Terra (sempre) em Transe

Por Aninha Franco

  • D
  • Da Redação

Publicado em 9 de dezembro de 2017 às 06:42

- Atualizado há um ano

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Em 1967, quando Glauber Rocha, aos 28 anos, exibiu Terra em Transe, a terra brasilis era transe na veia. O Mal. Arthur da Costa e Silva estava eleito à presidência da República por voto indireto para substituir o Gel. Castelo Branco que, antes de sair, impôs uma constituição ao País, preparada por quatro juristas, reelaborada pelo governo e aprovada por um Congresso sem opositores. Em 1966, o Plenário foi invadido por forças militares e suspenso de suas funções por dois meses. E em 13 de dezembro de 1968, dia da festa de Santa Luzia, protetora dos olhos, dia do nascimento de Luiz Gonzaga, poeta de língua afiada, o Brasil teve suas línguas e olhos podados pela decretação do AI-5.

O Ato Institucional 5, ultra violento, foi explicado à Sociedade Civil pelo Poder Executivo Militar como necessário para combater a “guerrilha”, porque o Movimento Nacional Revolucionário, em 1967, enfrentou os militares na Serra do Caparaó, e depois que o Partido Comunista Brasileiro declarou-se contrário à luta armada, surgiram os dissidentes PCBR, MR8, ALN, e PCR, todos com sangue nos olhos, que foram à luta. Glauber Rocha era um artista intelectual aos 28 anos, quando fez o filme e quando o definiu em texto a Alfredo Guevara, publicado em Cartas ao Mundo (Cia das Letras, 1997).

 “(...) uma parábola sobre a crise ideológica e política da América Latina, onde os valores se entrechocam sem encontrar o caminho válido e conseqüente: a luta revolucionária. O filme é uma amarga e violenta crítica aos intelectuais de esquerda, teóricos do Partido que se unem sempre à burguesia para apoiar o populismo demagógico e sempre são traídos quando a burguesia sente os perigos de sua aliança, da demagogia e do oportunismo em nome do povo”. 

Em 1967, Glauber Rocha cumpria a função maior de um Artista, explicar seu entorno, no filme Terra em Transe que, em 2017, continua em transe, apenas um pouco mais pop, com policiais prendendo o traficante perigoso e fazendo selfie com ele, algemado, sorrindo. Com um cantor detido pela PM porque espancou a companheira, fazendo show para a PM que o prendeu na soltura. Com um Supremo Judiciário atentando contra a Lei que deve proteger supremamente. Com candidatos à presidência da República fazendo campanha eleitoral antecipada proibida pela TSE, com anuência do TSE, e com um ex-presidente “dizquerda”, mentiroso contumaz, que serviu à burguesia até quebrar o País, e pretende voltar.

Ignoro como está o acervo desse Pensador brasileiro, nascido na Bahia, que explica o Brasil com tanta precisão, mas já passou da hora de protegê-lo. A contemporaneidade de Terra em Transe fortalece a declaração da organizadora das Cartas do Mundo, Ivana Bentes, em 1997: “O pensamento de Glauber se insere na linha dos grandes explicadores do Brasil ao lado de Euclides da Cunha, Paulo Prado, Gilberto Freyre, Caio Prado Jr. Glauber pensava o cinema como guerrilha cultural, capaz de criar um território e uma rede de trocas culturais, novos mitos, novas formas de resistência e criação estéticas onde seja visível nossa diferença e originalidade como civilização”. 36 anos “depois da sua morte, é hora de olhar menos para o Glauber folclórico, delirante, louco e enxergar a originalidade, lucidez e consistência desse pensamento”.

Já passou da hora da Bahia conhecer, estudar, assistir, amar e guardar pensadores como Glauber Rocha nos neurônios.