Turmas do Senhor: conheça grupos que se reúnem na Ufba para louvar

Entre as aulas, católicos e evangélicos se juntam para compartilhar experiências, ler a Bíblia e evangelizar

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  • Thais Borges

Publicado em 22 de outubro de 2017 às 07:09

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Bastou passar no vestibular que os alertas começaram. Eram os ‘perigos’ do campus e vida universitária que deviam ser evitados pelo então calouro do curso de Economia na Universidade Federal da Bahia (Ufba) Rafael Reis, em 2008. Mas, mesmo aos 17 anos, ele não estava preocupado com o que pudesse encontrar de diferente do que acreditava, enquanto adepto da religião evangélica. Tinha certeza de do que queria ali na Ufba. 

Sem se sentir atraído pelas liberdades da vida no campus - como festas e bebidas - seria de imaginar que Rafael se tornaria uma ilha em meio ao universo acadêmico. Mas não foi bem assim: logo na matrícula, soube do movimento de alunos evangélicos na Ufba, quando avistou dois estudantes da Cru (Campus Crusade for Christ na sigla, em inglês) cantando uma música. Hoje, quase dez anos depois e já na segunda graduação, de Administração, ele é um dos líderes do grupo em Salvador. 

Só na Ufba, a Cru tem pelo menos 50 membros, mas esse é só um desdobramento de uma estrutura que inclui, ainda, outras 11 universidades, como Uneb, Ifba, Unifacs, Ucsal, Ruy Barbosa e Bahiana, com mais de 300 participantes. E eles não são os únicos: entre os evangélicos, há pelo menos outros três grupos (Discípulos no Campus, Alicerçados na Rocha e Aliança Bíblica Universitária), além dos católicos da Pastoral Universitária, que já passam de 100 integrantes só na Ufba. Entre as aulas, todos se reúnem para compartilhar experiências, ler a Bíblia, orar e evangelizar.  Só na Ufba, a Cru Campus Salvador tem cerca de 50 membros, incluindo Rafael (de boina) e Larissa (blusa cinza) (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Eu sofria com colegas que diziam que cristão era burro, que eu logo ia perder minha fé, mas comecei a ver pessoas com a mesma fé (na universidade). Vi, então, que a inteligência da pessoa não tinha nada a ver com a fé. O que me fez ficar foi ver como eles eram receptivos, a cara do baiano mesmo, porque Jesus era receptivo”, lembra Rafael. 

O depoimento dele é bem parecido com o de outros estudantes que fazem parte dos grupos nas universidades. Alguns se sentem deslocados, outros começam a achar que não deveriam expressar sua fé ali, mesmo com o desejo de fazer isso. Em comum, todos dizem que as coisas mudam quando encontram colegas que compartilham das mesmas crenças e opiniões. 

De natureza tímida, a estudante do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades Larissa Cardoso diz que costumava ficar introspectiva na universidade. Quando entrou para a Cru, no segundo semestre de 2016, parecia que até a personalidade tinha se transformado. “As pessoas que me aproximei lidavam muito bem com as diferenças na universidade. Me tornei menos tímida e, hoje, faço amigos que nem são da Cru”, diz a jovem, que hoje é a ‘Estudante Chave’ do campus do Canela. 

Hierarquia Essa expressão é porque, na Cru, existe uma hierarquia. Tem o missionário, que é alguém dedicado ao movimento em tempo integral (ficam em São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza), seguido pelos líderes - que, aqui, são Rafael e outra colega. A dupla é orientada por missionários à distância - que são chamados de ‘coaches’ (treinadores, em tradução livre), além de ser responsável pela orientação dos ‘Estudantes Servos’. 

Juntos, servos e líderes compõem a liderança do movimento. Em Salvador, são 12 pessoas, mas Rafael garante que não é uma regra. “Os servos pensam no movimento para Salvador, enquanto a gente (os líderes) pensa em toda a programação. Somos 12, que é um número icônico para a Bíblia, mas não escolhemos. Aconteceu”, revela.

Os dez estudantes servos têm funções específicas - há, por exemplo, uma aluna que é responsável pelo grupo de oração -, mas todos acompanham os Estudantes Chave, que são os líderes em cada campus e que organizam as atividades. Atualmente, são 30 Chaves espalhados pelas 12 instituições. Eles explicam que a ideia dos cargos é dividir as funções para não sobrecarregar os integrantes. Os líderes são trocados a cada ano. 

“Não é a ideia que a gente precisa ser imperialista na universidade, só a ideia que a gente precisa participar da universidade com os preceitos do cristianismo. As pessoas sempre acham que o evangelismo é manipulador, por causa da História do mundo, principalmente com católicos no início, e depois com evangélicos querendo impor sua fé. A gente não entende dessa forma, mas entende que o evangelismo é compartilhar o Evangelho quando tem pessoas disposta a ouvir”.  A Cru promove intervenções na universidade, como os corações com mensagens deixados na grama dos campi, para receber os alunos na volta às aulas (Foto: Marina Silva/CORREIO) No início deste semestre letivo na Ufba, a Cru fez uma recepção para os estudantes. Dezenas de mensagens em cartões em formato de coração foram deixados pela grama da instituição. 

Católicos Embora a Pastoral Universitária (PU), ligada à Arquidiocese de Salvador, tenha sido instituída ainda na década de 1970, a Ufba foi a última instituição a implementar as atividades da  na cidade. Foi só no ano passado que isso aconteceu, de acordo com a estudante coordenadora da PU na Ufba, Emanuele Alves. 

Mas não foi por pouco interesse: só na Ufba, cerca de 100 estudantes fazem parte da PU. Inclusive, muitos desses alunos já participavam de um grupo do Whatsapp - eram os Católicos da Ufba. Para Emanuelle, a dificuldade para reunir os estudantes era justamente devido à extensão da Ufba.  A Pastoral Universitária tem atividades semanais. Na Ufba, mais de 100 estudantes participam (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Já existia esse grupo, que tem até um professor de Geologia que participa. Eu, ele e outros colegas também estávamos no grupo da PU no Whatsapp e decidimos implentar”. Vieram, então, rotinas como a meditação do terço, a missa mensal e os encontros de intervalo, que ocorrem duas vezes por semana. 

No início, eles tinham até receio de divulgar as atividades. Tudo era no boca a boca. Foi só nos últimos meses que começaram a colar cartazes pelas faculdades e institutos. “Muitos estudantes acham que não deve haver manifestações religiosas na universidade, tanto porque a maioria é formada por ateus, quanto porque acham que o cristianismo é opressor”.  Depois de cada encontro. os estudantes da Pastoral Universitária costumam tirar uma 'selfie' (Foto: Marina Silva/CORREIO) Hoje, de acordo com uma das coordenadoras da PU, a advogada Taciane Barros, a entidade está presente também na Uneb, na Ucsal, na Fsba e no Ifba. “A missão da pastoral é ser a presença de Cristo na universidade. A gente entende que todo lugar onde o homem está presente, é missão de Deus estar aqui. A gente deve viver a nossa fé em qualquer lugar”, pontua. 

A ideia é que os encontros sejam para refletir, compartilhar experiências e discutir temas da atualidade relacionados à fé - que vão desde mídias sociais até o cenário político.

É essa aproximação com a fé que, segundo Emanuelle, da Ufba, faz com que muitos estudantes não se interessem por festas, por exemplo. “Tiro por colegas que eram de um jeito e acabaram se influenciando pelo ambiente da Ufba. Não é que a religião seja contra festas, mas a gente sabe que, nas festas, existem coisas que somos contra, como drogas. Mas estamos vendo muitas pessoas que são católicas e se sentiam sozinhas”.  Muitos estudantes que participam dos grupos contam que se sentiam deslocados na universidade (Foto: Marina Silva/CORREIO) Era o caso da estudante do BI de Saúde Mari Santos, 26. Natural de Ibirataia, no Sul do estado, ela não se identificava com a universidade. Católica desde criança, era muito ativa na paróquia que frequentava em sua cidade. Tinha sido líder de movimentos e integrante de grupos de jovens. Em Salvador, sentiu o choque. 

“A universidade é um universo de desejos, tem diversas opiniões. Mas você precisa fazer suas escolhas. Tudo depende de você falar: ‘esse não é meu mundo, vou fazer as minhas escolhas’. Você precisa ter uma opinião firmada, acreditar nisso e não se desviar”, defende. 

Ufba laica Mesmo com ambientes capazes de agregar estudantes de diferentes religiões, a Ufba é uma instituição laica, de acordo com sua assessoria. Ou seja: a Ufba, em si, não pertence a nenhuma ordem religiosa. 

No regimento da universidade, inclusive, é dito que um dos seus objetivos é “promover a equidade na sociedade, combatendo todas as formas de intolerância e discriminação decorrentes de diferenças sociais, raciais, étnicas, religiosas, de gênero e de orientação sexual”.

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Estudantes de outras religiões não costumam se reunir nos campi Enquanto estudantes evangélicos e católicos se reúnem em espaços universitários para compartilhar sua fé, de outras religiões ainda não têm o mesmo costume. A diretora social do Centro Islâmico da Bahia, Karimah Mendonça, diz que até não veria problema se jovens muçulmanos se reunissem para comunhão religiosa em universidades, mas, por enquanto, isso ainda não é possível. 

“Achamos nossa comunidade grande, somos poucos muçulmanos, em relação a outras religiões. Muitos moram distante, em cidades como Camaçari, Feira de Santana e na Ilha (de Itaparica), então, temos dificuldades para nos encontrar. Para fazer esse trabalho, precisaria de mais pessoas com disponibilidade”. Hoje, cerca de 80 pessoas frequentam o centro. 

O presidente da Sociedade Israelita da Bahia, Miguel Kertzman, também diz que não tem conhecimento judeus de grupos em universi dades. “Hoje, somos uma comunidade pequena. Temos sido procurado por grupos para trabalhos escolares e existem palestras na comunidade como um todo, mas não temos (nada) de iniciativa de jovens em universidades”. 

Na Ufba e em outras instituições, também há grupos de pesquisa sobre religiões de matriz africana, mas nada que envolva rotinas religiosas. “Na nossa como visão religiosa, é até difícil fazer esse tipo de encontro como católicos e evangélicos fazem, porque tudo nosso é ritualístico, exige lugares específicos”, diz a advogada Gabriela Ramos, mestranda em Direito e Relação Raciais na Ufba e vice-presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia. 

“O exercício da fé tem uma relação muito íntima com nosso bem-estar. A universidade é um ambiente complexo, que a gente lida com hostilidades e pressões e cada um busca conforto emocional de uma forma”, completa.

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Onde e quando acontecem as reuniões?Cru Salvador - Na Ufba, acontecem em quatro campi: Ondina, Canela, Politécnica e São Lázaro. Em Ondina, é toda segunda-feira, às 12h, e toda sexta às 17h, no pátio da Biblioteca Central. No Canela, há reuniões às terças (17h) e às quartas (12h), na Escola de Administração. Para conhecer outros locais e horários, visite o site da Cru. 

Pastoral Universitária - Os Encontros de Intervalo (reuniões rápidas) acontecem às terças-feiras e quintas-feiras, às 12h30. A Oração do Terço é às sextas-feiras, às 12h30. Há um grupo no Facebook para maiores informações.