Solitude ou solidão?

Encarada como uma epidemia e um caso de saúde pública no Reino Unido, a solidão tem sido uma característica da sociedade contemporânea, mas pode funcionar como uma ferramenta de auto descoberta

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  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 12 de março de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução/shutterstock

A solidão é uma experiência positiva ou negativa na vida das pessoas? No Reino Unido, um relatório apresentado no início do ano mostrou que, naquela nação, a solidão costuma estar associada a doenças cardiovasculares, demência, depressão e ansiedade, e pode ser tão prejudicial à saúde quanto fumar 15 cigarros por dia.

 O quadro forçou o governo a criar uma secretaria de Estado para medir a solidão e financiará coletivos que trabalhem com a integração entre as pessoas. A “epidemia” de solidão está relacionada com o enfraquecimento de uma série de instituições, como família, igreja, sindicatos, pubs e centros de trabalho.

 “Nos dias de hoje, houve uma mudança muito significativa na sociedade e o advento das redes sociais reduziu a sensação de solidão, no entanto, criou um outro tipo de relação, onde até as ligações telefônicas são encaradas como algo muito íntimo”, afirma a psiquiatra Lívia Castelo Branco. Ela ressalta que existe diferença entre solitude e solidão. A primeira é encarada como uma glória, um reencontro consigo mesmo. A segunda, como uma dor. 

  Relações Sociais Para a psicóloga e coordenadora da residência terapêutica da Clínica Holiste, Caroline Severo, a solidão é um processo que diz respeito ao indivíduo, cabendo a cada um pontuar onde o fato é bom ou ruim.  “A solidão é um processo de subjetivação, mas na sociedade, é preciso observar que existem dois discursos claros: o da autossuficiência, onde não se dá o espaço para o outro se aproximar, e aquele outro onde se vive em função do que o outro pensa de mim”, esclarece, ressaltando que esses dois comportamentos podem estar presentes em quaisquer faixas etárias.

Para Caroline, nessa sociedade, onde as pessoas se alienam, é preciso sair da posição de comodismo e reinventar essas relações sociais. “Tanto a solidão quanto a presença são importantes em momentos distintos, mas para que ambos tenham significado e sentido, é necessário que se conscientize e que cada um reinvente as formas de se relacionar nesse mundo em transformação”, completa.

Foi o que fez a jornalista Marília Gabriela, 42 anos. Ela descobriu que a solidão pode ser uma experiência libertadora. Até os 39, ela morou e cuidou da avó paterna, que a criou como filha. Após o falecimento da avó, seis meses depois, precisou sepultar o pai.

O desaparecimento de familiares mostrou que ela precisava conviver com sua própria companhia. A experiência transformou sua relação com os outros e com ela mesma, que diz estar muito bem consigo mesma. A perda lhe deu uma autonomia emocional, além de autodescobertas importantes.

 “Achava que não conseguiria me virar sozinha, de repente, fui percebendo que não apenas dava conta desse estado, como também gosto dele”, pontua. Quando ouve frases que a incentivam a ter filhos para gozar de cuidados na velhice, é enfática em salientar que a presença de filhos não garante assistência, parceria ou carinho.