Rocinha x Nordeste de Amaralina: professor analisa violência e aumento de mortes

Especialista em segurança sugere ocupação planejada para evitar barbárie. Ocupadas por forças de segurança, comunidades registram aumento de homicídios

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 28 de setembro de 2017 às 02:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução AFP/Arquivo CORREIO

Uma é assunto de destaque no noticiário nacional; a outra tem aparecido praticamente apenas nas manchetes locais. Mesmo assim, e ainda que separadas por 1,7 mil quilômetros, as comunidades da Rocinha, no Rio de Janeiro, e do Nordeste de Amaralina, aqui em Salvador, têm vivido experiências parecidas nos últimos dias.

Na Rocinha, 950 homens do Exército estão nas ruas desde sexta-feira (22), fazendo um cerco para que a polícia local possa prender traficantes. Na capital baiana, a ocupação foi comandada pela recém-criada Companhia de Patrulhamento Tático Móvel (Patamo) do Batalhão de Choque, que ficou de quinta-feira (21) até a madrugada desta quarta-feira (27), no Complexo do Nordeste de Amaralina – que inclui, ainda, os bairros de Santa Cruz, Chapada do Rio Vermelho e Vale das Pedrinhas.

Só nos primeiros quatro dias, a operação no Rio deixou seis mortos. Por aqui, o saldo foi de cinco mortes e 11 prisões. Nos dois casos, os mortos eram traficantes que morreram em confronto com a polícia. Se calcularmos a taxa de mortalidade só desse período, o resultado é alarmante: diante de 70 mil habitantes (segundo o IBGE), a Rocinha tem 8,57 homicídios para cada 100 mil. No complexo do Nordeste de Amaralina, com seus 76 mil moradores, são 6,57 homicídios para 100 mil habitantes.

“Em qualquer canto, seja na Rocinha, seja em Salvador, violência traz violência”, diz o especialista em segurança pública César Barreira, em entrevista ao CORREIO. Professor titular da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador do Laboratório de Estudo da Violência (LEV) da instituição, o professor defende as ocupações que evitem mortes. “Se essas ocupações não tiverem essa natureza, vão ocorrer sempre como barbárie”, afirma. Confira a entrevista completa. Professor César Barreira, coordenador do Laboratório de Estudo da Violência da UFC (Foto: Divulgação) CORREIO - Por que essas ocupações – tanto em Salvador quanto no Rio de Janeiro – têm resultado em tantas mortes? Especialista - Essas questões levam a várias reflexões, mas uma delas é realmente analisar esse tipo de ocupações que ocorrem no Brasil. Já tivemos várias ocupações antes mesmo da existência das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), que achei uma política bem estruturada. Não houve esse número de mortes. Essas ocupações sem o enfrentamento, sem a violência, são um tipo de ocupação correto.

Quando se trabalha a questão do confronto, da violência pela violência, o resultado vai ser esse (muitas mortes). É um confronto de pessoas armadas onde, de um lado, você tem as pessoas que não têm muito a perder, querem sobreviver e reagem muito; e do outro, os órgãos de segurança.

Para mim, a presença dessas áreas é correta. Não se pode deixar que o crime organizado se consolide, inclusive que fique dando as regras do jogo. Então, a presença de profissionais da segurança pública nessas áreas é importante.

CORREIO - De que forma? Especialista - Evidentemente, nessas áreas, não tem só bandido, então o estado está cumprindo seu papel de dar segurança à população. Mas, enquanto isso for feito sem nenhuma racionalidade, vai acontecer muito isso. As ocupações só poderiam ocorrer se fossem com um grau de racionalidade muito colado à inteligência, como um estudo prévio da área.

É importante ter a presença da polícia mas evitando mortes. Tem que ter isso como princípio. Se essas ocupações não tiverem essa natureza, vão ocorrer sempre como barbárie.

Por isso, é importante que a população não só conheça, mas fique horrorizada, se indigne com essa situação. Nós no Brasil temos que negar essa questão que ‘bandido bom é bandido morto’. As pessoas dizem que ‘foi entre eles, quem morreu foi bandido’, mas foi uma vida, uma pessoa que morreu.

Não estou dizendo que a polícia não deve reagir, tem que reagir, mas teria que ser uma reação proporcional inclusive usando uma questão que se trabalha muito hoje, que é o uso gradativo da força. O primeiro passo, se houver condições, é o diálogo, não a arma. Esse é o último.

CORREIO - O que a Rocinha representa no imaginário popular? Especialista - Dentro do nosso imaginário, a Rocinha é a grande favela do Rio e onde há a grande concentração de tráfico de drogas. É dentro dessa perspectiva que a gente pode conhecer as questões das disputas.

Temos que romper essas máximas que sempre dizem ‘morreram cinco, mas era disputa pelo tráfico’. Não, foram cinco pessoas que morreram. Em qualquer canto, seja na Rocinha, seja em Salvador, violência traz violência. E é interessante saber que não só morrem os traficantes, mas tem a questão de balas perdidas nessa disputa por áreas.

CORREIO - O senhor conhece iniciativas como a Patamo em outras cidades? Especialista - Não conheço. Mas essas companhias têm que ser muito bem preparadas para ocupação, assim como tem que ter companhias preparadas para manifestações sociais, que não podem ser contidas para um grau máximo de violência. Tem que saber qual é o tipo da força num estádio, assim como numa entrada de favela. É isso que seria o uso da inteligência.

A outra questão é que essas áreas ocupadas normalmente são áreas que têm uma desordem social muito elevada, pouca iluminação, vias de acesso precárias, não só ruas como calçadas, casas que não têm agua encanada, esgoto... Toda essa questão da ausência da política pública leva muito a esse patamar de violência.

Esse momento (de ocupação) deveria ser aproveitado para dar serviços públicos. Se não tiver isso articulado, não vamos resolver o problema de violência. Se não for feito de uma forma racional, vamos ter consequências como as regras criadas pelos traficantes, como isso de que ‘morreu porque não baixou o vidro’, ‘morreu porque não aceitou o sinal de parar’. Essas ocupações deveriam ser acompanhadas de um forte planejamento tático e de gestão.