Vi policial passar por fumaça de maconha, sem esboçar repressão

Flávia é produtora e mãe de Leo

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 14 de fevereiro de 2018 às 14:12

- Atualizado há um ano

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Ainda na madrugada do Dois de Fevereiro, em frente ao Lalá, no Rio Vermelho, um coro puxado por artistas que cantavam naquela noite, exigia da polícia:"libera o rasta! Libera o rasta!". Eu, que não sabia se o "rasta" detido era culpado ou inocente, fiquei calada. Ficaria se fosse "a loura", "o ruivo", "a careca", "o gordo", "o magrelo", quem fosse. Eu não estava na situação. Eu não vi e não podia opinar. E achei meio ridículo que várias pessoas, tão ignorantes dos fatos quanto eu, gritassem pela liberdade do tal "rasta".

É moderno não curtir polícia. É moderno achar que tudo que polícia faz é merda. O que se espera de pessoas "bacanas" é que elas odeiem a polícia, principalmente durante o Carnaval de Salvador. Esse também é um comportamento de manada, sinto informar. Se você não pensa caso a caso está apenas repetindo. E isso não é nem um pouco inteligente.

Ninguém precisa me explicar a bandidagem que há, também, dentro da polícia. Tô careca de saber. Da mesma maneira que há nas igrejas, na imprensa, na medicina e em todos os lugares em que há humanos a atuar. Não somos todos legais. Redes criminosas são criadas dentro das instituições, mas veja: não é todo mundo farinha do mesmo saco. No caso da polícia, há uma violência normatizada. Isso é verdade também. Mas há uma visível mudança de postura NO CARNAVAL DE SALVADOR que eu me sinto obrigada a observar.

Cem por cento dos meus encontros com policiais foram tranquilos, durante este Carnaval. Não vi violência. Presenciei um grupo abrindo caminho para uma garota aparentemente bêbada (negra e  periférica) passar nos braços de um cara. Vi policial se livrando pacientemente de uma mulher (chata pacaraio) que insistia em pedir "seu zap". Vi policial passar por nuvem de fumaça de maconha, sem esboçar repressão. Sim, eu prestei atenção.

Não estou dizendo que não houve truculência, mas se houve eu não vi. E estive exatamente nos mesmos lugares onde, anos atrás, vi o "pau comer". Neste ano, não fui mal tratada em qualquer situação. Ok, sou uma mulher relativamente "bem vestida" e de pele relativamente "clara". Isso me imuniza? Ah, babies, nem tanto.

Já fui empurrada e caí na avenida, já cheguei em casa com as costas vermelhas pelo "pedido de licença" deles, dentro da multidão. Já fui detida na Praça Castro Alves, há muito carnavais. Foi um dedo na cara que botei num PM que queria que eu abrisse caminho pra ele passar. Tava errado ele? Não. Eu que, bêbada como uma caipora, passei dos limites. Eu, "moderna e revolucionária" abria caminho pro homem do gelo, pro vendedor de chiclete, para a moça da cerveja, mas pros PM não! Porque são repressores e caretas. Não tive corinho pedindo pra me liberar e meus amigos tiveram que dar um jeito na situação. 

Bruno Gagliasso filma violência de policiais no Carnaval de Salvador: 'Vergonha'

Os caras (eles e elas) estão trabalhando. Em absurda inferioridade numérica, alvo fácil para todos os "desafetos" que colecionam durante o ano inteiro. Ficam tensos e têm medo sim. Na multidão tem assassino, assaltante, traficante. Tem um monte de merda além de você, eu e nossos amigos que são pessoas legais. Não, não pode se encostar no policial. Não, não pode obstruir a passagem. E não, não pode ficar de cima do trio estimulando que as pessoas que estão no chão provoquem as guarnições. Agindo assim, tem muito mais chances de funcionar. A questão é complexa, sim. Mas, como em todas, há pelo menos dois lados a observar. 

(Artistas e policia devem se reunir antes do Carnaval)

(Há um diálogo possível)

(Há humanos dos dois lados

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