Rivalidade entre bandidos da Mata Escura impõe medo no bairro

Presença dos PMs afasta os bandidos das ruas principais, mas nas vias secundárias traficantes circulam com liberdade e só se escondem quando a polícia entra

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  • Da Redação

Publicado em 12 de dezembro de 2012 às 08:44

- Atualizado há um ano

Bruno Wendel e Anderson [email protected]

Todos os dias, um pintor de 38 anos nascido e criado na Mata Escura interrompe o trabalho para pegar o filho de 11 anos na Escola Municipal Maria Constância, com medo da rivalidade existente entre facções de três localidades: Larguinho, Inferninho e Bate Folha/Rocinha.

“Os caras do Larguinho vêm para o final de linha ver se tem alguém do Inferninho estudando no local. Se pegar, eles dão coronhadas, tomam cadernos. A polícia tem que fazer mais segurança aqui”, reclama o pintor, pedindo sigilo de identidade.

Mas não são só os estudantes que sofrem com a guerra dos traficantes da Mata Escura, acirrada este mês após a prisão de Cristian Sóstenis Barreto da Silva, apontado como um dos líderes do Inferninho.

“No domingo, estava levando meu filho e minha mulher para a igreja e foi uma correria na Rua dos Artistas. Começaram a atirar para cima. O grupo do Larguinho foi trocar tiros com o do Inferninho. É como se fosse um toque de recolher”, relata o pintor.

O relato coincide com o depoimento de uma comerciante que mora há 50 anos no bairro: “No domingo, a gente teve que sair correndo porque os caras estavam armados. Não temos sossego. Muita gente já saiu da escola por causa disso”.

Gaza A igreja e a escola ficam no final de linha, que já recebeu apelido dos policiais militares que atuam ali. “É a Faixa de Gaza, porque as duas facções passam por aqui. A PM determinou que uma equipe fique fixa aqui. O módulo, que estava desativado, serve de apoio”, conta um policial da 48ª Companhia Independente da PM, pedindo anonimato.

“Esses grupos estão em disputa pelo bairro inteiro, mas os grupos que estão mais brigando é o Larguinho e o Inferninho. Eles vendem de tudo: cocaína, crack, maconha e estão bastante armados”, acrescenta outro PM.

Segundo ele, a presença dos PMs afasta os bandidos das ruas principais, mas nas vias secundárias eles circulam com liberdade e só se escondem quando a polícia entra.

Medo Os alunos do Colégio Estadual Márcia Carneiro Meccia convivem com o medo. “Tiroteio aqui é comum. Quem é do Inferninho não pode estudar aqui, mesmo quem não tenha nada com a bandidagem”, conta um aluno.

Ao lado do Márcia Meccia, funciona a Escola Municipal Maria Constância, onde o pesadelo é o mesmo. Ali, funcionários dizem que mais de 100 alunos deixaram de frequentar as aulas. “As pessoas temem de tudo: bala perdida, assaltos, agressões. Não temos paz”, diz um funcionário.

Já os rodoviários dizem que são alvos frequentes dos bandidos. “Eles assaltam durante o dia e parecem não temer a polícia. Nós, que trabalhamos em micro-ônibus, somos os mais visados, porque também somos cobradores”, conta um motorista da empresa BTU.

De acordo com os policiais ouvidos pelo CORREIO, o grupo do Inferninho é maior e já realizou ações com mais de 20 homens. “O tráfico não para, mas o que mais chama atenção é que eles matam muitas pessoas. A maior parte é por cobrança e disputa pelo controle”, afirma um policial.

Os bandos estão agrupados em áreas próximas. O do Larguinho controla o tráfico na Rua Direta da Mata Escura. De acordo com PMs, o líder é conhecido como Del.

Já o grupo do Bate Folha comanda a Rua Dionísio Brito Santana. Apesar de estar preso, Nem Touro é apontado como chefe. Já o bando de Cristian, que obedece ordens de um bandido conhecido como Dente de Prata, se concentra na área em frente ao Complexo Penitenciário de Mata Escura.

Polícia Segundo o major Jamerson Queirós, comandante da 48ª CIPM, os bandidos aproveitam os momentos das rondas para agir. “Ontem (segunda), uma guarnição saiu às 19h de uma área e precisou retornar, porque em 15 minutos houve um assalto. Normalmente, as viaturas saem e retornam ao ponto de origem entre 45 minutos e uma hora e meia para cobrir a área”, justifica o major.

Segundo ele, dos 108 policias da 48ª CIPM, 58 atuam na Mata Escura, Santo Inácio, Calabetão, Avenida Gal Costa e Estação Pirajá. “Em maio, houve uma reunião com os moradores e aumentamos de uma para três viaturas que circulam no bairro”, afirmou o oficial, reconhecendo que é preciso aumentar o efetivo e a parceria com a Polícia Civil.

Segundo o delegado Guilherme Machado, titular da 11ª Delegacia, a ação dos grupos rivais já está sendo investigada. “Temos a identificação de vários deles. Essa rivalidade é responsável por 90% das mortes na Mata Escura. Estamos monitorando e tentando coibir”, concluiu.

Pivô de guerra entre bandidos é acusado de quatro homicídiosO relato de moradores da Mata Escura indica que a guerra entre bandos rivais se acentuou após a prisão de Cristian Sóstenis Barreto da Silva, no dia 3 deste mês. Ele é apontado como um dos líderes do Inferninho e autor de quatro assassinatos entre março e novembro deste ano.

Sobrinho do traficante Tampinha, que cumpre pena no Presídio Salvador, Cristian matava a mando do tio e por conta própria. Integrante da quadrilha de  Dente de Prata, que está foragido e também é apontado pela polícia como autor de diversos homicídios na região da Mata Escura.

De acordo com a polícia, foram mais de 20 denúncias de crimes praticados por Cristian. O mais recente assassinato foi no dia 24 de novembro e vitimou Telmires Bulcão dos Santos dentro de um ônibus. Cristian é acusado de agir também em Águas Claras. Segundo a polícia, ali ele matou Diogo das Virgens Santos e Mateus Oliveira Santos em duas situações distintas.