Uma carona no tiroteio

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  • Malu Fontes

Publicado em 19 de fevereiro de 2018 às 07:13

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arquivo CORREIO

A decisão do presidente Michel Temer de intervir com as Forças Armadas na segurança pública do Rio levantou discussões no Brasil inteiro. Se, estatisticamente, o Rio não é a cidade brasileira com maior índice de mortes violentas por 1.000 habitantes, por que intervir no Rio e não em outras cidades ou no país inteiro? Intervenção militar, seja lá onde for, não é um precedente perigosíssimo para um país que, em termos de cronologia histórica, viveu uma ditadura militar há tão pouco tempo? Com que fórmula milagrosa as Forças Armadas vão exterminar os altos níveis de corrupção da polícia carioca quanto ao tráfico e às milícias? Como vão lidar com os traficantes nos morros, habitados por milhares famílias que nada têm a ver com os criminosos? Afinal de contas, quanto a esse último aspecto, as Forças Armadas atuam com armas, e não com mandatos de prisão ou algemas.

Brucutus Não é à toa que é a população do asfalto (para quem não sabe, no Rio costuma-se caracterizar os moradores como os do morro e os do asfalto, cuja tradução simplificada equivale mesmo é a pobres e ricos) que tem parado diante dos homens do Exército para comemorar agradecer a presença. No entanto, ver um morador fazendo esse mesmo gesto, se não é coisa impossível, é algo raro.

O morador dos morros cariocas sabe que, no confronto dos brucutus com os traficantes tocaiados com seus fuzis na casa de quem eles bem quiserem, quem primeiro se aproxima do inferno é o cidadão inocente. Acuada em meio ao fogo cruzado, a população civil corre todos os riscos de não sair viva, mesmo sem sair de casa. Quando o confronto se inicia, ninguém volta para casa e ninguém consegue sair do morro. Vivos ou mortos, os moradores dessas áreas têm suas vidas paralisadas pela violência.

Poucos acreditam que o Exército possa alterar o quadro de penúria e crise da polícia civil ou militar do Rio ou que vá resolver a insegurança pública na cidade. A presença das Forças Armadas nas ruas talvez dê a sensação de segurança no asfalto, mas aposta-se muito mais na fuga dos líderes do tráfico para outros estados do que em sua prisão e na interrupção de suas atividades criminosas. Não à toa os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo estão pedindo socorro ao Governo Federal para impedir que traficante fujam para seus estados.  

Toalha Por que a intervenção na Segurança Pública foi no Rio e não em outra cidade? Primeiro porque não há literalmente Forças Armadas para todo mundo. Depois porque o Rio é a cidade-imagem do Brasil no exterior e tudo na capital carioca saiu do controle, com ampla repercussão no exterior. E, entre trocentos outros motivos, porque em nenhum outro lugar se viu, numa mesma semana de carnaval, bandidos fecharem as três principais vias de acesso à cidade, promoverem arrastões em série, agredindo fisicamente as vítimas, de todas as idades, e grupos saqueando supermercados nas zonas mais centrais sem que a polícia movesse um dedo para atender os chamados para essas ocorrências. A violência não se mensura somente pelo número per capto de cadáveres. A cidade tem tido uma média de 20 tiroteios por dia e o governador Pezão jogou a toalha.

Diante desse cenário, com a popularidade no subsolo e vendo sua reforma da Previdência sem votos para ser aprovada no Congresso, o que Temer? Pegou uma carona nos tiroteios e a intervenção caiu como uma luva para ofuscar o fracasso da reforma. Não se pode votar nenhuma alteração da Constituição enquanto estiver em vigor o decreto de intervenção no Rio. Em tempo: goste-se ou odeie-se a intervenção, não vamos chamar a coisa pelo nome errado. Trata-se de uma intervenção federal na área de Segurança Pública do Rio de Janeiro e não de uma intervenção militar no estado do Rio. Podem parecer-se, mas são coisas diferentes.