Ricos e tão inimigos da cidade

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Publicado em 24 de setembro de 2017 às 05:30

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É engano pensar que quase todos os males do Brasil decorrem da roubalheira de dinheiro público que dia a dia sangra os cofres públicos. Há um componente tão prejudicial quanto a corrupção e igualmente disseminado nas classes política e empresarial, em especial as que ocupam os altos escalões: o “quanto pior, melhor”, que tanto se condena nos discursos oficiais. A ação direta de inconstitucionalidade que tramita no Tribunal de Justiça (TJ) da Bahia contra a atualização do IPTU pela prefeitura de Salvador em 2013 é um bom exemplo dessa praga.

Quinta-feira passada, em seu mais duro pronunciamento sobre o caso desde que a OAB da Bahia acionou o município, o prefeito ACM Neto criticou a pressão feita sobre o TJ por, segundo ele, “1% dos empresários ricos donos de terreno em Salvador que estão querendo quebrar a cidade e inviabilizar investimentos”. Não é de desconhecimento geral a existência de uma forte mobilização para que o Pleno do TJ derrube as regras atuais sobre o imposto, segunda maior fonte tributária da capital. Parlamentares aliados ao prefeito já haviam criticado esse movimento em discursos no Congresso e entrevistas à imprensa.

Cabe lembrar que as alterações na cobrança do IPTU foram precedidas pelo maior plano de isenção do tributo implementado na história recente da cidade. Através da nova lei, milhares de proprietários de imóveis com valor de até R$ 93,5 mil ficaram livres da cobrança. Para quem podia pagar, foi apresentada uma conta mais alta. Para outros, como os magnatas que detêm a posse dos mais valiosos terrenos, muito alta. Mas para quem o imposto, mesmo que baixo, pesava sobre o orçamento familiar, nada mais foi cobrado. Eventuais distorções foram tratadas em âmbito administrativo, com devidas razões e contrarrazões.  

Nunca é demais também recordar o estado de caos administrativo e financeiro que Salvador vivia à época, com dívidas gigantescas e investimentos paralisados por deficiência orçamentária ou impossibilidade de adquirir empréstimo em instituições financeiras. A reordenação tributária permitiu à prefeitura realizar seu trabalho, tocar grandes obras e reverter o cenário de degradação que imobilizava Salvador, em maré contrária experimentada por outras capitais nordestinas, sobretudo, Recife e Fortaleza, que surfaram a onda de prosperidade nos primeiros anos do novo século.

Como era de se esperar no país que ainda teima em lucrar estimulando o pior, houve quem se incomodasse. No Estado Democrático de Direito, é lícito a qualquer cidadão ou entidade recorrer ao Juízo quando se sentir prejudicado por alguma lei ou medida tomada pelo poder público. Ilícito é tentar modificar entendimentos de membros da Justiça por meio de artifícios nada republicanos. Ainda mais quando é fácil prever o impacto da derrubada do IPTU sobre atividades essenciais para o cidadão comum, como as unidades de saúde e creches mantidas pela prefeitura.

É também ingenuidade ou má-fé excluir desse processo o componente eleitoral quando se avizinha uma disputa em alta temperatura. A defesa da queda do IPTU manifestada por certos segmentos partidários na Bahia não esconde a digital política sobre a ação no TJ. Basta observar as afinidades entre porta-vozes da tese. Condutas como essa já deveriam ter sido varridas há tempos, por tudo de deletério que trazem, por apequenar e amesquinhar o processo político. É hora de entender que o cidadão quer o melhor pelo melhor.