Projeto Axé comemora 27 anos com café da manhã no Pelourinho

Em 27 anos, o projeto ajudou cerca de 28 mil jovens em situação de rua, por meio da dança, música e pintura

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  • Nilson Marinho

Publicado em 1 de junho de 2017 às 18:31

- Atualizado há um ano

Era final da década de 1990 e a designer de moda Luciana Xavier, 33 anos, experimentava a triste experiência vivida por muitas outras crianças brasileiras. Pobre, negra e caçula de 15 irmãos, Luciana, na época com 13 anos, vivia entre os carros da região do Itaigara oferecendo canetas e jornais para os motoristas.

Num desses dias de trabalho cansativo, foi abordada por um educador de rua do Projeto Axé, organização que completa nesta quinta-feira, 1º, 27 anos. O projeto, ao longo desse tempo, ajudou cerca de 28 mil jovens em situação de vulnerabilidade social e econômica da capital baiana.

Na manhã desta quinta, Luciana participou da celebração em comemoração ao aniversário do projeto, realizado na unidade do Pelourinho, em Salvador. O evento reuniu cerca de 400 jovens para um café da manhã, acompanhado de uma celebração religiosa com direito a um coral formado por crianças atendidas pela ONG.  

"A partir desse projeto, as coisas começaram a mudar na minha vida. Passei a enxergar outras possibilidades para além daquela em que eu estava inserida. Entendi que a arte e a cultura poderiam transformar a minha estrada e o futuro de outras crianças", diz Luciana, que, além de ter se especializado na área da moda, atua como diretora de uma das unidades do Projeto Axé. (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)IdentificaçãoVinte anos depois de a designer de moda ter sido abordada no local onde 'trabalhava', o esquema de trabalho dos educadores é o mesmo. Pelo menos dez deles se espalham pelos bairros da cidade identificando crianças, principalmente aquelas que vivem em situação de rua, e apresentando a elas a possibilidade de transformação por meio da arte-educação.

Depois da fase de identificação, os educadores entram em contato com as famílias e os jovens passam a ter aulas de arte, dança, música, capoeira e moda, nas duas unidades de atendimento do projeto que ficam no Pelourinho e na Baixa dos Sapateiros.

Para fazer parte das oficinas, que acontecem de segunda a sexta-feira, todos os educandos precisam estar matriculados em instituições de ensino. Para aqueles que chegam ao projeto sem ao menos possuir documentos pessoais, como identidade e CPF, os 58 educadores providenciam toda a papelada junto à família dos participantes. O Projeto Axé também atende aos jovens que procuram de forma espontânea a organização.

Do ônibus à percussãoO pequeno Raí Santos, 11 anos, abandonou os ônibus, onde trabalhava ajudando o pai vendendo cocadas, para se dedicar à pintura e a percussão. Hoje, domina os instrumentos musicais com maestria e sonha em seguir a carreira de músico para ajudar a família: "Eu vendia para ajudar em casa. Agora, não saio mais nas ruas e só quero saber de pintar e tocar timbal", diz ele.

Cristian Rebouças, 28, coleciona em seu passaporte vistos de países que teve a oportunidade de se apresentar. O bailarino foi aplaudido nos palcos dos Estados Unidos, Itália e da França pela tamanha afinidade que possui com a dança. A oportunidade de cruzar o oceano só foi possível para o garoto pobre que perambulava pelo bairro do Comércio por meio das oficinas oferecidas pelo projeto. "Quase desisto da dança depois do assassinato da minha mãe, mas decidi continuar com a força do projeto e o amparo dos educadores", conta ele. Hoje, Cristian faz parte da Companhia de Dança Jorge Silva e já fez parte do corpo de balé o Teatro Castro Alves (TCA). (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)O ProjetoDepois de ter visitado pela primeira vez o Brasil em 1969, O italiano Cesare de Florio La Rocca foi chamado para fazer parte do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), se tornando representante do órgão em Brasília. Na época, sonhava em formar um projeto em que pudesse ajudar aquele país desigual e violento que tanto lhe espantava. Foi assim que começou a nascer o Projeto Axé.

La Rocca pediu demissão do cargo e decidiu convidar o educador Paulo Freire, recém chegado ao país, depois de passar 16 anos em exílio em países vizinhos e nos Estados Unidos. O pedagogo esteve em terras baianas cincos vezes durante a década de 1980, orientando o italiano no seu tão sonhado projeto. Freire morreu em 1997, sete anos antes do surgimento da ONG.

"Cheguei na Bahia com pouco ânimo, sonhava em fundar esse projeto em uma grande metrópole como Rio de Janeiro e São Paulo, para que pudesse ser uma grande caixa de ressonância em todo o país. A violência da cidade me deu um murro no estômago", conta La Rocca, que, por vontade de investidores, decidiu fincar o pé em solo baiano.  

Depois de 27 anos, a violência, segundo ele, continua a mesma, mas o projeto tem a intenção de minimizar esses índices. "É perceptiva a mudança na vida dessas pessoas, mas somos apenas um gotinha de salvação em um oceano de violência e desigualdade", lamenta.

Hoje, todo os recursos captados para o projeto giram em torno de R$4,5 milhões por ano. Cerca de 40% desse investimento vem de órgãos estaduais e o restante é doação da Unesco, da Conferência de Bispos da Itália e de empresas internacionais que ajudam a iniciativa.