Recém-formados ajudam empresas a inovar e se tornam saída para melhorar economia local

Só na Bahia, os agentes locais de inovação devem acompanhar, gratuitamente, pelo menos 1.600 pequenos comércios, serviços e indústrias

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  • Edvan Lessa

Publicado em 10 de junho de 2017 às 16:50

- Atualizado há um ano

Como se faz em dia de jogo de futebol, um grupo de colegas se reuniu, sentou à mesa, virou alguns copos e conferiu os smartphones, à espera de uma classificação. Era final de abril, num fast food que fica na Orla de Salvador, e os interioranos estavam dispostos a rir ou chorar juntos, ansiosos pelo ultimato de uma seleção iniciada em janeiro. Sessenta deles, no total, já haviam passado para a última fase, mas só 40 seguiram em campo, contratados até 2019.

Bolsistas selecionados e capacitados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), eles devem ajudar, até setembro, 1.600 pequenas empresas de oito regiões da Bahia a tentar superar desafios de crescimento, tornando-as mais competitivas por meio de ações inovadoras. No caminho, os recém-formados ganham musculatura empreendedora e não deixam que pequenos comércios, serviços e indústrias fechem as portas.Laís Santos é psicóloga e agente local de inovação de Santo Antônio de Jesus (Foto: Divulgação)“Tenho aprendido que o universo empresarial tem suas especificidades e mesmo que minha formação em Psicologia me ajude a perceber pessoas, ler contextos e comportamentos, é fundamental essa separação entre as profissões”, avalia Laís Santos, 26 anos, graduada pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

Ela, assim como a professora de biologia Ediane Eduão, a advogada Clara Carvalho, o administrador Danilo Carvalho, o engenheiro florestal José Linhares e seus colegas com outras formações acadêmicas já não atendem necessariamente pelo título que consta no diploma de graduação. São, hoje, agentes locais de inovação (ALI), integrantes de um programa de mesmo nome, e têm a oportunidade de ajudar a terra natal ou aquela que escolheram para viver.

Cada agente, orientado por um consultor e um gestor do Sebrae, faz diagnósticos, propõe melhorias e acompanha o avanço de empresas de pequeno porte (EPP) por cerca de dois anos, sem cobrar nada por isso. O Programa ALI é fruto da parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações que apoia a pesquisa no país, e deposita aos agentes uma bolsa mensal de R$ 4 mil. O ALI acontece em todo o território nacional, desde 2010. De lá pra cá, 8.064 agentes estiveram em campo, atendendo 294.133 empresas, 7.075 negócios somente na Bahia. “Nosso último acordo firmado com o CNPq, em 17 de abril de 2017, tem seu prazo de vigência até 2021”, afirma Marcus Bezerra, gerente adjunto da Unidade de Acesso à Inovação e Tecnologia do Sebrae Nacional.Clique na imagem para acessar o gráfico interativoA previsão, segundo ele, é de investimento de R$ 134.634.000,00 no referido período. Dentre os principais resultados do trabalho desses jovens recém-formados - a maioria do gênero feminino e oriunda de faculdades públicas -, destaca-se o aumento no faturamento de 35,3% dos empresários acompanhados e diminuição dos custos em 30,3% dos casos.

Novidade para todo mundoO caminho da inovação é desafiador para as empresas - muitas ainda não resolveram questões básicas de gestão e sequer sabem por onde começar a inovar. Mas é igualmente inédito para os ALI, alguns sem experiência profissional em seus respectivos campos de atuação por estarem fora da universidade há, no máximo, dois anos.Engenheiro florestal José Linhares, ALI em Cruz das Almas (Foto: Camila Januário/Divulgação)“O jovem que sai da universidade é muito cobrado sobre as experiências profissionais, mas muitas vezes só participou de estágios dentro da instituição de ensino”, ressalta José Linhares, 27, com graduação pela UFRB. Para o engenheiro florestal, o programa promove a maturidade que o mercado exigiria dos recém-formados e ensina sobre empreendedorismo, algo que na visão dele nem todas as faculdades abordam.

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), a bolsista Clara Carvalho, 26, retornou à Santa Maria da Vitória, oeste da Bahia, e acabou de mudar-se para Barreiras, na mesma região. Ali, dará continuidade, com uma nova cartela de empresas, ao trabalho começado por outros agentes antes dela. “O programa me proporciona conhecer a realidade do empresariado local e acrescenta muito, não só como advogada, mas como profissional no sentido mais amplo da palavra”, reflete.A advogada Clara Carvalho segura a carteira da OAB, no Centro de Barreiras (Foto: Gilmar Segundo/Divulgação)O professor Renato Garcia, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), considera que o impacto de qualquer programa de estímulo à inovação se dá sempre no longo prazo. Mesmo que para ele o agente local deva ser um profissional com experiência na implantação de projetos de inovação e de melhoria em empresas, é importante capacitação, formação acadêmica superior e que seja da região em que atua. Danilo Carvalho, agente local de inovação em Jacobina (Foto: Mariana Guimarães/Divulgação)No centro de Jacobina, o administrador Danilo Carvalho, 26, bate à porta de, no mínimo, quatro comércios de autopeças por dia. Pela primeira vez, o município tem um agente. O desafio dele, novato na cidade, é apresentar aos empresários os benefícios da inovação. “Programas como esse podem ser a mola propulsora para que eles ultrapassem cenários de crise e consigam novamente se sustentar no mercado”, analisa Carvalho.

Confira no mapa em quais cidades estão os agentes locais de inovação.

“A confiança que os empresários e gerentes das pequenas empresas possuem nesse agente é fundamental para que o programa seja bem-sucedido”, destaca o professor Renato Garcia. O agente Danilo Carvalho seria, então, uma exceção, já que boa parte dos agentes é natural ou viveu bastante tempo da cidade onde atua. “Sobre os diferentes perfis acadêmicos, importante mencionar que a inovação provém da diversidade. Por isso, é muito importante que haja profissionais de diversas formações”, completa o pesquisador da Unicamp.

O dia a dia dos agentesCada ALI deve acompanhar no mínimo de 40 EPP - faturamento anual de até R$ 3,6 milhões. Segundo o Sebrae, micro e pequenas empresas correspondem hoje a 27% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Daí a sua importância na economia e por que são o foco do trabalho dos agentes, considerando também as diferenças de segmentos.

“Para pequenas empresas (PEs) de software, programas de qualidade em software e de certificação, programas para que desenvolvam novos produtos a partir de novos conceitos, são adequados. Para PEs de serviços ou comercias a inovação pode se constituir em ensinar essas empresas a atuar em rede, comprar em conjunto, ter um site em conjunto para atender a demanda, etc.”, orienta Miguel Babic, que também é docente no Instituto de Economia da Unicamp.

“Os benefícios ou resultados obtidos por meio do Programa ALI, além do acompanhamento gratuito, personalizado, especializado, in loco, de um agente local de inovação, por um período de 30 meses, objetivaram a implantação de uma cultura inovadora dentro das empresas”, enumera Wagner Carvalho, gestor do ALI na Bahia.

Em Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo, a empresa Styllo Marmoraria se tornou caso de sucesso. No empreendimento, houve redução de média 20% de custos, e aumento, em média, de 40% do número de clientes e do faturamento após o programa.

O ALI do futuroNo mês passado, o Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia (FORTEC) assinou um convênio de parceria com o Sebrae. Ambos diagnosticaram que a formação do ALI precisaria de complementação para incluir inovação de base tecnológica.

Atualmente, as melhorias incrementais ou radicais que os agentes propõem às empresas incluem ações simples na parte organizacional, nos processos, no marketing ou nos produtos, e não necessariamente envolvem tecnologia. Para Cristina Quintella, presidente do FORTEC e professora do Instituto de Química da UFBA, os “ALI do futuro” precisam ser capazes de identificar produtos e processos que possam aumentar o conteúdo tecnológico das empresas que eles atendem.

“Hoje em dia o ALI é o elemento capilarizador da presença do Estado junto aos micro e pequenos empresários”, compartilha Cristina Quintella. “O que se espera na economia regional é ter um PIB também de inovação de base tecnológica. O crescimento das empresas baseadas em novas tecnologias com um diferencial no mercado e consequentemente, com mais emprego, mais renda, mais saúde e mais educação. Melhoria das condições de vida da sociedade que irá se refletir no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)”, enfatiza.

Passado, presente e futuroPor serem beneficiados com uma bolsa, o vínculo dos agentes não lhes rende garantias trabalhistas, a exemplo de décimo terceiro e férias, tampouco têm acesso ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Ainda assim, ganham quase o dobro do que um estudante de doutorado recebe, por exemplo, sem necessariamente possuírem qualquer certificado de pós-graduação.

Apesar disso, é comum que durante o programa os bolsistas busquem aperfeiçoamento por meio de cursos específicos, como é o caso de Felipe de Jesus, 24. O ex-agente, que atuou em Santo Antônio de Jesus até o ano passado, obteve dois títulos de especialista à época e, ao término da vigência da bolsa, engatou no mestrado.Professora de biologia, Ediane Eduão, ALI em Irecê, posa ao lado do filho Danniel (Foto: Alcione da Cruz/Divulgação)A professora Ediane Eduão, 26, acredita que irá expandir as suas possibilidades de atuação profissional, a partir do ALI. “Tento enxergar o que eu vou conseguir depois e tento aproveitar esse tempo para buscar me aperfeiçoar. Eu já estou esquematizando meu futuro e vendo o que esses dois anos e meio vão me proporcionar”, confidencia a única agente em Irecê, que antes recebia um salário mínimo e complementava a renda vendendo itens de porta em porta. Com bom desempenho, ela comemora por manter a casa e criar o filho de 7 anos, sem sufoco.

Se você é empresário e deseja a visita gratuita de um agente local de inovação na sua empresa, basta entrar em contato com o Sebrae na sua cidade.

*Edvan Lessa é jornalista e mestrando em Divulgação Científica e Cultural pela Unicamp. Em colaboração para o CORREIO.