Quando la vie era en rose

Por Rogério Menezes

  • D
  • Da Redação

Publicado em 19 de novembro de 2017 às 02:00

- Atualizado há um ano

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Não gostava de homens bonitos demais. Bastava que tivessem pegada e sex appeal à primeira mirada. O ator Jean-Paul Belmondo (1933) e o cantor-ator Charles Aznavour (1924) –   ambos  franceses e ambos oficialmente feios – me representaram e me fizeram arder a libido em flor. Nem um nem outro me passavam pela cabeça em 1993 quando eu flanava pela Rue de Rivoli, à margem direita do Sena, em Paris – cidade que costumava visitar amorosamente com regularidade em tempos d’antanho.  

Totalmente abduzido pela paisagem ao redor, o Rio Sena logo ali, a Pont Neuf, também, quase flutuava, etéreo, aéreo. A ponto de não enxergar algo sólido e rochoso que surgira entre o meu pé direito e o meu-continuar-a-flanar pela Rue de Rivoli e me fizera tropeçar e quase cair. [Fazia frio em Paris. Era começo de maio. Sentia-me empoderado mix de Liz Taylor e Paul Newman, fermentado por muuuuitas  doses de vinho sorvidos no Café de Flore, no 172 do boulevard Sant-Germain].

De repente, do nada, meu pé se chocou com o objeto não identificado. Carái! Doeu, ai, ai, ai, como doeu! Perdi o equilíbrio. Perdi o fio da meada. Perdi a Rivoli de vista. Perdi tudo. Senti apenas: 1. A lei da gravidade empurrando-me o rosto em direção ao solo, sem dó nem piedade. 2. Meu corpo magro em queda livre feito homem que despenca de paraquedas que não abre. [Então os braços fortes de um homem se interpuseram entre mim e o chão, e me salvaram do desastre iminente – aleluia, aleluia!].

O homem de braços fortes me levantou, me ergueu, passou a mão na minha testa, pediu para eu respirar fundo – e eu respirei fundo – e  eu senti inebriante cheiro de macho alfa (ainda existiam): discreta loção de barba +  cheiro de tabaco escapando-lhe do canto da boca + hálito encorpado de vinho + corpo limpo e mente sã. Ele perguntou se eu estava bem. Respondi, arfante, sem fôlego, em brasa ardente, que estava bem sim, sim, sim, que não se preocupasse comigo.  

Aquele desconhecido tinha rosto familiar e me trazia conforto. Senti vontade de convidá-lo para um corpo a corpo sexual. Não me pareceu bonito. Nem feio. Tinha pegada e sex appeal à primeira mirada. Não, não era Jean-Paul Belmondo. Era Charles Aznavour. [Desejei ter fraturado as costelas para que monsieur Aznavour me levasse ao hospital e passasse a madrugada roendo as unhas e fumando esperasse, ansioso e preocupado, a minha recuperação].

Charles Aznavour continuou perguntando se eu estava bem, se podia fazer algo por mim – e eu suava frio – e as minhas mãos tremiam – e eu virei miragem – e eu fugi – eu fugi sem sequer dizer merci – e sem sequer olhar para trás, temi virar estátua de sal.

[Dia-sim-outro-também tenho absoluta convicção: certos eventos e ocorrências, para o bem para o mal, só acontecem comigo]. [C’est pas mal]. [C´est si bom]. [Charles Aznavour, aos 93 anos, continua vivo e forte – pelo menos até o momento em que finalizo este texto neste fim de tarde chuvoso de 14 de novembro de 2017, monsiê!].