Tudo em casa: conheça histórias de empresas familiares que dão certo

Algumas chegam a ter faturamento anual de R$ 100 milhões

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  • Thais Borges

Publicado em 30 de outubro de 2017 às 05:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Almiro Lopes/CORREIO

Família que trabalha unida… permanece unida? Talvez não seja a regra sempre, mas é bem possível que famílias não apenas permaneçam, como também enriqueçam juntas. E se muitas compartilham receitas entre si, há aquelas que partilham o caminho para o sucesso nos negócios familiares. 

É difícil estimar quantas empresas desse tipo existem hoje no estado. Nem a Junta Comercial da Bahia (Juceb), nem o IBGE têm dados quanto ao número de empresas geridas por sócios com parentesco no estado. Mas, por outro lado, é bem provável que todo mundo conheça a história de alguém que montou um negócio com a mãe, com o marido, o pai, os filhos e até com os cunhados - e deu certo. Por isso, o CORREIO decidiu contar alguns desses casos, incluindo desde empresas antigas até aquelas que estão dando os primeiros passos. 

“A vantagem de trabalhar com a família é que você já conhece as pessoas, você já tem um bom nível de relacionamento. São pessoas que você já confia”, diz o especialista em empreendedorismo e mercados José Nilo Meira. E é justamente por conhecer o perfil dos parentes que é possível desenvolver um projeto baseado nessas características, de acordo com o orientador de negócios Fabrício Barreto, do Sebrae-Bahia. “Você pode analisar os riscos do desenvolvimento profissional com base na pessoa, porque conhece as forças e a oportunidade de melhoria dessa parceria”. 

No entanto, ainda que sem estatísticas oficiais, nos últimos anos, os negócios familiares até diminuíram, segundo Barreto. “Antigamente, as pessoas se envolviam muito. Hoje, cada um tem sua atribuição e é até uma necessidade de muitos pais não ter essa sucessão, porque os filhos querem fazer outra coisa”, analisa. 

Mesmo assim, para prosperar, essas empresas precisam definir bem o que cada parente vai fazer, dentro da estrutura da instituição. “Quando você faz o planejamento, entende e aproveita a expertise de cada um, você só tem a ganhar”, afirma. Mas seja qual for a estrutura, a figura do líder deve existir. “E o líder tem que ter visão de liderança mesmo. Tem que saber dar espaço, administrar as influências que podem acontecer em função do grau de parentesco”, conclui Barreto. 

Até porque, como explica o especialista em empreendedorismo e mercados José Nilo Meira, o principal desafio costuma ser evitar a mistura de relações familiares com relações comerciais.“O grande problema da empresa familiar é que, às vezes, eles confundem, levam problemas da família para a empresa e vice-versa. Tem que blindar isso”, diz ele, sugerindo a criação de um acordo de sócios firmado com auxílio de consultoria jurídica. ***

Morais de Castro: Do escritório de 38 m² para o terreno de 13.000 m²  Quando tinha 16 anos, em 1960, Eduardo Morais de Castro viu seu pai, Álvaro, montar uma pequena empresa de importação de produtos químicos. A ideia do chefe da família era oferecer algo que ainda não existia em Salvador, bem como produtos que não eram produzidos em terras brasileiras.

Com uma equipe formada apenas pela esposa e pelos cinco filhos, a empresa começou as atividades em um escritório de 38 m² - a sala 505 do Edifício Larbras -, na Avenida Estados Unidos, no Comércio. O nome não podia ser mais familiar: ali, era fundada a Morais de Castro. 

Desde 1960, a razão social se manteve a mesma. A diferença é que, hoje, a Morais de Castro ocupa um terreno de 13 mil m² (sendo 4,4 mil m² de área construída), em Porto Seco Pirajá, e tem 75 funcionários. O faturamento chegou a R$ 91 milhões no ano passado e a expectativa é que ultrapasse os R$ 100 milhões este ano.  André, Maria, Eduardo e Valter Morais de Castro: família construiu império com faturamento anual de quase R$ 100 milhões (Foto: Almiro Lopes) O jovem Eduardo, que começou trabalhando como office boy, hoje é empresário e um dos oito membros do Conselho Administrativo da empresa, ao lado de uma de suas irmãs - os pais e os outros irmãos faleceram. Hoje, além dos dois, um de seus filhos e um cunhado continuam trabalhando no negócio. 

“A Morais de Castro ainda é uma empresa familiar, mas com administração profissional. Nos últimos quatro anos, tivemos a colaboração da Fundação Dom Cabral e creditamos parte de nosso crescimento a essas ferramentas”, comemora Eduardo, reforçando que a empresa é a 74ª que mais cresce no Brasil e a 5ª na Bahia, de acordo com a revista Exame. 

O perfil mudou um pouco: antes, a importação ia desde a soda cáustica para revender a indústrias de sabão até incensos da Etiópia e goma-laca da Índia. “No decorrer da evolução da sociedade, passamos a produtos mais sofisticados. Esses antigos foram praticamente descartados, com exceção da soda cáustica”. Hoje, os produtos incluem acetona, carbonato de sódio e peróxido de nitrogênio. A lista de clientes inclui desde gigantes como a Braskem e a Dow até pequenas indústrias do interior do estado. 

Em alguns momentos de sua história, a Morais de Castro chegou a ser uma empresa bilionária. No entanto, o empresário credita os números às moedas brasileiras anteriores ao real, que eram muito desvalorizadas.

Qual é o segredo do sucesso? Além de reinvestir o que lucram, preservar a ordem familiar de uma forma que não contamine o ambiente da empresa. “A nossa grande sabedoria, que vem de meu pai e depois veio comigo, é que não permitimos que a empresa fosse contaminada com a família. Não se tinha um cabide de empregos ali dentro. Quem estava ali foi por competência, não por ser família”, comenta. 

Mesmo como empresa familiar, ele garante que a Morais de Castro tem uma governança muito rígida. E, diante de uma história tão exitosa, o filho de Eduardo, André Morais de Castro, hoje um dos executivos da empresa, diz que a maior vantagem é a experiência dos parentes. 

“Você vê que as pessoas que administraram a empresa nesse tempo todo dão uma referência. As crises que a gente passa hoje guardam alguma similaridade com alguma do passado, então, você tem alguns ‘anticorpos’ para saber como lidar”. E, só para completar: mesmo depois de tantos anos, por questões afetivas, o primeiro escritório da Morais de Castro, lá na Avenida Estados Unidos, ainda pertence à empresa. 

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4 Pets 4 You: Mais de 300 animais atendidos por mês A química Rosely Lira, 50 anos, e o biólogo Miguel Tolentino Júnior, 47, se conheceram quando trabalhavam em uma instituição de ensino superior. Os dois eram gestores de laboratório quando se apaixonaram, há 16 anos. Cada um seguia sua carreira, em separado, até que, em 2015, decidiram mudar. Quiseram montar uma empresa própria. 

“A gente tinha uma maneira de trabalhar muito próximo um do outro e tínhamos vontade de implementar coisas nas empresas por onde passamos, mas não conseguíamos”, conta Rosely, referindo-se a aspectos de gestão, organização e planejamento. Há dois anos, depois de perceber que tinham umas economias disponíveis, começaram a estudar que tipos de empresas poderiam se adequar às expectativas. 

Foi assim que, em dezembro daquele ano, inauguraram o 4 Pets 4 You, um pet shop com serviço de consultório na Pituba. Este ano, já começaram a experimentar o serviço de hospedagem de animais. Para 2018, esperam consolidar a hospedagem de pets e transformar o consultório veterinário em clínica.  Rosely e Miguel fundaram o 4 Pets 4 You em dezembro de 2015 (Foto: Marina Silva/CORREIO) “A principal dificuldade que temos é de estabelecer o limite do que é profissional e o que é pessoal. Temos que resolver a parte profissional dentro da empresa para não levar problemas e discussões para a parte familiar, mas a gente é muito tranquilo. Quando a gente está em casa, a gente não fala de trabalhos, a menos que seja algum insight”, conta. 

A vantagem de estar junto com o marido, para ela, é conhecer o perfil do companheiro e ter metas de crescimento em comum. “A gente quer que o negócio dê certo”. Além dos dois, o 4 Pets 4 You conta com três funcionários, incluindo um veterinário. 

Mesmo com menos de dois anos de existência, eles já atendem entre 300 e 350 cães e gatos por mês. A previsão é que o faturamento deste ano deve ficar entre R$ 180 mil e R$ 200 mil.  

Para conseguir lidar com esse novo universo, buscaram treinamentos no Sebrae. "Participamos de palestras, fizemos treinamentos presenciais e EAD (Educação à Distância) e acessamos sempre a página, vendo dicas, as planilhas", conclui ela. 

Mercato Del Mare: A nova carreira A advogada Virna Bentes, 40 anos, andava insatisfeita com a área de Direito. Sócia do marido, André Sturaro, 49, em uma firma de advocacia, ela andava em busca de uma nova empreitada. Por isso, pareceu que era o destino quando um de seus clientes decidiu vender a loja Mercato Del Mare, em Jaguaribe, em 2015.

“A loja é de 2013, mas tinha dois proprietários. Um deles resolveu ir embora com a família para os Estados Unidos e o outro não quis ficar sozinho com o negócio. Nós éramos frequentadores e, num ato de maluquice, a gente resolveu ficar com a loja”, lembra Virna.  O casal de advogados Virna e André transformou o Mercato Del Mare (Foto: Alex Romano/Divulgação) Para ela, aquela região era carente de produtos como bons queijos e vinhos. Foi assim que, aos poucos, a loja foi mudando o perfil - passou a ser um empório com características de bistrô. Desde julho, há um cardápio com 20 opções de ‘comidinhas’ que podem ser degustadas acompanhadas de um vinho. 

O quadro inicial de quatro funcionários fixos passou a incluir um chef de cozinha e outros dois funcionários ‘folguistas’, além do casal. Hoje, Virna se dedica 100% ao Mercato, enquanto André ainda divide os dias da semana entre o empório e a firma de advocacia. Foi natural que o negócio começasse a crescer, aos poucos. A expectativa é de fechar o ano de 2017 com um faturamento de R$ 600 mil. 

“O desafio da empresa familiar é, primeiro, ter um limite de onde acaba a empresa e onde começa a família. Ocorrem as desavenças, as opiniões podem ser diferentes diante de cada decisão e, às vezes, é difícil até pela relação de marido e mulher. É um desafio separar o colega de trabalho da família”, admite ela. 

Mesmo assim, há muitas vantagens. “A gente se diverte muito. A gente tem uma parceria que funciona muito e um termina completando o outro porque somos diferentes”. 

Até as filhas - uma adolescente de 16 anos, do primeiro casamento de André, e duas menores de 9 e 5 anos - já fazem parte do dia a dia do empório. “Elas já são mini chefs gourmet. Estão aqui e a caçula aprova os pratos que vêm da cozinha”, brinca Virna. 

Home Premium: Da casa deles para a sua “Tem que ter muita paciência. Precisa ter muito bem definido o organograma da empresa, quem faz o quê, ou todo mundo vai querer botar o dedo em tudo. O principal para uma empresa familiar é realmente torná-la profissional”. À primeira vista, pode parecer que esse conselho é de um executivo com décadas de carreira, refletindo sobre a própria experiência. 

Mas, na verdade, a dica é do empresário Rafael Tapioca, que, aos 22 anos, já tem mais vivência do que muitos já calejados. Há dois anos, ele se tornou diretor-executivo da empresa da família, a Home Premium - que inclui três lojas Axé Madeireira e a novíssima Home Premium, inaugurada na Estrada do Coco há pouco mais de um mês. Rafael assumiu a direção da empresa da família há dois anos (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) O negócio foi criado pelo pai, há 15 anos. “Ele vinha da área de material de construção, fazia móveis para alguns arquitetos e criou a Axé. A gente foi vendo as lojas e eu tenho muito interesse por esse lado empreendedor, de gostar do negócio. Há uns oito anos, comecei a trabalhar lá”, lembra Rafael, que é formado em Administração. 

Foi quase natural quando, há dois anos, Rafael se tornou o diretor-executivo. Os pais continuam como sócios e o irmão também trabalha lá. Ao todo, a equipe que começou com três pessoas chega a 60 funcionários. “Somos uma empresa de médio porte e a gente quer ampliar ainda mais, mas não adianta crescer sem ter solidez. Como sou uma pessoa muito jovem, eu tenho que ter mais cuidado”, avalia ele. 

Enquanto a Axé passou de somente madeireira para materiais de construção há três anos, a Home Premium é uma loja boutique que oferece revestimentos, louças e metais de alto padrão. “Somos uma empresa familiar que tenta ser o máximo possível profissional, saber as obrigações de cada um. A vantagem é a confiabilidade, o fato de estarmos buscando o mesmo objetivo. É uma sociedade que, no meu ponto de vista, não existe separação”, conclui.