The Post: O filme sobre o passado que mostra o Brasil de hoje

Filme concorre a duas estatuetas do Oscar e pode ser visto como uma grande metáfora sobre a política brasileira; confira crítica

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  • Vanessa Brunt

Publicado em 25 de janeiro de 2018 às 06:10

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Uma metáfora para o Brasil atual. Assim pode ser iniciada a reflexão sobre o novo filme de Steven Spielberg, The Post - A Guerra Secreta, que estreia nesta quinta-feira (25) nos cinemas nacionais. O longa concorre aos títulos do Oscar de Melhor Filme e Melhor Atriz, pela interpretação de Meryl Streep.  A trama é baseada no caso real dos jornalistas do veículo The Washington Post, que batalharam juridicamente, em 1971, para publicar uma série de matérias denunciando o governo norte-americano por negligências e mentiras acerca da atuação do país na Guerra do Vietnã.  Kat Graham (Meryl Streep) é a dona do jornal, que está prestes a lançar suas ações na Bolsa de Valores para capitalizar o negócio e poder levar o meio de comunicação adiante. Ela está assumindo o papel administrativo logo após a morte do seu marido, que comandava o periódico. Ben Bradlee (Tom Hanks) é o editor-chefe do veículo. Ele é ávido por alguma grande notícia que possa fazer com que o The Post suba de patamar no sempre acirrado mercado jornalístico. Confira o trailer e a continuação da crítica: Metáforas Em meio a discussões literais sobre liberdade de imprensa, conflito entre o editorial e o comercial de uma redação e o poder da verdade em confronto com os interesses governamentais, o filme pode ser captado pelo público brasileiro, ainda, como representação metafórica do que acontece na realidade política do próprio país. O The Post seria uma analogia – não intencional, mas cabível – tanto para a imprensa quanto para parte da justiça que luta em casos com a Lava Jato. A situação estudada e a ser divulgada pelo jornal, equivaleria à corrupção. O próprio diretor faz uma comparação mundial:"Senti que existia uma grande urgência de refletir as conexões entre 1971 e 2017, porque eles foram anos terrivelmente semelhantes. É um filme para os famintos pela verdade": SpielbergA linha tênue entre invasão de privacidade e informação fundamental para a sociedade, é somente um dos tópicos cabíveis na realidade nacional. A trama, porém, traz ainda outros pontos literais de importância, como é o caso das fortes questões feministas, que aparecem ao exibir a personagem de Streep sendo julgada como incompetente, antes mesmo de tomar decisões, apenas pelo seu gênero biológico. Todos os enlaces ocorrem emaranhados quando, na trama, o New York Times começa a lançar documentos sigilosos do Pentágono e recebe um processo do presidente Richard Nixon com base na Lei de Espionagem, de forma a 'obrigar' que nada mais seja divulgado. A proibição é concedida por um juiz (possível de representar também a chamada ‘ditadura branca’ vivida em diversos casos atuais), o que faz com que os documentos cheguem às mãos de Bradlee e sua equipe, que precisa, então, convencer Kat e os demais responsáveis sobre a importância da publicação para o público, de forma a defender os princípios jornalísticos. Filme ganha mais força nas entrelinhas e em frases soltas (Foto: Divulgação) Nos detalhes A obra, que utiliza de diversos jargões profissionais, faz ode ao jornalismo atual pela discussão de ética e tem carga histórica imprescindível. Para os profissionais da área, pode ser encantador ver sutilezas como, por exemplo, uma redação com pouca tecnologia em cenas que focam no funcionamento das máquinas da época. Mas não somente para comunicólogos é que o filme ganha mais força nas entrelinhas do que nas explicitudes. São nas partes mais rápidas e nos diálogos menos destacados que a magia acontece. Um dos momentos que clarifica isso, ocorre em uma cena curta, que serve de passagem entre uma imagem e outra, e mostra a fonte dos jornalistas dando uma entrevista na televisão. Durante a entrevista, que pode passar despercebida pelo tom abafado de segundo plano, a fonte diz algo como: “Dizem que isso é invasão de privacidade, que é algo que pertence ao governo. Mas o governo deveria pertencer ao povo, trabalhar para - e com - a sociedade. Se eles julgam ser privado algo que afeta as nossas vidas, o quanto estariam eles violando a nossa própria privacidade por esconderem o que deveríamos saber? Isso afeta as nossas escolhas, a nossa casa. Se o que diz respeito a uma única pessoa é mais importante do que o que diz respeito ao povo, essa pessoa está dizendo que ela está acima de todos, é ditadura". O lado triste, ou nem isso Apesar dos ângulos de filmagem criativos, da quase impecável fotografia, da suma importância histórica, da direção de ouro e das entrelinhas tão conectadas com a realidade brasileira dos últimos anos, o filme perdura um roteiro (de Josh Singer e Elizabeth Hannah) morno e não cativa com fortes emoções. É indiscutivelmente importante, mas não sedutor. Os personagens não causam proximidade, não têm vidas pessoais ou sentimentos aprofundados que criem laços com o público, e o texto não entrete os mais leigos e nem os peritos, além de não utilizar a seriedade do tema para formar críticas em cenas impactantes. É como uma aula de história sem interatividade, sem participação; apenas com o professor falando ali na frente: você sabe que é importante, sabe que é enriquecedor, mas não da maneira mais atrativa. As atuações seguras não salvam o roteiro arrastado e nem sequer as cenas (óbvias) de feminismo. Essas cenas, inclusive, deixam um gosto de aguardo para momentos fortes de liderança, dignos da personagem Daenerys em Game Of Thrones – mas esses momentos nunca chegam no filme, nunca vão além do que já seria previsto. O respiro cômico mais nítido também não consegue alcançar seu sucesso, já que fica pendurado entre uma seriedade pouco emocionante (apesar, novamente, de importante) e uma brincadeira pouco levada na brincadeira.Confira mais críticas e indicações de filmes e séries da repórter Vanessa Brunt clicando aquiMesmo assim, obrigatório Porém, fato, é fato: a trama é fundamental para puxões de orelha; para lembrar que ‘quem fica neutro em situações de injustiça, está do lado do opressor’. Como lastro histórico e poético (para quem souber fazer interligações), The Post - A Guerra Secreta é informativo e apreciável, bebendo um pouco de Todos os Homens do Presidente e Spotlight. Mas, para quem busca um filme intenso ou arrebatador, que deixe gosto de entusiasmo, é melhor deixar para ver depois, quando estiver com disposição para uma aula em estilo de palestra. Apesar do pouco entretenimento, o filme pode ser dito como obrigatório para atuantes da Comunicação e para quaisquer cidadãos que desejem cabeças mais críticas e bagagens sociais e políticas mais argumentativas. The Post é aquela rua tediosa, que não tem buracos para irritar e nem vistas estonteantes, apesar de valer por uma mala mais cheia na volta. É aquela rua que nos leva, no fim, a um grande casarão, mas sem surpresas: já sabíamos o destino. Ficamos satisfeitos com algumas árvores do caminho, pela sensação de podermos plantar outras parecidas agora. Mas, passamos por todas elas em um carro sem música e sem ar condicionado durante a viagem.  Em resumo, é um filme bom para relembrar que ‘para ter o direito da publicação, é necessário publicar’ (frase tão repetida na trama), em todos os sentidos em que tal setença possa ser cabível. Mas, para chegar até as conclusões, o longa é como um amor sem paixão.Cotação: Regular