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Colunista Kátia Borges
Publicado em 24 de setembro de 2023 às 05:00
Ah, mas essa crônica nem é sobre a traição que levou os fãs de Luísa Sonza a derrubarem as redes sociais do seu muso, Chico Veiga, após um programa de TV. O dono do bar carioca teve até que interditar o banheiro, possível cenário do crime. Vai ver pretendem fazer uma perícia no local, que foi chamado de sujo em rede nacional. >
“A mão que afaga é a mesma que apedreja”, já dizia Augusto dos Anjos. E se você reparar direito na letra, vai notar que há uma negociação amorosa em curso. A moça intensa se arrisca na busca, quer mergulhar fundo, promete ceder em alguns pontos. No entanto, as bases para o relacionamento dar certo são impostas e inegociáveis.>
Me interessa ainda outra polêmica nesse caso, aparentemente banal, aquela que gira em torno da canção, que segue entre as mais tocadas no país, ser ou não ser uma bossa nova. É bem bonita, a melodia, e fiquei sabendo pelos jornais que Bruno Calimam foi a Nova York para colaborar na composição do álbum Escândalo Íntimo.>
Foi o compositor baiano, aliás, quem sugeriu que o ritmo mais adequado a essa canção não seria o pagode, a base pré-selecionada, mas uma releitura da bossa nova, ainda que com menos compassos do que o tradicional. A letra traz uma referência bastante clara para quem passou dos 40 ou conhece música popular brasileira.>
Não é uma novidade, isso já foi comentado antes. Mesmo assim, desejo pensar um pouco sobre. O hit de Luísa Sonza dialoga com a letra escrita por outro Chico, o Buarque, em um clássico da MPB, Folhetim, de 1978, gravada por Gal Costa, que até fez uma participação especial cantando, em um dos capítulos de Dancing Days.>
Na trama dessa novela das oito, escrita por Gilberto Braga, duas irmãs ocupam papéis antagônicos. De um lado Yolanda (Joana Fomm), casada, inserida na sociedade. Do outro, Júlia (Sonia Braga), outsider que amargou anos de cadeia e que, ao sair, tenta reconquistar a filha adolescente, Marisa (Glória Pires), criada pela irmã.>
Numa festa na casa de Yolanda, Gal Costa aparece e é convidada a cantar Folhetim. A escolha dessa música não se dá por acaso. Yolanda deseja atingir Júlia com a letra da canção, enviar para a irmã um recado direto sobre a sua condição de mulher sexualmente livre e, portanto, de mulher que não cabe naquele meio social.>
“Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres que só dizem sim”, diz a letra de Chico Buarque, em contraponto ao amor monogâmico proposto docemente pela canção de Luísa Sonza. O combinado não sai caro, é o dito popular. Fica a dica. Para Chico, para Luísa e até para “J. Pinto Fernandes, que não tinha entrado na história”*>
* Último verso do poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade.>