Salvador tem apenas três centros gratuitos para tratar viciados em drogas

No interior, a proporção é ainda menor. Os 416 municípios da Bahia contam apenas com cinco Caps Ad

Publicado em 18 de dezembro de 2011 às 08:56

- Atualizado há um ano

Florence [email protected] menos uma vez por semana o aposentado de 64 anos cumpre o ritual: veste a bermuda jeans mais nova que tem, camisa, boné e uma sandália de couro e caminha até o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps Ad), em Pernambués. “Sou um alcoólatra em tratamento. É uma luta difícil, dolorosa e quase perdi minha família por causa do vício. Foi quando descobri esse serviço de graça. Hoje, enfrento essa luta porque encontrei ajuda. Ou não sei o que seria de mim. Confesso que não venho sempre, mas sempre que dá, estou aqui”, declara ele, sem querer se identificar. Número de dependentes em crack cresce a cada dia em Salvador, que possui três centros que oferecem tratamento gratuitoDo outro lado da cidade, na Rua do Gravatá, Centro Histórico, o morador de rua David Souza, 28 anos, diz que entre uma pedra de crack e outra, às vezes, “arruma tempo” para escutar uma palestra ou conversar com os terapeutas que trabalham no Consultório de Rua. “É tipo um ônibus, sabe? Conversam com a gente. Eu gosto. Queria largar a pedra, mas não consigo. Quando aparecem, eu vou”, conta.Para eles e para tantos outros viciados em crack, álcool e outras drogas há poucas alternativas de tratamento e acolhimento gratuitos em Salvador. A cidade conta com dois Caps Ad e o Centro de Estudos e Terapia de Abuso de Drogas (Cetad). No interior, a proporção é ainda menor. Os 416 municípios da Bahia contam apenas com cinco Caps Ad. “É realmente pouco. O ideal é que tivéssemos um Caps Ad para cada dois distritos. A cidade está dividida em 12 distritos. Hoje só contamos com um em Pernambués, que atende cerca de 400 pessoas por mês, e o que fica em Pirajá, atendendo mais 300”, afirma a coordenadora da Política Municipal de Saúde Mental, Célia Rocha.Já a população de rua, estimada em 19 mil habitantes, conta com os três Consultórios de Rua na capital. “Camaçari e Lauro de Freitas também contam com uma unidade cada uma. O projeto foi idealizado pelo diretor do Cetad Antônio Néri Filho para atingir essa população excluída socialmente. "Nossas vans vão até os bairros com maior incidência do consumo de drogas”, explica a coordenadora executiva do programa, Andréia Leite. Ela ressalta que os centros de acolhimento estão muito aquém da necessidade real de usuários de drogas. “O número cresce ou esses usuários estão cada vez mais comprometidos. Só dois Caps Ad é muito pouco. Quem mora na Ribeira, por exemplo, até pode ir, mas com muita força de vontade”. Mas é o paciente que precisa ficar internado para desintoxicação é o mais limitado ao tratamento. Ele deverá desembolsar, se puder, cerca de R$ 250 por diária em uma clínica particular. O Estado não tem leitos em hospitais direcionados para este tipo de tratamento. “Fazemos atendimentos emergenciais no caso de uma crise de abstinência quando esse indivíduo apresenta convulsões e outras reações. Infelizmente, por muito tempo a saúde mental ficou restrita aos Caps ou foi um pouco negligenciada”, afirma a diretora de gestão do cuidado da Secretaria Estadual de Saúde (Sesab), Débora do Carmo. Para Leite, os Caps Ad deveriam ter leitos de desintoxicação. “Mas os Caps Ad  não funcionam em sua plenitude e são poucos”.Campanha Para tentar solucionar as lacunas no atendimento e frear o avanço do crack no país a presidente Dilma Rousseff lançar o plano Crack, É Possível Vencer no dia 7, que promete investir R$ 4 bilhões até 2014 em todos os estados brasileiros que enfretam o problema. O Ministério da Saúde já anunciou que Bahia será contemplada com R$ 96,7 milhões para 2012. O ministro Alexandre Padilha chega em Salvador dia 22 para a inauguração do primeiro Caps Ad estadual. A unidade será implantada na Faculdade de Medicina da Ufba.Serviço será ampliadoCom a verba anunciada pelo Ministério da Saúde, governo e prefeitura garantem que em 2012 o serviço de atendimento a usuários de drogas será ampliado. A coordenadora municipal de saúde mental Célia Rocha diz que Salvador pode abocanhar R$ 2 milhões dos R$96,7 milhões anunciados. A previsão  é para implantar três novos na cidade.  “Temos uma dificuldade imensa de alugar um imóvel porque em bairros da periferia muitos não têm escritura. Mas estamos empenhados e acredito que em março ou abril a prefeitura comece a tocar esse projeto. A previsão é que o Subúrbio, Itapuã e Cajazeiras sejam contemplados”, afirma.Segundo Rocha, atualmente o ministério repassa R$ 50 mil por mês para custear os Caps Ad, mas a manutenção deles custa o triplo. A coordenadora ressalta também que um novo programa de assistência também será lançado no próximo ano. “Teremos quatro unidades residenciais terapêuticas. Serão casas de passagem para pacientes que saíram da internação por desintoxicação ou abstinência e eles poderão ficar lá por três meses. A primeira unidade será no Centro Histórico”, diz. Ela conta ainda que com o programa do ministério,  está previsto a implantação de mais três Consultórios de Rua.Já para quem precisa ficar internado, o governo estadual promete cerca de 100 novos leitos para desintoxicação “Em Feira de Santana, o hospital psiquiátrico Colônia Lopes Rodrigues terá o perfil modificado. Ele atenderá usuários de drogas e serão implantados 30 leitos. Já em Vitória da Conquista, o Hospital Afrânio Peixoto pode ganhar entre 30 e 42 leitos para o mesmo fim”, explica a diretora de gestão do cuidado, Débora do Carmo. Para Salvador, a Sesab prevê 30 leitos. Eles estarão à disposição no Hospital Universitário Professor Edgard Santos”.Problemas estruturaisSem se identificar, o CORREIO esteve nos Caps Ad e no Cetad e constatou que o serviço funciona bem apesar de algumas dificuldades estruturais.Em todos a proposta é realizar atendimentos individualizados e coletivos com usuários de drogas e álcool e ofertar tratamentos alternativos como oficinas de arte, além de tratamento médico. Nas três unidades, um técnico realizou a triagem, que consiste em uma entrevista preliminar para avaliar a necessidade do paciente, seu histórico familiar e qual é a droga em uso. Após uma conversa, o paciente é encaminhado para um clínico-geral e se for necessário ao psiquiatra. A avaliação médica só acontece na segunda visita.O tempo, horário e forma de tratamento são escolhidos pelo paciente em parceria com seu responsável na unidade que pode ser um terapeuta, psicólogo ou assistente social. Se for necessário que ele fique o dia inteiro no local, lanche e almoço são disponibilizados.No Cetad, a reportagem encontrou o primeiro problema: poucas vagas para atendimento individual. “Agora só temos para janeiro. Consegui uma triagem para dia 5, mas a marcação com médicos e psicólogos pode demorar um pouco. Já as oficinas de arte sempre têm vaga”, diz uma funcionária. “É muita gente procurando. Sempre tentamos dar um jeito, mas  é difícil”, diz outra atendente. Já o Caps Ad em Pirajá parece ser ignorado pelos outros pontos de apoio. No Cetad uma terapeuta diz que a unidade não está funcionando. No Caps Ad, em Pernambués, nenhum dos funcionários que trabalhavam pela manhã sabia dizer o endereço ou telefone do centro de Pirajá. A unidade foi inaugurada há um ano e, apesar de inicialmente funcionar 24 horas/dia, sete dias por semana, o serviço foi reduzido por problemas entre pacientes e guardas municipais que faziam a segurança do local. Já em Pernambués a casa é pequena para abrigar tanta gente. “Por isso não podemos expandir o serviço”, diz a coordenadora  de saúde mental Célia Rocha. ‘Um vício sempre está atrelado a outro’O Cetad funciona há 26 anos e apenas nos últimos cinco realizou mais de 25 mil atendimentos. Até novembro deste ano foram registrados 8.038 pacientes. Segundo a psicóloga e pedagoga, Rita Valente, 70% dos usuários são homens entre 12 e 35 anos. “As drogas mais utilizadas são a cocaína, maconha e crack. O crack tem crescido e é um grande problema porque é uma droga de fácil acesso, pois é muito barata”. De acordo com registros do Cetad, viciados em álcool procuram tratamento quando têm entre 40 e 50 anos, enquanto a faixa abaixo de 35 anos é mais adepta às drogas ilícitas e procura ajuda mais cedo. “Mas esses jovens também abusam de bebidas alcoólicas. Um vício sempre está atraleado a outro”. As áreas mais críticas e no consumo de drogas continuam sendo o Centro Histórico, Rua do Gravatá e todo o entorno da Feira de São Joaquim.CAPSad PirajáEndereço - Rua Estrada Velha de Campinas de Pirajá, 61, Pirajá.Telefone - 9264-4969Estrutura - 40 pessoas na equipe: 2 psiquiatras; 1 neurologista; 1 clínico; 5 psicólogos Serviços - Oficinas de teatro, música, esporte e pintura, serviço de medicação, atendimento individual e em grupoFuncionamento - Segunda a sexta das 8h às 18hCAPSad PernambuésEndereço - Rua Conde Pereira Carneiro, 271, PernambuésTelefone - 3460-1957Estrutura - 57 pessoas na equipe: 1 psiquiatra; 1 clínico; 5 psicólogos Serviços - Oficinas de teatro, música, esporte e pintura, serviço de medicação, atendimento individual e em grupoFuncionamento - Segunda a sexta das 8h às 17hCetadEndereço - Avenida Pedro Lessa, nº 123, CanelaTelefone  3283-7181Estrutura - 46 pessoas: 10 psicólogas, 4 assistentes sociais, 6 psiquiatras, 1 terapeuta, 3 pedagogas, 1 bibliotecária, 14 estagiários de psicologia e 7 residentesServiços - Oficinas de fotografia e artes plásticas, atendimento individual e em grupo, serviços de meditaçãoFuncionamento - Segunda a sexta das 8h às 18h