Travessias solares entre o mar do Rio e o sertão baião

Por Rogério Menezes

  • D
  • Da Redação

Publicado em 29 de outubro de 2017 às 18:02

- Atualizado há um ano

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Domingou. Amanhece. Preciso ir. Pulo da cama do quarto de A., amado sobrinho-neto carioca, que dormiu sem queixas no quarto dos pais.  Sigo até o quarto de B., amada sobrinha-neta carioca, e a beijo na face. Abro a porta da edícula e libero Filé, o gato vira-lata mais charmoso da zona norte do Rio de Janeiro, e o deixo livre para correr até a varanda e se lagartear ao sol. Escovo dentes feito faxinasse a alma. Visto a ‘farda’: camiseta hering, calça cargo, boné, óculos escuros, botina de sete léguas. Acaricio o velho bichano que ronrona de prazer.  Ouço ‘bom dia, tio’. Falo ‘bom dia, G.’ [Minha sobrinha me dá carona até o Galeão]. A Coluna Vertebral terá todos os domingos uma ilustração de Carybé. Imagem do Instituto Carybé No aeroporto do Galeão, 8 da manhã, moça do checkin me diz para eu seguir rumo ao portão de embarque 7. Bebo café com leite + 1 croissant de queijo + 1 minipão de queijo, e me cobram os olhos da cara. Embarco no horário exato.

No avião, aperto cintos e desato a alma. Nas poltronas laterais sentam-se perua-mãe – octogenária charmosa, elegante, simpática, um amor – e perua-filha – cinquentona antipática, botox até o cóccix, falando aos berros –  e ouço a perua-filha cacarejar:  - Imagina, mamãe, o avião em que amiga minha voava anteontem desceu dois mil metros em menos de um segundo e ela mijou nas calças!!!

[Aeroporto de Salvador]. Meio-dia. Devoro beirute de peru com chá mate limão + limão + gelo e pago de novo os olhos da cara – acabaria cego se continuasse a lanchar em aeroportos. No táxi para a rodoviária, motorista monologa sobre política, e eu me calo.

[Rodoviária de Salvador, 13h30]. Na intenção de subir escadas que levam aos guichês de passagens carregando mala de vinte quilos, anjo da guarda ou similar me aborda: - Senhor, há elevador à direita. Leva-me até lá e lhe agradeço. [Coisas da Bahia:  a geringonça, de manutenção ordinária, fica bem escondida, por trás de porra nenhuma].

Ao subir no ônibus, pergunto ao motorista o provável horário de chegada em Jequié-Bahia. Eduardo – está escrito no crachá – filosofa: - A previsão é 7h40. Mas pode não chegar.  A gente nunca sabe o que pode ocorrer, nunhé? [Chegamos às 7h45].

Pego outro táxi, da rodoviária de Jequié-Bahia à casa de meu irmão. Não é longe. Mas tem a Ladeira do 27 com inclinação de quase 90 graus pelo caminho e carrego bagagem pesada]. Nenhum papo com o motorista sorumbático. Sinto-me um bagaço. A alegria me arrebata quando sou recebido, com abraço apertado de quase dois minutos, por D. – 20 anos, um dos meus três queridos sobrinhos-netos baianos e um dos rapagões mais guapos do sertão baião. [Ainda tenho tempo de beber birinaites e comer quindins que sobraram da festa de dia dos pais].

Meu irmão e minha cunhada, sempre generosos, me acolhem mais uma vez como se mais uma vez recebessem o irmão e o cunhado pródigo que de pródigo não tem mais nada. [Dez da noite, deito-me na cama do quarto de hóspedes, sempre ‘meu’ naqueles tempos de ires e vires, e me deixo devorar outravezão pelo sertão]. [Era agosto de 2015, mas foi assim também em junho de 2013, maio de 2016 e em outros momentos que precisei de abrigo].