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Saga de Rogilene: estudante se surpreende com repercussão de campanha e recebe ajuda de colegas


 

Além de participar da vaquinha para viabilizar viagem para Portugal, estudantes de Direito da Ufba convidaram professores para fazer mini curso e doar dinheiro arrecadado para ajudar em viagem

  • Perla Ribeiro

Publicado em 05/08/2017 às 04:11:00
Atualizado em 17/04/2023 às 09:40:06
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Por mais que acreditasse que no final tudo daria certo, nem a própria Rogilene Bispo, 28 anos, imaginava que fosse chegar perto de atingir seu objetivo em tão pouco tempo. Três dias depois de lançar uma campanha com o objetivo de arrecadar R$ 15 mil para ajudar nos custos da viagem a Portugal, onde irá realizar o sonho de estudar Direito na Universidade de Coimbra, a estudante conseguiu o valor que precisava. 

Se passar um pouquinho, ela já sabe até o que fazer com o dinheiro. “Vou comprar uma mala, que eu não tenho ainda e não incluí nos custos que teria com a viagem”, adianta a estudante de 7º semestre de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba), que conseguiu uma vaga no programa de mobilidade acadêmica e agora vai poder continuar o curso na Universidade de Coimbra, em Portugal, durante dois anos.

Ela nunca teve nada fácil na vida. Ralou muito por cada conquista. Agora, não consegue conter a emoção ao ver um projeto perto de se concretizar em tão poucos dias. "Não sei nem o que dizer. Não achava que ia sair dos R$ 500. Minha irmã chegou a dizer que não daria certo, porque fiz o vídeo mal feito", conta Rogilene, parecendo ainda não acreditar em tudo que está vivendo. Até promessa de passagem ela já tem, mas ainda não sabe dar os detalhes. “Uma amiga me disse que conseguiu um patrocínio, mas ainda estou buscando as informações”."Vou comprar uma mala, que eu não tenho ainda e não incluí nos custos que teria com a viagem"A história de luta e resistência da jovem negra que saía de bicicleta do Lobato, onde mora, para estudar na Biblioteca Central dos Barris, tocou tanta gente que a Vakinha (nome do site que arrecada as doações) não para de crescer. Paralelo a isso, uma enxurrada de mensagens de incentivo chega para ela. Nas redes sociais, há mensagens vindas até de Portugal, sua próxima morada.

"Tenho recebido mensagens maravilhosas pelo Facebook e faço questão de responder todas. Tem muita gente perguntando se preciso de alguma coisa, e até se oferecendo para ir me buscar no aeroporto quando eu chegar em Portugal", conta, empolgada.

Novidade para colegas Após o CORREIO contar a história de luta da estudante, a repercussão foi grande e chegou a assustar Rogilene. Nesta sexta, quando chegou na Faculdade de Direito, foi surpreendida pelas demonstrações de carinho e admiração de professores e dos próprios colegas."Eles estudam comigo, mas não sabiam da minha trajetória. Essa parte da minha vida é um pouco triste, não gosto de falar. Mas agora era o momento""Todo mundo veio me dizer que eu era um exemplo a ser seguido, que era uma vitoriosa. Eles estudam comigo, mas não sabiam da minha trajetória. Essa parte da minha vida é um pouco triste, não gosto de falar. Mas agora era o momento. Estou muito feliz com tudo que está acontecendo", conta.

Na faculdade, todo mundo se mobilizou. Além de participar da vaquinha, os alunos decidiram convidar professores para fazer um mini curso de Direito Penal e doar o dinheiro arrecadado com as inscrições para ajudar na viagem de Rogilene. “Sou muito querida, tenho muitos amigos. Eles sabem que ralei muito, mas não sabiam dos detalhes”.

O professor de Processo Penal, Misael Neto, fez uma homenagem para a aluna guerreira na sala de aula. “Ele disse que sou uma vencedora, que transpus todas as barreiras. Há uma corrente do bem, com todo mundo se mobilizando. Nunca me conformei com minha realidade social e sempre corri atrás para transformá-la. Quando descobri que existia faculdade pública, decidi que ia estudar”, diz.

Batalhou e conseguiu. Agora, a moça, que só andou de avião uma vez em seus 28 anos, quando foi a São Paulo assistir a defesa do doutorado da irmã na Universidade de São Paulo (USP), se prepara, literalmente, para um voo bem mais longo - e alto. Vai atravessar o Atlântico com destino a Portugal, onde vai escrever mais um capítulo importante da sua história de superação."Minha vida é um milagre. As pessoas pediam para minha mãe doar a gente e ela não doou. Passamos muitas necessidades juntas. Meu pai não queria a gente. Ela passou tudo que passou pra ter a gente""Meu sonho sempre foi fazer um intercâmbio, mas o fato de não falar inglês me prejudicou. Por isso, escolhi Portugal. E quero buscar depois algum país perto para aprender inglês", adianta. As aulas começarão no dia 11 de setembro, mas ela quer chegar com pelo menos cinco dias de antecedência para ir arrumando a vida por lá.

Se por um lado ela é só alegria, por outro, o coração está miudinho por saber que vai ter que ficar longe da mãe, a diarista desempregada Gicelda Maria dos Santos, 58, sua grande incentivadora. Ela também deixa aqui no Brasil a irmã mais nova, Rosângela Maria Bispo, 23, e a mais velha, Rogiene Batista dos Santos, 32, que mora em Ribeirão Preto. Ela sabe que vai sofrer com a distância, mas que os grandes sonhos exigem renúncias.

“Tenho muita fé em Deus, minha vida é um milagre. As pessoas pediam para minha mãe doar a gente e ela não doou. Passamos muitas necessidades juntas. Meu pai não queria a gente. Ela passou tudo que passou pra ter a gente. Sou muito grata por isso”.