Por que nós precisamos assistir “Olhos que condenam”

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  • D
  • Da Redação

Publicado em 11 de julho de 2019 às 10:22

- Atualizado há um ano

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Olá, carx leitxr. O texto de hoje não foi fácil de escrever. Na verdade, falar sobre dor, nunca é. Eu queria que fosse como mais uma daquelas resenhas de seriados que falam de questões raciais, como o “Cara gente branca” ou “Black-ish”, que nos trazem as reflexões importantes, mas não chegamos a chorar litros. Não é o caso de “Olhos que condenam”, ou When they see us (Quando eles nos veem, em inglês).

A produção original da Netflix, criada por Ava DuVarney, foi lançada em mais de 190 países em 31 de maio, e esperei mais de um mês para criar coragem de encarar. É a história real de cinco exonerados de um caso de estupro que ocorreu no Central Park, em Nova Iorque, em 1989, e que nos faz refletir sobre como as interseções de raça e classe são determinantes para nossa existência. A partir daqui temos spoilers da minissérie de quatro capítulos. Movimentos sociais foram fundamentais para manter caso na mídia (Foto: Reprodução) Confesso que minhas análises podem deixar o seu olhar um tanto enviesado. Mas com toda a certeza, o que você sentir, você vai sentir independente da minha escrita. Você terá a certeza que não foi por engano e que a justiça não é cega, ela é perversa mesmo com quem quer criminalizar.

Os acusados eram todos adolescentes e jovens, entre 14 e 16 anos, quando o pesadelo começou. Na época, o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pagou cerca de 85 mil dólares em anúncios em jornais pedindo a pena de morte destes jovens inocentados mais de dez anos depois. Não podemos desassociar as semelhanças do passado com o presidente. Ops. Do presente. E como a população afroamericana e latinoamericana segue sendo perseguida em contextos políticos que tentam desumanizá-los e segregá-los. Assim como nos EUA, no Brasil, as pessoas têm memória curta, e a imprensa é utilizada para expor corpos negros (pardos e pretos).

Nesta semana um motorista de Uber, um rapaz jovem, branco, tentou me convencer que não há racismo no Brasil. E eu fico assustada como é confortável para as pessoas afirmarem que o próprio preto é quem propaga o racismo. O algoz tenta transformar a vítima em algoz para sair ileso desde sempre. É como Steve Biko nos disse: “a arma mais poderosa na mão do opressor é a mente do oprimido”, e que depois inspirou Paulo Freire com “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”.

O racismo não é uma equação lógica, mas certamente a população negra não é a culpada. Assim como Antron McCray, Raymond Santana Jr. Kevin Richardson, Yusef Salaam e Korey Wise não foram culpados, mas o juiz os condenou. Você já sofreu injustiça? Foi apontado por algo que não cometeu? E como se sentiu quanto a isso? A população negra convive com isso todos os dias. As histórias destes garotos, hoje, a maioria pais, casados, nos mostram todas as fragilidades que ocorrem com pessoas que passam pelas diversas formas de sistema carcerário, inclusive aquelas voltadas para jovens.

O tratamento dado às pessoas no sistema prisional é desumana. A série nos traz que, como sempre, a nossa esperança vem do afeto e cuidado das nossas famílias, mesmo que estejam despedaçadas. E, sobretudo, das mulheres. Das mães. No caso dos cinco jovens, foram as mães em sua maioria que estiveram a frente destes casos, em defesa de seus filhos. O mesmo ocorre nos dias atuais. 

Interessante também as figuras paternas representadas. Precisamos falar sobre masculinidades e desconstrução delas. Temos o pai do Raymond, homem latino, que se mantêm presente, na escuta e cuidado do filho, continuamente, por telefone, alimentando a esperança dele de que um dia tudo vai passar. Por outro lado, temos o pai de Antron, que abandona a família ao se julgar culpado por não tê-lo protegido e defendido. Poderíamos nós julgar este homem? Há pena maior do que o desprezo do filho? São muitas subjetividades.

É uma série que nos apresenta os caminhos que a vida nos empurra. Desde a nossa impossibilidade do uso de espaços públicos como espaços de lazer. Nos cerceiam esse direito e, se o utilizamos, somos culpabilizados caso algo aconteça. Somos criminalizados, como neste caso de estupro.

A minissérie nos traz ainda de forma sutil e doce essas relações de afeto que são fragilizadas por violências e falta de recursos financeiros. O amor é traduzido na personagem de Marci Wise, a irmã trans do Korey. O único laço de carinho puro que ele tinha. A mãe dele, por outro lado, mesmo o amando, reagia a todas injustiças com raiva e acabou fazendo uso de substâncias psicoativas na tentativa de amenizar a dor. Ou seja, o problema aqui não é a droga, mas o sofrimento causado por fatores socioeconômicos.

Outros temas trazido na produção e que precisamos discutir sem medo e com mais profundidade são as diversas formas de violência disfarçadas de “punições corretas”, como os abusos sofridos pelos condenados por estupro e o uso de tornozeleiras eletrônicas, que estigmatiza as pessoas, as estereotipa e as prende mais do que liberta.

Por fim, trago Korey. O sinônimo de esperança.  Ele não assumiu a culpa durante as audiências condicionais. E permaneceu preso. Onde foi espancado e violentado. A sua história é a resposta exata de como o racismo opera. Ele curiosamente não estava no parque com os jovens acusados. Ele resolveu ficar na lanchonete com a namorada. Quando o acusamento surgiu, ele foi à delegacia ver o amigo Yousef e acabou entrando no bolo do interrogatório.

Mais de dez anos após o crime, a pessoa que cometeu o estupro confessa e os jovens são inocentados. Precisamos pensar sobre quantos casos existem como esse nos nossos presídios super lotados e refletir como as audiências de custódia precisam contar com juízes cada vez mais cuidadosos e humanizados. E de todo o aprendizado deste filme, o maior que tive foi com o Korey: o sonho que mantêm a nossa possibilidade de estar vivo. E ele sonhou com a liberdade até encontrá-la, mesmo que esteja preso para sempre no passado.

Até a próxima. Ubuntu.