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A remuneração dos profissionais é a pior do país
Da Redação
Publicado em 28 de março de 2023 às 05:30
- Atualizado há um ano
Todas as vezes que Clara Correia, 24, precisava percorrer de ônibus os 220 quilômetros que separam Ibicoara, onde mora, e Vitória da Conquista, local em que recebe atendimento médico, sua condição de saúde piorava. A cidade é a mais próxima em que a jovem consegue atendimento para a epidermólise bolhosa, doença genética rara. A falta de profissionais é responsável pelo êxodo de baianos que viajam em busca de atendimento especializado. Prova disso é que a Bahia possui menos de dois médicos para cada mil habitantes, a 7º pior proporção do país.
Os dados são da pesquisa Demografia Médica no Brasil 2023, realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em parceria com a Associação Médica Brasileira (AMB). As informações do levantamento revelam um cenário já conhecido na Bahia: quem mora no interior e precisa de atendimento que vá além da clínica geral, percorre um longo caminho para conseguir agendar consultas e fazer exames.
Dos 27,3 mil médicos que atuam no estado, 15,3 mil trabalham em Salvador, 821 na Região Metropolitana de Salvador e 11 mil no interior do estado. Apesar de 40% dos profissionais estarem espalhados fora da capital, a maior parte deles são “generalistas”, ou seja, não possuem especialização em nenhuma das 55 áreas reconhecidas pela Comissão Mista de Especialidades (CME).
Se considerarmos a quantidade de especialistas, a proporção cai de 1,83 para 0,96 médico a cada mil habitantes no estado. Entre as especialidades, a Bahia possui 16 cirurgiões para cada 100 mil habitantes e 8,8 anestesiologistas para o mesmo número de pessoas. (Foto: Reprodução) A falta de um profissional de saúde que conhecesse a doença genética que Clara Correia é portadora, provocou uma verdadeira confusão entre os familiares. Logo que nasceu, a menina precisou ficar uma semana internada no hospital e sua doença só foi descoberta por acaso meses depois. “Meu irmão mais velho teve uma reação alérgica e minha mãe levou ele em uma consulta em Vitória da Conquista. Eu acabei indo junto e o médico fez o diagnóstico”, conta a jovem que é formada em Serviço Social.
A epidermólise bolhosa é uma condição que provoca bolhas e lesões na pele. Por isso, quando a família encontrou o médico especialista em Vitória da Conquista, as viagens de ônibus se tornaram um verdadeiro tormento para a jovem. “O ônibus balançava muito e minha pele ficava com mais feridas. Eu chegava muitas vezes com a pele sangrando”, relata. Atualmente, a gestão municipal de Ibicoara disponibiliza um carro da prefeitura para que Clara seja levada ao médico na outra cidade.
A jovem mora em Capão da Volta, zona rural de Ibicoara, e não é a única da família a buscar atendimento médico fora da cidade. “Minha mãe possui nódulos nas mamas e também precisa viajar até Vitória da Conquista para fazer os exames e ter consultas”, conta. Entre as especialidades buscadas pela família no outro município estão mastologista, nutricionista e dermatologista. “Fazemos os acompanhamentos médicos na rede particular porque se for esperar a rede pública, a gente morre antes de fazer os exames”, desabafa.Clara precisa passar pela consulta com seu dermatologista ao menos duas vezes ao ano, mas quando as lesões ficam mais profundas, o período diminui para a cada três meses. Por sorte, a jovem possui familiares que moram em Vitória da Conquista e, quando não faz bate e volta, dorme por lá.
A Bahia no Brasil
No Nordeste, a Bahia só ganha no ranking regional da proporção entre médicos e número de habitantes para o Piauí e Maranhão, ficando abaixo dos demais estados da região. No país, Distrito Federal aparece no topo, com mais de cinco médicos (5,53) para a mesma quantidade de pessoas. Em seguida, estão Rio de Janeiro (3,77) e São Paulo (3,5). O Pará é o último, com proporção de 1,18.
O Ministério da Saúde foi perguntado sobre a quantidade de médicos por habitantes considerada satisfatória pelo Governo Federal, mas não respondeu. Porém, o Pacto Nacional pela Saúde indica que o país utiliza como referência a proporção encontrada no Reino Unido, que é de 2,7 médicos por mil habitantes.
A pesquisa Demografia Médica no Brasil 2023, que analisou o período de junho de 2022, revela que a média nacional era de 2,41 no ano passado. A desigualdade regional também fica evidente no levantamento: enquanto o Norte (1,45) e o Nordeste (1,93), ficam abaixo da média, as outras regiões a superam. O Sudeste, por exemplo, apresenta 3,39 médicos por mil habitantes.
Para Marcos Sampaio, presidente do Conselho Estadual de Saúde da Bahia (CES-BA), os números evidenciam o vazio assistencial enfrentado pela população. “O cenário é um reflexo da política de saúde centralizada. Todos os equipamentos de saúde estão na capital e Salvador concentra os maiores centros de referência. As maiores cidades também oferecem os maiores salários aos profissionais”, analisa.
Para que a situação seja contornada, não basta apenas colocar médicos para atenderem em cidades do interior do estado, é preciso que uma série de investimentos seja aplicada.“É preciso ter equipamentos mais robustos nas regiões, não adianta colocar os médicos se eles não tiverem rede de apoio para desenvolverem suas áreas”, defende o presidente do Conselho. O número total de médicos atuantes na Bahia seria o suficiente para atender as necessidades do estado, de acordo com Otávio Marambaia, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb). O problema é justamente a concentração de profissionais em poucas regiões. “É um número que atenderia as necessidades da Bahia se houvesse uma melhor distribuição e políticas de assentamento dos médicos em locais mais distantes”, pontua. Otávio Marambaia acredita que o aumento no número de cursos de medicina espalhados pelo estado deve favorecer a dispersão dos profissionais. Nos últimos 13 anos, 251.362 novos médicos passaram a atuar no Brasil, reflexo direto da abertura de cursos e de vagas de graduação em medicina, de acordo com a pesquisa.
A caminho da capital
A rotina de Sabrina Sena Costa, de 37 anos, mudou radicalmente quando descobriu um câncer de tireóide, em junho do ano passado. A moradora de Mairi, no centro-norte baiano, deu início às viagens para Salvador, que ocorrem ao menos uma vez por mês desde então. Enquanto conversava com a reportagem na noite de segunda-feira (27), arrumava sua mala para fazer percorrer os quase 300 quilômetros que separam sua cidade de origem e a capital baiana. A mãe de Sabrina Costa costuma ser sua acompanhante durante as viagens para Salvador (Foto: Acervo Pessoal) “Aqui na minha cidade e na maior parte do interior, não há recursos para tal procedimento e precisamos viajar”, conta Sabrina, que vem a Salvador para sessões de iodoterapia no hospital Aristides Maltez. Ela recebe ajuda de custo para alimentação a cada viagem e faz o trajeto em um ônibus da prefeitura, ambos são essenciais para que Sabrina dê continuidade ao tratamento, que continua após a cirurgia realizada em novembro.
“É tudo muito cansativo porque eu não consigo dormir na estrada. Mas sou muito grata ao Sistema Único de Saúde (SUS), sem ele, não sei como conseguiria o tratamento”, afirma. Quando não volta para Mairi no mesmo dia da consulta, Sabrina passa a noite na casa de familiares em Salvador.
Enquanto a capital é um polo de atração para pacientes de diversas regiões do estado, a Região Metropolitana de Salvador (RMS), que compreende 13 municípios, possui 821 médicos. O quantitativo representa uma proporção de 0,76 profissionais a cada mil habitantes. Presidente do Cremeb, Otávio Marambaia avalia que a proximidade com a capital precisa ser levada em consideração. “Muitas cidades próximas a Salvador são assistidas por médicos que residem na capital e que atuam nas duas áreas”, alerta.
Médicos da Bahia possuem a pior remuneração do Brasil, segundo pesquisa
O levantamento Demografia Médica no Brasil 2023 chama atenção para outro fator importante para entender a forma com que os atendimentos estão concentrados na Bahia: a remuneração. Os profissionais da Bahia possuem a menor renda média mensal de todo o país, no valor de R$25 mil - abaixo da média nacional, de R$32 mil.
Para Marcos Sampaio, é preciso que o estado valorize os profissionais que atendem na rede pública de saúde, especialmente no interior. “Temos que priorizar um plano de carreira e salários no SUS para equilibrar os rendimentos dos profissionais da capital e do interior. Também é preciso ter estímulo para cursos de especialização nos municípios baianos”, analisa.
O Distrito Federal, além de ser a região com maior quantitativo de médicos proporcional ao número de habitantes, é a localidade em que se paga melhor. A média por lá é de R$37,3 mil. As conclusões do estudo foram feitas a partir da Declaração Anual do Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF).
Procurada, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) informou que o governo empenha esforços contínuos para assegurar a descentralização da saúde através do Programa Mais Médicos e das 25 Policlínicas Regionais de Saúde. “Contemplando 408 municípios, as policlínicas assistem mais de 13,9 milhões de habitantes”, pontuou.
Já o Ministério da Saúde revelou que prevê a abertura de 15 mil vagas para profissionais em áreas de maior necessidade do Brasil, através do Programa Mais Médicos.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.