Popa ou Suco?

Por Aninha Franco

Publicado em 17 de fevereiro de 2018 às 01:11

- Atualizado há um ano

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As melhores histórias de um povo vêm de seu canto e, como se ouviu, a popa da bunda foi o canto preferido do Carnaval de 2018 em Salvador. Mas a popa não arrastou as multidões sozinha com o “tá de shortinho, bem coladinho, tá bem safado, descaradinho.” Rolou o suco de Igor Kannário, e quem ouviu Kannário, de longe, descobriu que “se bater com a gente é suco”, suco, aquilo que é triturado nos multiprocessadores para virar líquido. Ou liquido? Igor Kannário, o príncipe do gueto, pode ter levado até 500 mil baianos, um sexto da população da cidade, moradores das favelas, às ruas do Carnaval. Pela TV, assisti ele avisar que é barril dobrado, abençoar a multidão com amém, como os lideres messiânicos, e cantar que o “carnaval é da paz”, da paz e do amor! Desnorteei.

Talvez por causa dessa emissão estranha de Kannário de querer transformar em suco quem bater de frente com seu principado, tudo com muito amor, a lírica de Leo Santana venceu as multidões. As novinhas adoraram e desceram, desceram, desceram. E até sua excelência, o governador, participou da lírica de Santana cantarolando “Vai dar PT” como se fosse uma poética política, quando é, na verdade, Perda Total porque a novinha “foi pro baile muito louca a fim de se envolver, só tem 18 anos, o que vai acontecer? (...) Misturou tequila, whisky, vodka, e a mina vai embrazar, vai dar PT, vai dar, vai dar PT, vai dar, ela vai dar PT, vai dar.” E o governador Rui Costa e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann,  acabaram festejando a Perda Total da novinha. – Misericórdia! Bradaria minha senhora mãe!

Psirico aconteceu no Carnaval em ritmo só de luxúria, sem equívocos políticos, com seu cartão de visita, sua apresentação de desempregado da Rousseff, duro, pé-rapado, com o salário atrasado, sem ter pra onde correr, despejado, sem carro, mas dono de um Lepo Lepo irresistível. Ou com a lírica que criou pra seu amigo que deixou a putaria por causa de uma mulher. Que deu uma de “Bob Nelson”. Que recebeu a lâmina no abdômen, tomou uma rasteira que nem sabe de onde veio porque “quem gosta de homem é gay, mulher gosta de dinheiro, isso é padrão no mundo inteiro, você não é o primeiro nem vai ser o derradeiro, e isso nunca vai mudar, por isso seja...fiel à putaria.”

Infiel à putaria, a poesia da Beija Flor no RJ, estado que sofrerá intervenção federal até dezembro, poetizou a barbárie instalada no estado. No desfile da escola e na vida real,  a violência é a mesma estrela. E o Rio de Janeiro está tão perto da Bahia. Apesar desse tamanho todo do Brasil, está tudo perto, Rio de Janeiro, Roraima, Laranja Mecânica de Anthony Burgess, o livro, Laranja Mecânica de Stanley Kubrick, o filme, Maranhão. E se tudo aconteceu no Rio de Janeiro, a voz do Brasil, o resto do corpo corre perigo.

A poesia e o poder estão gêmeos no Brasil. O melhor livro de história de um povo é seu canto. E o canto da Beija Flor pediu socorro porque o pedido de socorro começa com a voz, depois se espalha pelo corpo: “(...) Ganância veste terno e gravata/ Onde a esperança sucumbiu/ Vejo a liberdade aprisionada/ Teu livro eu não sei ler, Brasil! (...) Oh pátria amada, por onde andarás? Seus filhos já não aguentam mais!”