Se libera, nêga! (E vá curtir seu Carnaval)

Flavia Azevedo é produtora e mãe de Leo

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 27 de janeiro de 2018 às 19:03

- Atualizado há um ano

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Eu amo Carnaval. O de Salvador é o meu preferido, mas também amo o de Recife e até o do Rio, de maneiras diferentes. Todos os três, velhos conhecidos. Pai, mãe e filho, espíritos santos do meu prazer, da festa de todos os meus sentidos, desde quando entendo de mim.

Choro de emoção na avenida, me arrepio, me encho de purpurina, "eu sou o Carnaval em cada esquina do meu coração". Gosto de pisar naquele chão mesmo sujo e fedendo a xixi. Adoro sair sozinha e me misturar na multidão, organismo único e vivo no qual me perco, confortavelmente. Tomar banho depois e ver aquele caldo preto escorrer pelo ralo, ritual de limpeza física e espiritual. Purificação.

(Isso é amar uma coisa, certo? Muito, intensamente, demais.)

Já perdi, no entanto, inúmeros carnavais. Sofri em todas as vezes. Uma tristeza na alma mesmo quando fiquei em casa pra cuidar do meu filho. Porque amo o meu filho mais do que tudo, mas foliã é foliã. Ele há de ser também. E vai entender a minha cara desanimada brincando de carrinho com tanto bloco na rua e eu ali. Corpo presente, alma longe demais.

(Obrigada, minha mãe, por ter ficado com ele em alguns dias dos mais recentes carnavais. Fui pro Rio e voltei. Fui pro Recife e voltei. Fui pra Salvador e voltei. Melhor um pouquinho do que nada)

Por filho, tudo bem. Dou um braço, um rim, minha vida, minha alma, minha alegria. Mas lamento cada segundo de folia perdida por causa de homens crescidos a quem eu devia ter dito: "adeus, bye bye!".

Eu já achei que era amor o cabra propor praia deserta justamente nos dias em que tudo que eu menos queria era silêncio. E ele sabia. O outro tinha ciúmes, um terceiro só podia sair em determinado bloco, em determinado dia e tinha que estar bom pra mim. Uma loucura resumida na fala de um deles que me disse, de cara amarrada, numa ladeira da Bahia, em pleno Carnaval: "quanto mais você se anima, mais eu entristeço". Sincero, na veia, falando de um sentimento horrível, mas também muito comum.

Isso é o quê? Insegurança? Medo da concorrência abundante no meio da folia? Se fosse só isso, era bom. Mas é um incômodo com a alegria alheia, um desejo de castração, incompetência pra lidar com mulher em ebulição. Tudo isso junto concretizado no exercício de poder do cabra que diz, de certa forma: "você só goza como e quando eu deixar".

Pode gozar se for na casa de praia, se for com ele, se for sem exuberâncias, se for dia tal e em hora a combinar. Se for do jeito que ele (lá ele) acha normal. Pode no Natal em família, no aniversário do primo, se não rebolar muito, se não se animar demais. Pode comportadamente, sem jamais descarrilar, sem risadas estridentes, sem nunca, jamais, transbordar. Pode se não despertar desejos em homens colaterais.

Só pode do jeito dele, o que significa não ter. Porque gozo é pessoal, cada um sabe do seu. Tanto o físico quanto o existencial. Dependendo do homem, se a gente for agradar, passa a vida sem ter prazer e, quando vê, é tarde demais. Porque a gente também desaprende, se esquece quem é, entristece, se distancia da gente. Sobretudo corre o risco mortal de nunca mais gozar.

Ainda dá tempo, companheira, se você é Carnaval e mozão desse tipo aí. Sessão extra na terapia (dele), DR com olho no olho, alguma conversação. Explicar bem direitinho, se o rapaz valer a pena e isso é pessoal, só você pode saber. Talvez ajuste, quem sabe? Talvez exigindo, role o respeito que quem gosta da folia - e eu tô falando bem sério - merece, precisa e deve ter.

Agora, pros irredutíveis, pro que diz "mulher minha não vai não", vou dar a minha visão e você pega se quiser. Deixa lá que não vale a pena. Homens vão e homens vêm. Arrume sua purpurina, escolha a programação, prepare a roupa fresquinha e avise logo que é "beijo tchau". Na volta vocês conversam, talvez. Você de alma lavada e ele pode ter aprendido a lição. Se ele não, você sim. Eu já e não esqueço mais: não se deixa de viver por ordem de senhor nenhum. Resumindo, a ideia é: se libera, nêga! E vá curtir seu Carnaval!

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