Os Balangandãs de Antônio Maria

Texto do cronista, poeta e compositor Antônio Maria que residiu na Bahia, enquanto diretor artístico da Rádio Sociedade, escrito para a revista Manchete em 11 de abril de 1953.

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  • Nelson Cadena

Publicado em 18 de agosto de 2017 às 04:00

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“A mania das pulseiras de balangandãs começou por causa de um samba do compositor Dorival Caymmi. A palavra barangandãs foi um som novo, despertou discussões (alguns queriam que fosse baragandans e as mulheres, quando souberam que se tratava de ouro, interessaram-se vivamente. Daí em diante foi moda ter uma pulseira imensa, nem sempre de bom gosto, onde se amontoavam bolas, peixes, corcundas, tesouras, figas, garrafinhas, canecas, tudo em ouro velho e vermelho. Gente rica escrevia para os conhecidos em Salvador e pedia mais uma pulseira”.

“Os antiquados mais procurados eram o de Hercílio, numa rua que começava em frente ao Cinema Glória, e o do Carioca, lá para as bandas de Itapagipe. O vendedor de antiguidades prepara sua casa com a malícia de um mercador chinês. Tudo cheira a velhice. As salas são escuras, os objetos (com exceção do ouro que é guardado em cofres) são largados nos cantos. Chega o turista e quer ver, primeiro, o que pode comprar em matéria de lustres. Hercílio mostra o que tem provando a autenticidade de cada peça. Depois exibem-se os cristais, e o que houver trabalhado em pico de jaca é comprado sem discussão de preço”.

“Nessa altura, quando já há negócio feito, uma mulher, cheirando a espermacete, traz uma bandeja de café e pergunta se deve ir buscar os barangandãs. A moça do Rio, ou, de São Paulo, ficava de alma acessa, escolhia, escolhia, até que, uma hora depois, pagava de 10 a 20 contos por uma pulseira cheia de trecos, hoje fora de moda, melancolicamente largada numa gaveta. Muita gente pensa que as senhoras e sinhazinhas de antigamente usavam esses enfeites. Mas, não é verdade. Já nos começos do século passado os barangandãs eram considerados adornos de mau gosto. Serviam para enfeitar as saias das babás, quando saiam em dias de festa, com o sinhozinho pela mão”.

“De prata, ou, de ouro, várias armações em toda a roda da saia, aquela ferramenta, tinindo, chocalhando, anunciava a aproximação de um menino endinheirado, junto de quem não devia se falar palavrão, ou, fazer gesto imoral. A casa de Carioca era maior e trabalhava com uma variedade mais apreciável. Seu estoque de caixas de música era o que pode imaginar de mais curioso e rico. Também os jacarandás - longos sofás e cadeiras de espaldar caprichoso - traziam gente de longe para derramar dinheiro paulista e gaúcho, ali, em frente ao mar da Bahia”.

"Com o tempo, o que era realmente antigo foi ficando escasso. Então, em Salvador, a indústria de antiguidades começou a trabalhar dia e noite. Todas as figuras de uma pulseira velha começaram a ser feitas com esmero, num sótão da Baixa dos Sapateiros e numa água furtada da Rua de Baixo. O móvel de jacarandá era feito de madeira nova, fiava pronto em uma semana e era posto na chuva para envelhecer depressa. Com 15 dias de sereno e vento do mar, com duas chuvaradas de peso, o jacarandá ganhava uma nobreza de se lhe tirar o chapéu. E assim continuam vivendo os donos dos antiquários, apresentando uma comovente pobreza, mas, cheios de dinheiro, nos bancos da cidade-baixa”.