‘Quero trazer o Brasil que o brasileiro não conhece’, diz Gaby Amarantos sobre Saia Justa

A cantora paraense Gaby Amarantos é a mais nova integrante do time de debatedoras do programa

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  • Da Redação

Publicado em 7 de março de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

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A cantora paraense Gaby Amarantos é a mais nova integrante do time de debatedoras do Saia Justa. Ao lado de Astrid Fontenelle, Mônica Martelli e Pitty, a primeira “nortista a sentar naquele sofá” promete levar um outro olhar sobre o Brasil. “Quero trazer o Brasil que o brasileiro não conhece, falar da Amazônia, dos conflitos agrários, da cultura e da gastronomia de lá, que são tão bem recebidos pelo mundo”, destaca. Gaby Amarantos (Foto: Juliano Coutinho/ Divulgação) Não ficarão de fora a experiência de mãe e de mulher negra - estendendo, desse modo, discussões pautadas pela atriz Taís Araújo, primeira negra a participar do elenco fixo do programa e que teve de se afastar em dezembro por conta das gravações de Mister Brau, cuja nova temporada estreia em abril, na TV Globo. 

“Taís traduz bem o que chamamos de sororidade. Ela não é uma pessoa que só fala disso nas redes sociais. Ela realmente é agregadora e percebemos que o foco dela é com as mulheres negras, com as mulheres que vieram da periferia”, destaca, ao enfatizar que a interação com as colegas já deu certo. “O papo no programa é de comadre, para falar besteira e me sentir à vontade”, aposta. 

Confira entrevista na íntegra com a cantora:

Gaby, sua entrada no time do Saia Justa vem sendo anunciada desde outubro do ano passado, quando soubemos que Taís não continuaria por conta de outros compromissos profissionais.  Qual sua relação com o programa? Eu já era espectadora. O Saia é para mim um programa muito importante, que dá voz às mulheres e vem discutindo, há muito tempo, assuntos que agora estamos falando mais. Estou super feliz em poder fazer parte desse time.  O convite veio da direção do programa e eu fiquei muito feliz.

Nessa época em que se fala tanto de empoderamento, inclusive feminino, o que falta às mulheres?  Nesse momento que a gente fala tanto de assuntos ligados a empoderamento e feminismo, eu acho que falta mais espaço para nós. Falta mais espaço para falar desse assunto, principalmente para a mulher negra, porque ela sofre duplamente por ser mulher e por ser negra. Então falta darmos visibilidade aos casos de racismo por exemplo. Que, no programa, a gente possa dar visibilidade para nossas pautas , que a gente possa discutir mais e, principalmente, que a gente consiga chegar naquela mulher que está mais longe, aquela mulher que tá lá no interior do estado do Pará, que é ribeirinha, que não tem acesso a educação, aquela mulher no Sertão, que está sofrendo com a desigualdade, com a opressão que o machismo causa, que não tem nem noção que ela tem direitos, que pode denunciar.  Então a minha mensagem sempre foi muito simples, porque a mulher feminista que já está engajada na luta, precisa chegar naquelas que estão sofrendo abuso, sofrendo com feminicídio de forma tão forte, tão agressiva. Tem tantos dados sobre isso, principalmente no Norte e no Nordeste, como por exemplo em Ananindeua, cidade que fica no meu estado, e está com o maior índice de violência doméstica, é o lugar onde mais se mata mulher no Brasil, então a gente precisa chegar nessas pessoas, chegar nessas mulheres que estão nesses lugares mais longínquos do Brasil.    E como é substituir Taís Araújo? Vi que você fez uma postagem no Instagram no dia do aniversário dela - ou seja, há uma relação entre vocês, não é? Eu fico muito feliz em falar da Taís, ela é uma pessoa muito importante para mim. Minha música ‘Ex-My Love’ foi a trilha da abertura da novela ‘Cheias de Charme’ e ela fazia uma das “empreguetes”, a Penha. Rolou um WorkShop na Globo com todo elenco e fui convidada para palestrar. Mas eu não sabia que eu seria a palestrante, me chamaram dizendo que eu ia cantar a música, só que chegou na hora era uma palestra com todo o elenco, estavam todos sentando na minha frente e eu sentada em uma cadeira no palco. E a Taís era a pessoa que mais sabia tudo sobre a minha vida. Eu tinha acabado de sair na capa da revista TPM, numa matéria falando sobre essa questão do corpo, “Não visto 38 e daí?”, e Tais tinha lido tudo, já tinha pesquisado sobre minha vida, sabia meu bairro, a periferia de onde eu vim. Então, ela é uma mulher muito agregadora, a gente tem vários episódios de amizade, de estar fora do Brasil, ela sempre me apoiar, me acolher, me mandar presente no aniversário. Ela uma pessoa assim, a gente precisa desse tipo de união sabe. Quando eu fiz a postagem do aniversário dela, eu falei muito sobre sonoridade que a Taís traduz bem. Ela não é uma pessoa que só fala disso nas redes sociais. Ela realmente é agregadora e percebemos que o foco dela é com as mulheres negras, com as mulheres que vieram da periferia, com as mulheres que estão precisando desse espaço. Ela é uma grande amiga, tenho muita admiração e honra de poder fazer parte da vida dela.

Você se assume como mulher negra e, inclusive, já contou diversas vezes ser vítima de racismo mesmo - muito além de preconceito. Teve aquele episódio quando você era criança e não deixaram você se matricular em uma escola por ser negra. Como você enxerga essa discussão racial hoje e como tem se posicionado diante dela? Eu acho que a discussão racial no Brasil ainda precisa ser mais enfatizada, precisamos levar esses assuntos para as escolas, precisamos trazer esses assuntos para a toda sociedade de um modo geral e não só quando acontece um fato isolado de alguma agressão que mobiliza toda a sociedade. Então, infelizmente ainda é preciso brigar e reclamar. Eu vejo isso de uma forma positiva, sou uma pessoa que vem vencendo, que venceu o preconceito e que vem crescendo. Então eu acho que a gente se colocar também no lugar de poder. A mulher já vem passando por esse processo, já vem lutando há 40 anos. Mas eu vejo principalmente o jovem negro precisando ser empoderado. Porque um menino negro que é da periferia já nasce ouvindo que ele vai ser ladrão e que ele vai ser algo que não vai ser bom. Então é por isso que a gente vê esse genocídio tão grande da juventude negra. E 78% das pessoas negras que são mortas por esse genocídio no Brasil são homens, a gente precisa empoderar os homens, meninos da periferia. Fazer com que eles entendam que podem seguir um caminho através da educação, do esporte, através da música, através do trabalho, que eles podem ter outras saídas. Então eu acho que a gente está vivendo esse processo muito importante, e gente ainda precisa falar muito sobre essa questão do racismo no Brasil.              Você estará ao lado de Pitty, Astrid Fontenelle e Mônica Martelli. Qual sua relação com cada uma delas e como você acha que essa interação vai se dar?  Essa interação com as meninas vai ser muito tranquila. A que eu não conhecia é a que eu estou mais grudada é a Mônica. Como eu estou fazendo muitos trabalhos pelo Rio, estou muito por lá e, eu e Mônica, estamos sempre nos vendo e acabamos criando uma amizade muito forte e verdadeira. A Astrid eu já tinha um relacionamento, sempre achei uma pessoa carinhosa, respeitosa e forte. Uma mulher que eu sempre admirei muito e nunca achei que fosse sentar naquele sofá com ela. A Pitty já tem a música que nos une, a gente já fez alguns trabalhos juntas e ela sempre foi uma pessoa que me acolheu de uma forma importante, porque é uma artista que eu respeito muito. O papo no programa é de comadre, para falar besteira e me sentir à vontade. O clima é muito gostoso o papo descontraído. Essa interação já deu certo.  

Essa não é sua estreia em programas de TV. Em 2015, você esteve à frente do Troca de Estilos, do Discovery Home&Health e, em 2013, participou do The Voice Brasil. Qual sua expectativa agora com um programa ao vivo e de debate?  A minha expectativa é muito positiva. Eu estou muito tranquila, vou chegar trazendo as minhas cores, sendo eu mesma, levando meu swing, a minha cultura e sendo a porta-voz do Norte, a primeira debatedora nortista a sentar naquele sofá. Quero trazer o Brasil que o brasileiro não conhece, falar da Amazônia, dos conflitos agrários, da cultura e da gastronomia de lá, que são tão bem recebidos pelo mundo. Quero levar minha vivência de mulher negra, mãe solteira e periférica, que sofre muito para ter o seu espaço: é para esse tipo de pessoa que eu quero dar voz.E mesmo com essa novidade, há outros projetos caminhando paralelamente, não é? Como é que fica a carreira musical esses tempos? O foco total é na minha carreira musical. Já estou preparando meu segundo álbum, estou muito feliz porque veio tudo na hora certa. O ano de 2018 está sendo um ano desse foco e momento de voltar para a música, cantando muito o que eu quero falar no “Saia”. Essa mulher que não está mais sofrendo, ela que já deu a volta por cima e que é “mais ela”, que já superou. Eu até brinco com o nome “superância”, porque a gente fala muito da “sofrência”, né? E eu quero cantar a mulher que superou, que tem liberdade sexual, que pode ir pra festa e beber todas, dançar até o chão, sem que isso pareça que ela quer chamar atenção de algo ou alguém. Também estou com projetos no cinema, um deles é o filme “Serial Kelly”, sobre a primeira serial killer brasileira. Ela vai dar o que falar, vai chegar como um furacão, causando, porque ela vai botar os falsos religiosos, homofóbicos e principalmente os machistas na “ponta da faca”. Vai ser só chuva de poder! (Risos) Gaby Amarantos em cena do filme de comédia Serial Kelly (Foto: Divulgação) Em outubro, deve estrear a comédia Serial Kelly. Você vive a protagonista do filme. Fala um pouco sobre sua personagem, sobre esse convite e como foi fazer cinema... Falta só mais um pouco para terminar a Kelly. Uma mulher nordestina, de Alagoas. Uma mulher muito forte, cantora de tecno-arrocha, ex-puta, aliás, ex-puta não, sempre puta, né? Esse roteiro me agarrou, eu mergulhei nele e disse para mim que precisava parar para gravar esse filme. Fiquei praticamente um ano me preparando para personagem, a trilha sonora também é minha, fiz junto com os meninos que trabalham comigo e meu produtor Rodrigo Bitarello. Essa foi uma experiência sem igual: eu quero fazer cinema para sempre. Descobri uma outra parte de mim, isso completou um pedacinho nesse quebra cabeça. Faltava algo e esse pedacinho chegou.