Os desafios do saneamento básico na Bahia

Estado tem apenas duas cidades entre as 50 melhores do País nessa área com mais de 100 mil habitantes, segundo dados do Instituto Trata Brasil

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  • Murilo Gitel

Publicado em 2 de outubro de 2017 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: (Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil)

Dez anos depois de publicada a Política Nacional de Saneamento Básico (lei nº 11.145), quase metade da população brasileira (49,74%) ainda deixa de receber atendimento total de esgoto e 16,7% não recebem água em casa. O atraso revelado pelo Instituto Trata Brasil, com base em dados do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS), demonstra ainda que para universalizar esses serviços seria necessário o investimento de R$ 317 bilhões durante um período de 20 anos, o que dá R$ 16 bilhões por ano. O problema é que, hoje, o País investe apenas R$ 11 bilhões anualmente no setor.

Na Bahia, para que todos os habitantes do estado tenham suas casas conectadas a redes de tratamento de esgoto seria necessário um investimento de R$ 18 bilhões até 2025. Apesar da alta soma, os benefícios ocasionados pela oferta maior de saneamento gerariam uma economia para o estado bem maior: de R$ 20 bilhões. Atualmente, apenas dois municípos do estado estão classificados entre os 50 melhores em acesso à água e serviços de esgoto pelo Trata Brasil: Salvador e Vitória da Conquista. O ranking leva em conta apenas os muicípios com mais de 100 mil habitantes.

“A Bahia ainda enfrenta um grave déficit dos serviços e uma persistente incapacidade dos entes públicos no nível estadual e municipal para o enfrentamento deste quadro”, observa Patrícia Borja, professora doutora do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Segundo a especialista, os baixos níveis de participação e controle social e, principalmente, segundo ela, as ameaças da privatização põem em risco a universalização dos serviços no estado. O assunto é controverso e outros especialistas defendem que como os recursos estatais são pequenos, o acesso aos servios de água e esgoto só será ampliado caso haja maior parceria entre o estado brasileiro e a iniciativa privada.

Diversos estudos demonstram que os serviços de água tratada, coleta e tratamento dos esgotos levam à melhoria da qualidade de vida das pessoas, sobretudo na saúde infantil, com redução da mortalidade, melhorias na aprendizagem, expansão do turismo, valorização dos imóveis, renda do trabalhador, despoluição dos rios e preservação dos recursos hídricos.A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, para cada R$ 100 milhões aplicados em tratamento de água, são gerados R$ 250 milhões para a economia do País. Os investimentos em esgoto geram resultados ainda mais expressivos: para cada R$ 100 milhões investidos, são gerados benefícios econômicos da ordem de R$ 890 milhões.Os números, embora ainda ruins, mostram avanços. Na média brasileira, em 2005 apenas 81,7% da população era atendida com abastecimento de água (agora são 83,3%). Ou seja, em um período de 10 anos, 26,4 milhões de pessoas foram beneficiadas pela melhora do saneamento básico no País.

Um estudo da Agência Nacional de Águas (ANA) divulgado neste mês de setembro levantou, pela primeira vez, as condições do tratamento dos resíduos coletados em todas as cidades brasileiras. Os resultados mostram que, apesar de a maioria da população ter algum tipo de coleta de esgoto, mesmo que de forma individual, esses resíduos são tratados de maneira inadequada e ineficiente na maior parte do País.

O levantamento aponta que 43% da população urbana brasileira é atendida por rede coletora e estação de tratamento de esgotos (sistema coletivo); 12%, fossa séptica (solução individual); 18% se enquadram na situação em que os esgotos são coletados, mas não são tratados; e 27% são desprovidos de atendimento, ou seja, não há coleta nem tratamento de esgoto. Uma vez somada a parcela dos cidadãos que não têm esgoto tratado e os que carecem de coleta, são 45% da população, ou 93,6 milhões

Cobertura

No ranking mais recente do Trata Brasil, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) formada por empresas ligadas à cadeia produtiva do saneamento básico, apenas uma cidade baiana aparece entre as dez melhores do País quando o assunto é saneamento básico: Vitória da Conquista. O município do Sudoeste do estado, que ocupava a 21ª posição em 2016, ostenta agora a décima colocação. Lá, o Indicador de Atendimento Total de Água atinge 100% da população. Já o de esgoto alcança 80,73%.

Um importante passo para que o município chegasse aos 85% de cobertura de esgotamento foi a instalação da nova Estação de Tratamento do Sistema de Esgotamento Sanitário (ETE). Trata-se de um sistema construído com recursos federais e estaduais, por meio da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), que somaram aproximadamente R$ 120 milhões.

Salvador, a segunda melhor cidade baiana no ranking, aparece na 45ª colocação. Segundo o levantamento, 92,19% dos soteropolitanos recebiam água em casa há dois anos, enquanto 79,78% contavam com atendimento de esgoto.

Atraso

“Dos 417 municípios baianos, a Embasa atua em 366 com abastecimento de água e em 122 com o serviço de coleta e tratamento de esgoto. A falta de um marco regulatório para os investimentos e prestação dos serviços de saneamento básico, até janeiro de 2007, gerou um atraso no desenvolvimento de ações estruturantes que visassem a ampliação do acesso a esses serviços”, explica o presidente da companhia, Rogério Cedraz.

Instituída em 5 de janeiro de 2007, a Política Nacional de Saneamento Básico (lei nº 11.145) traçou diretrizes para dar conta do grande déficit de cobertura do atendimento dos serviços de saneamento no País, causado por mais de 20 anos sem investimentos estruturantes no setor. Na Bahia, a Lei Estadual de Saneamento Básico n°11.172 entrou em vigência em 2008, instituindo os meios necessários para que as determinações da lei nacional fossem cumpridas. Essa legislação também deu origem à Comissão de Regulação dos Serviços Públicos de Saneamento Básico (Coresab), hoje Agência Reguladora de Saneamento Básico da Bahia (Agersa).

Ao ser perguntado sobre o que considera os maiores desafios para a universalização do saneamento básico na Bahia, Cedraz cita que, nas cidades, a ocupação irregular do solo dificulta e, em alguns casos, até inviabiliza a prestação do serviço. “Em diversas áreas de ocupação espontânea da cidade, a ampliação da cobertura de esgotamento sanitário é um grande desafio, pois esses locais não contam com a infraestrutura urbana mínima para a implantação das redes, como macro e microdrenagem de águas pluviais, arruamento, pavimentação e contenção de encostas, tarefas que são de responsabilidade do poder público municipal”, justifica.

O presidente da Embasa também observa a existência de imóveis erguidos às margens de mananciais e em áreas de preservação ambiental permanente, “que não deveriam ser ocupadas, e nas quais não é possível implantar redes”.

Como obra de maior porte para Salvador, a Embasa informa que está licitando a primeira etapa da ampliação da captação na barragem de Santa Helena, com recursos orçados em R$ 168 milhões. “Essa obra prevê a implantação de uma adutora de água bruta com extensão de 10,7 km, em paralelo às duas adutoras já existentes, além da instalação de cinco equipamentos de bombeamento novos na estação elevatória de água bruta existente e de melhorias em sua infraestrutura”, destaca Cedraz.

Considerando-se a totalidade do empreendimento (que é dividido em quatro etapas), a ampliação do sistema de transposição das águas de Santa Helena para a barragem de Joanes II tem previsão de elevar a produção de água em volume equivalente a 50% da atual demanda do sistema. “Em suas quatro fases, o empreendimento prevê investimento total estimado de R$ 890 milhões, com projeto em elaboração para posterior captação de recursos. Além disso, está prevista também a elaboração de projeto para a construção, em maior prazo, da barragem de Itapecerica”, estima o presidente da Embasa.