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Audiência de Avenida Brasil confirma sucesso de reprises


 

Globo tem três novelas reexibidas à noite; Fina Estampa tem mais ibope que Amor de Mãe

  • Roberto Midlej

Publicado em 01/05/2020 às 05:30:00
Atualizado em 21/04/2023 às 03:47:06
. Crédito: fotos divulgação

Se um espectador desavisado ligar a televisão por estes dias, vai tomar um susto e imaginar que fez uma viagem no tempo. Se sintonizasse a Globo no último domingo, por exemplo, ia pensar que voltou a 1994, quando Brasil e Itália disputaram a final da Copa do Mundo daquele ano. Ou se assistir ao mesmo canal às 21h, vai se deparar com o mordomo Crô e terá a sensação de estar em 2011. Não, espectador, você não está perdido no tempo: é a onda de reprises que tomou conta da Globo desde que a quarentena teve início.

Com a pandemia de coronavírus, a emissora suspendeu a produção de novelas e por isso teve que recorrer ao seu baú, de onde tirou produções como Fina Estampa, que está sendo exibida na faixa das nove, no lugar de Amor de Mãe. E a audiência surpreendeu: em seus doze capítulos iniciais, a história criada por Aguinaldo Silva chegou a 34 pontos, contra 30 da trama “titular” do horário, quando se compara o mesmo período.

Outra velha conhecida do público, a sessão Vale a Pena Ver de Novo, também tem motivos de sobra para celebrar: Avenida Brasil, exibida originalmente em 2012, chega nesta sexta-feira (1) ao seu capítulo final, com um recorde para o horário: teve 19 pontos de média, a melhor marca para aquela faixa desde 2010. E a boa audiência não foi só porque as pessoas estão passando mais tempo em casa: mesmo antes da quarentena, a novela atingia índices impressionantes e seu capítulo inicial chegou a 24 pontos, maior índice para a sessão desde 1999, quando O Rei do Gado estava sendo reprisada. Christiane Torloni e Lilia cabral em Fina Estampa (2011) "Na época, foi muito gratificante ver toda aquela repercussão. Agora, me sinto igualmente feliz e realizado de ver que meu desafio de fazer uma novela diferente, em que a mocinha também era vilã, e o esforço, porque foi uma novela muito trabalhosa, novamente agradou e divertiu o público.", diz o autor da novela, João Emanuel Carneiro, criador também de Segundo Sol (2018) e A Favorita (2008).

Para João Emanuel, a trama envelheceu bem:“Apesar do contexto social hoje ser diferente, a novela continua atual porque toca em temas universais e é uma trama homogênea em todos os sentidos. A obra tem vida e força graças ao trabalho integrado e de primeira qualidade do elenco, produção e direção”.Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana pela USP, explica as razões para a boa performance da novela no Ibope: “Avenida Brasil significou uma retomada das grandes premissas da clássica telenovela: personagens caracterizados com fortes tintas, trama convergente e valorização dos ganchos dos capítulos como dinâmica da narrativa da telenovela”.

Para o estudioso, a quarentena não é o único motivo do bom desempenho da trama de João Emanuel Carneiro: “O histórico de produção de novelas da Globo, em particular a partir de 1970, mostra audiências surpreendentes ou arrebatadoras que independem do quadro social e político. Por ser a Globo emissora em permanente diálogo com o público consumidor, sob todas as instâncias, tornou-se ao longo das décadas a produtora de conteúdo catalisadora dos diversos matizes sociais; não raro, transformando sua produção em verdadeiro ‘happening artístico’”.

À noite, as reprises também têm se saído muito bem, com destaque para Fina Estampa, na faixa das nove horas. As outras novelas antigas não estão fazendo feio: às sete, Totalmente Demais tem média de 26 pontos, contra 30 de Salve-se Quem Puder, que estava no ar até o início da quarentena. Às seis, Novo Mundo, fica com 19, contra 23 de Éramos Seis, encerrada em 27 de março. Chocolate com Pimenta estreou no Viva  O canal por assinatura Viva, que pertence à Globo, tem uma programação quase exclusivamente dedicada a reprises, inclusive de programas de auditório e de humor. Entre as novelas, já levou ao ar clássicos como Dancin’ Days (1978), Água Viva (1980) e Roque Santeiro (1985) e hoje tem três horários dedicados aos folhetins: às 14h30, é a vez de Brega & Chique; às 15h30, Chocolate com Pimenta e às 23h, O Clone.

Um dos marcos de audiência do Viva foi a exibição de Vale Tudo (1988), exibida até fevereiro do ano passado. A trama de Gilberto Braga, que parou o país para saber quem matou Odete Roitman, liderava a audiência da TV paga diariamente nos dois horários em que era exibido, às 15h30 e à 0h. Um detalhe chama a atenção: o Viva não exibe novelas entre 18h e 22h. Embora as emissoras não assumam isto, é provável que a medida seja para evitar que o Viva eventualmente roube espectadores da própria Globo.

Para Mauro Alencar, o sentimento nostálgico que essas reprises despertam contribuem para fisgar o espectador, mas essa não é a única razão:“A história social da arte sempre registra o interesse por obras artísticas produzidas em tempos passados. Assim é com a música, os desenhos animados, peças de teatro, literatura e, claro, com as nossas novelas personificadas por atores que acompanhamos tanto na razão quanto no coração. Há a questão nostálgica, certamente; mas, acima de tudo, o interesse pelas boas histórias, bem produzidas e que sempre elucidam questões sociais e psíquicas do nosso comportamento”.Leia entrevista com Mauro Alencar, doutor em teledramtaurgia latino-americana e brasileira

Avenida Brasil está chegando ao fim e registrou índices surpreendentes de audiência (naturalmente elevados também por causa da quarentena). O que explica o sucesso dessa reprise especificamente? Que qualidades você destacaria nessa criação de João Emanuel Carneiro?

Avenida Brasil significou uma retomada das grandes premissas da clássica telenovela: personagens caracterizados com fortes tintas, trama convergente e valorização dos ganchos dos capítulos como dinâmica da narrativa da telenovela. Estes mesmos quesitos (encontrados em abundância em novelas de Janete Clair, Ivani Ribeiro, Geraldo Vietri, Walter Negrão, entre outros) foram resgatados em Avenida Brasil com imediata aprovação popular.Há que se destacar  a ambientação da novela no “Divino” , com personagens construídos como bem observamos nos bairros do outro lado do Túnel Rebouças (a partir da Zona Sul do Rio de Janeiro, claro). Essa concepção positivista dos moradores do subúrbio, não tenho dúvidas, criou o que chamamos de cânone e tornou a novela Avenida Brasil um dos grandes referenciais para a teledramaturgia mundial.Portanto, a questão não foi apenas o focar no subúrbio, mas um novo olhar estético sobre a vida suburbana e sua sonoplastia. 

Por fim, compreendo o que você diz em relação à quarentena, mas o histórico de produção de novelas da Globo, em particular a partir de 1970, mostra audiências surpreendentes ou arrebatadoras que independem do quadro social e político. Muito pelo contrário, por ser a Globo emissora em permanente diálogo com o público consumidor, sob todas as instâncias, tornou-se ao longo das décadas a produtora de conteúdo catalisadora dos diversos matizes sociais; não raro transformando sua produção em verdadeiro “happening artístico”.      

Costuma-se usar o adjetivo “datada” para obras que envelhecem mal. Podemos dizer que Avenida Brasil “envelheceu bem”? Por que? E as outras que estão no ar? Envelheceram “bem”?

Compreendo o que você quer dizer, mas preciso observar que em sentido amplo e dentro da história social da arte, uma obra artística nunca envelhece, pois ela será sempre o retrato da ação humana em determinado tempo e espaço. Basta observarmos a história da literatura, do teatro e até mesmo do cinema. Sempre há um viés que dialoga com o presente. Senhora, de 1875, por exemplo, tem características muito atuais. Daí a perenidade de produções artísticas como O Tempo e O Vento (tanto a obra de Erico Verissimo como a minissérie), a literatura de Jorge Amado, a filmografia de Hitchcock e as incontáveis produções da Globo, por exemplo.  Isso posto e por todos os motivos que citei acima, Avenida Brasil gera até hoje um fervor na indústria cultural e de consumo porque suas personagens tornaram-se mitos urbanos, interiorizados tanto nas emoções sensoriais quanto no racional do coletivo. Um a complementar o outro e daí a “comoção nacional”.Além disso, e do ponto de vista estrutural, Avenida Brasil é um folhetim clássico que flerta com outros gêneros como o seriado e o cinema, de forma que apresenta em cada capítulo um texto rico em nuances e facetas a se explorar. A novela prendeu  a atenção do público por conta de personagens carismáticos como Tufão (Murilo Benício), Nina (Débora Falabella) e Carminha (Adriana Esteves)Sem falar no excelente elenco, na primorosa direção de Ricardo Waddington, Amora Mautner e José Luiz Villamarim e na competente equipe técnica (cenógrafos, câmeras, figurinistas, maquiadores, sonoplastas, etc). Portanto, personagens que ultrapassaram a tela e misturaram-se com o nosso cotidiano: a magia da arte! Do mesmo modo, tenho acompanhado com muito interesse as primorosas edições especiais de Fina Estampa, Totalmente Demais e Novo Mundo. De Fina Estampa, há que se louvar a mensagem positivista de Griselda (Lília Cabral) versus a soberba de sua antagonista, Tereza Cristina (Christiane Torloni) em trama que misturou drama, humor, valor social e crítica feroz do autor à hipocrisia social. O que encobre a “fina estampa” do título? Nada mais atual... Sobre a charmosa Totalmente Demais, um conto de cinderela contemporâneo que está sempre presente em nosso imaginário,  mas com um toque altamente brasileiro e que alcança os povos dos mais longínquos rincões quando a jovem Eliza (Marina Ruy Barbosa) se autodenomina “empresária das ruas”. E Novo Mundo é a excelência no equilíbrio entre ficção e realidade contando a História do Brasil.   

O Canal Viva também reprisa novelas e, graças a isso, é um dos canais de maior audiência da TV por assinatura. Por que esse interesse das pessoas por novelas antigas? É apenas uma relação nostálgica ou essas obras permanecem atuais? Os temas e situações dos roteiros continuam atuais?

A história social da arte sempre registra o interesse por obras artísticas produzidas em tempos passados. Assim é com a música, os desenhos animados, peças de teatro, literatura e, claro, com as nossas novelas personificadas por atores que acompanhamos tanto na razão quanto no coração. Há a questão nostálgica, certamente; mas, acima de tudo, o interesse pelas boas histórias, bem produzidas e que sempre elucidam questões sociais e psíquicas do nosso comportamento.

Amor de Mãe tem uma fórmula que foge um pouco do tradicional, sem o maniqueísmo que marca as novelas e com personagens complexos. No entanto, Fina Estampa, que segue essa fórmula mais tradicional de vilã e mocinha bem definida, tem às vezes superado a audiência da “titular”. Será que o público resiste a uma fórmula mais inovadora, como a proposta por Manuela Dias?

Primeiramente há que se contextualizar a característica fundamental do gênero telenovela, ancorada no folhetim francês, melodrama e assuntos extraídos do jornal diário. Portanto, sem o maniqueísmo citado em sua pergunta. Assim fosse, Walt Disney não teria conquistado o mundo com suas fabulosas histórias nem Sherazade encantado o sultão a ponto de salvar a própria vida. A riqueza do gênero Telenovela, enquanto conteúdo e formato, existe exatamente por suas inúmeras possibilidades narrativas. Lembrando a modernização iniciada pela Globo a partir de 1970 ao incorporar elementos do cotidiano em suas tramas, além de altos investimentos na produção. Ato contínuo, passou a produzir novelas inovadoras desde essa época e ao mesmo tempo preocupando-se em apresentar o melhor das novelas tradicionais. Desse modo, podemos encontrar no cardápio televisivo tanto histórias mais densas, intelectualizadas, com forte crítica social, quanto comédias e farsas ou dramas do cotidiano.  Isso promove uma enriquecedora convivência  com os melhores exemplares de contemporâneos folhetins eletrônicos; e conquistam a audiência tão necessitada de boas histórias para melhor caminhar pela caótica vida diária.   Claudio Cavalcanti, Tarcísio Meira e Cláudio Marzo em Irmãos Coragem Que novela você acha que faria sucesso em uma reprise hoje? Por que?

O cardápio é extremamente rico e variado em estilos, linguagens, propostas estéticas de autores, diretores, atores. Penso em produções ao menos a partir de 1970... tempos de Pigmalião 70, Irmãos Coragem e O Cafona... As de época, como  Senhora, A Moreninha e Escrava Isaura. E, claro, Selva de Pedra (sempre), por seu teor de recomeço e conquista de um novo status social. Certamente,  produções que valeriam uma reprise ou um remake como as incontáveis produções que povoam a nossa indústria do entretenimento. Afinal, as aspirações humanas, independente dos avanços tecnológicos, seguem mais ou menos na mesma toada e por esse motivo a necessidade de tantas velhas novas histórias.