às vésperas do início das gravações. Ele recebu uma ligação que mudou tudo. “Três dias antes de eu vir aqui conhecer a cidade, uns 15 dias antes do início das gravações, aparece um cara da TV Cultura dizendo que achou um material raro. Ele disse que não ia mandar para mim. Queria que eu fosse lá conhecer. Fomos lá e achamos uma relíquia”.

Nas imagens, o Rei do Baião tocava Asa Branca só com a sanfona. Tudo o que Zanchini queria. Mas, além de tudo, o Rei do Baião está cantando com verdade, uma emoção diferenciada. “É incrível! Nas imagens, ele já estava no final da carreira. Ele toca com o sentimento de uma vida inteira. Ele está sentindo a música”.

O diretor explica que, além do material antigo, novas imagens e sons são misturados. “Tanto imagem como o som de Gonzaga a gente tá misturando com imagens novas e os sons dos sanfoneiros aqui”. Cineasta especialista em videoclipe, ele conta que tudo começou quando produziu um trabalho para o sergipano Mestrinho do Acordeon e a baiana Ivete Sangalo.

“Conheci um cara chamado Mestrinho, que é um dos sanfoneiros da nova geração e fez uma música com uma baiana chamada Ivete Sangalo, você conhece?”, brincou Rodrigo. “Uma música linda dos dois, composição do Mestrinho. Por coincidência viram esse trabalho, com a mesma temática, e me chamaram para fazer esse videoclipe”.

A partir daí, bastou selecionar os sanfoneiros, boa parte discípulos diretos de Gonzaga. “Essa seleção de sanfoneiros foi escolhida a dedo. São sanfoneiros que carregam esse legado e que foram mais diretamente influenciados pelo Gonzaga. A gente tá muito emocionado”, disse a cantora Mariana Aydar, que cuidou da direção musical. 

*O jornalista viajou a convite da cervejaria Schin