'Parece um pesadelo sem fim', diz irmão e tio de vítimas de desabamento em Pituaçu

Alex sobreviveu à tragédia e enterra parte da família nesta tarde no Cemitério Municipal de Brotas

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  • Bruno Wendel

Publicado em 14 de março de 2018 às 15:03

- Atualizado há um ano

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Foto: Bruno Wendel/CORREIO Os hematomas no rosto e nos braços ainda doem. Mas nada se compara ao sofrimento de ter que reconhecer e liberar no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues quatro corpos de familiares. “É uma dor que não tem tamanho e que se expande para o meu coração”, disse Alex Pereira de Jesus, 29 anos, na manhã desta quarta-feira (14). Ele é um dos três sobreviventes da tragédia em Pituaçu, onde um imóvel desabou matando os dois irmãos e dois sobrinhos de Alex. 

Ainda atordoado com a situação, Alex contou o drama que viveu. “Ainda passa um filme na cabeça. Dormíamos em nossa cama, eu, minha esposa, minha filha [um bebê de 11 meses] quando tudo desabou”, relembra. “Quando abri os olhos, estava preso debaixo dos escombros e comecei a gritar, pedir ajuda, rezava também, pedi a deus para tirar eu e minha família daquela situação. Mas não tinha noção do que tinha acontecido. Só me dei conta quando fui resgatado”, complementou. 

Alex disse que chegou a acompanhar o resgate de um dos corpos. “Foi horrível. Presenciei meu sobrinho [Robert, de 12 anos] sendo resgatado sem vida e logo após não aguentei ver mais nada. Aquela cena era demais pra mim e também as pancadas que levei doíam muito e fui levado pelo Samu (Serviço de Atendimento Médico de Urgência) para ser medicado”, contou. 

Depois do resgate dos corpos, com fim das buscas pelo Corpo de Bombeiros, Alex e a mulher e a filha dele foram acolhidos por um amigo e passaram a noite numa casa no bairro de Piatã. “Estou até agora sem entender o que aconteceu. Parece que estou num pesadelo sem fim. Eu e minha mulher não conseguimos dormir hora nenhuma. Não pregamos o olho um só instante. É duro vir aqui para fazer o reconhecimento dos corpos de pessoas importantes para você”, disse ele. 

Alex disse que morar todos juntos era um sonho da família. “Nós erámos uma família de verdade, todo mundo se ajudava, ajudávamos um ao outro. A nossa relação era a melhor possível e era o desejo de toda família morar tudo mundo junto”, declarou. Questionado sobre a obra da casa, ele respondeu: “Não quero falar sobre isso. Isso me machuca muito”.  

O diretor da Defesa Civil de Salvador (Codesal), Sosthenes Macedo, afirmou na terça-feira (13) que o imóvel de quatro pavimentos que desabou foi construído de forma irregular. Seis casas vizinhas foram isoladas – uma delas foi parcialmente demolida para facilitar o trabalho de resgate e cinco demolidas hoje de manhã. 

"Esse não é um local de escorregamento de terra. Trata-se de uma construção irregular. Ou seja, há um risco construtivo. Pelo que a gente apurou, era uma edificação de quatro pavimentos: sótão, térreo, primeiro andar e cobertura. Isso certamente pode ter pesado nesse período de chuvas e ter acontecido esse desabamento", afirmou.

Relembre o caso Era início da manhã de terça-feira (13) e havia chovido mais da metade do previsto para todo o mês de março. No imóvel de quatro pavimentos construído de forma irregular na Rua Alto de São João, bairro de Pituaçu, em Salvador, sete pessoas da mesma família dormiam.

Um forte barulho vindo do local, já por volta das 5h30, chamou a atenção de vizinhos. A edificação, erguida com muito suor pela família Pereira, veio abaixo às 5h50 soterrando todos e matando quatro pessoas. 

Rosemary Pereira, 34 anos, seus filhos Arthur, de apenas 1 ano, e Robert, de 12, além de Allan Pereira, 31, estavam no térreo quando a construção desabou. Os quatro morreram depois de ficarem soterrados. No andar superior estavam Alex, a esposa e a filha, de apenas 11 meses, os únicos sobreviventes da tragédia. 

Minutos antes do imóvel cair, segundo relataram familiares das vítimas ao CORREIO, um dos vizinhos escutou um forte barulho vindo da casa. Preocupado, ele tentou avisar aos moradores que algo estranho estava acontecendo. Mas foi em vão, ninguém o escutou. Minutos depois, um outro barulho mais forte pode ser ouvido, dessa vez também por outros vizinhos. A casa tinha caído.

A partir daí, iniciava-se uma luta contra o tempo. Vizinhos e amigos se uniram para buscar possíveis sobreviventes. Todos se ajudaram tirando parte do que restou. Alex foi o primeiro a sair dos destroços. As equipes do Corpo de Bombeiros ainda nem tinham chegado no local.

Foi Alex também que ajudou na busca da mulher, da filha, dos irmãos e dos sobrinhos. Permaneceu, mesmo com arranhões no rosto, em meio ao que restou, tentando salvar os que ficaram soterrados.

Cunhado de duas das vítimas, Jonas Lima, 40, mora a poucos metros da residência e acordou com o barulho de um trovão. Foi até a janela de onde era possível ver a casa das vítimas. Avistou lá embaixo o vizinho tentanto avisar à família sobre o barulho estranho.   

"Eu olhei para a casa antes de cair, só deu tempo de deitar na cama de volta e a casa desabou. O vizinho tentou avisar, bateu na porta, gritou 'Leco (Alex), Leco! Allan', mas ninguém atendeu. Ele foi em casa calçar um sapato para retornar e avisar novamente, mas não deu tempo", conta o cunhado. 

Alex, de acordo com o cunhado, tinha trabalhado e economizado para erguer o imóvel, construído há dois anos. A residência foi feita para tirar os irmãos, Rosemary e Allan, do aluguel. 

Encontro Alex foi forte. Permaneceu no local até as 8h, antes de ser atendido por uma ambulância do Samu e ser encaminhado para o Hospital Geral do Estado (HGE), onde já estavam a sua esposa Beatriz e a filha Sabrina, ambas resgatadas dos escombros com vida por moradores e por ele.

Durante o tempo que permaneceu no local do desabamento, era de Alex que o restante da família queria escutar a confirmação de que as outras vítimas estavam vivas. Antes de seguir para a ambulância do Samu, ele se encontrou com a mãe, Iara Pereira, 58, que da janela de uma das casas próximas ao desabamento acompanhava toda a operação de resgate.   

"Cadê os meninos, Alex? Estão lá embaixo?", perguntava Iara enquanto era abraçada pelo filho. "Estão sim, mainha, mas eles vão sair com vida. Deus está com a gente. Temos que ter esperança até o último minuto", tentava consolar a mãe, que ainda não sabia que o neto, Robert, já havia sido resgatado sem vida.