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Afinal, é normal mudar de lado nas eleições? 'Vira-folhas' explicam trocas

Se você foi criticado por isso, não ligue. A mudança de visão faz parte da democracia

  • D
  • Da Redação

Publicado em 1 de outubro de 2022 às 11:00

. Crédito: Editoria de Arte/ CORREIO

Cleide Alonso sempre votou em Lula. Em 2018, com o ex-presidente inelegível, ela continuou fazendo a casadinha com o ex-marido, apostando em Fernando Haddad. Nas eleições deste ano, decidiu mudar: vai voltar no atual presidente, Jair Bolsonaro. Já Saulo Nery fez o caminho contrário. Apostou sua confiança no atual chefe do executivo na eleição anterior, mas não ficou contente com a gestão. Agora decidiu investir sua confiança em Luis Inácio. Famosos ou não, nesta eleição teremos eleitores que mudaram de lado e resolveram declarar seu voto no lado oposto que já estiveram. Numa democracia, o famoso vira-folha é natural e não deixa de ser um exercício de cidadania. Eles também podem mudar o rumo da eleição presidencial deste ano. 

Pense numa régua. Nos seus extremos, como o próprio nome já diz, são as doutrinas mais extremistas, seja de esquerda ou de direita. Estes, dificilmente admitirão uma mudança de pensamento. Quem se afasta destas pontas, mesmo com filosofias que se aproximam dos extremos, tende a se afastar daquela cartilha partidária e está propício a mudanças, principalmente quando os arrependimentos ou decepções entram em campo. 

“As posições políticas mais próximas dos extremos são antidemocráticas e intolerantes, comunicadas com erros graves de governabilidade. Isto gera, de fato, descredibilidade para um dos polos, o que automaticamente fará com que os eleitores migrem. As mudanças só podem ser avaliadas como positivas ou negativas com a vivência do mandato por parte daquele que foi eleito dentro deste contexto”, diz a cientista política, Laine Reis. “A sociedade sempre colherá o fruto das suas escolhas, sejam elas quais forem. No Direito, atrelamos este pensamento à ideia de consequencialismo”, completa Reis, também advogada e professora da Rede UniFTC.

Foi o que aconteceu com o  Biomédico Saulo Nery. O sentimento de patriotismo e a camisa da Seleção Brasileira em 2018 foram substituídos pela insatisfação da gestão do antigo candidato que ele passou a fazer oposição.“O que um dia achei que me representaria, já não me representa mais. Muita coisa aconteceu em quatro anos, o mundo passou por uma pandemia. Tivemos um presidente defendendo medicamentos não comprovados cientificamente, contra a medidas sanitárias... Em um momento tão crítico ocorreram diversas violações contra os profissionais de saúde, que faço parte com muito orgulho. Saímos de nossas casas sem a certeza se conseguiríamos voltar. Hoje o meu voto tem o peso de 686 mil mortes pela covid-19”, explica Saulo. Em 2018, ele acreditava que era necessário uma mudança e depositou este sentimento em Jair Bolsonaro, também com uma carga de decepção referente ao partido do ex-presidente. “A partir de 2013, o movimento Anti-PT e o desgaste da imagem de ex-presidentes do partido, envolvidos em escândalos políticos e de corrupção em seus governos, fez com que procurássemos um novo governo. Foi o que fiz e acreditei”, acrescenta Saulo. 

Cleide Alonso pensa diferente e hoje pretende apoiar o atual presidente, após anos votando no PT. “Nesta eleição, vou votar em Bolsonaro. Infelizmente, Lula e o PT nos decepcionaram com tanta corrupção. Votei em Haddad na última eleição, mas mudei de opinião e decidi que Bolsonaro precisa ser mantido, por ver um presidente transparente, autêntico, vem trabalhando  com seriedade, embora tenha se deparado com situações  adversas e fortes, como a pandemia. Sem contar o massacre da imprensa que não  mostra imparcialidade, mas politicagem”, prega Cleide.

Para a ciência política, não há nada de errado na mudança. É, inclusive, um fenômeno natural da democracia e demonstra um afastamento do extremismo. Pelo menos na teoria. “Não existe sociedade democrática sem movimento, tampouco sem convencimento e liberdade [de escolha]. Se alguma sociedade não tem a ‘direita’ é porque ela é governada por um estado socialista. Se alguma sociedade não tem a ‘esquerda’ é porque ela é governada por um estado fascista”, explica Laine Reis, se referindo à importância do contraditório e da oposição. 

“Quem defende a democracia aceita aqueles que pensam diferente, que podem se manifestar, mudar de ideia, eleger e também não reeleger mais. Fazem isso não só por uma concepção de democracia, mas porque defendem a liberdade. A mesma liberdade odiada pelos extremistas, seja de esquerda ou de direita”, arremata.

O ódio extremista é um problema para quem muda de opinião e pode gerar desavenças na família, entre amigos e no ambiente de trabalho. Em 2018, um oficial da Marinha fazia parte da maioria dos amigos de farda que votaram em Bolsonaro. No resultado do segundo turno, entre Haddad e Bolsonaro, ele chegou a fazer uma festa para comemorar os 55,13% de votos válidos do seu candidato. Atualmente, garante que vai votar em Lula... Novamente.

“Quando eu era estudante, votei em Lula em 2002 e fui com bandeira e tudo comemorar a vitória no reduto petista, no Rio Vermelho. Meus cadernos, janela de casa, tudo tinha adesivo do PT. Depois que passei no concurso, o tempo passou e construí na mente aquela coisa de que Bolsonaro era um candidato militar, encarnei esta doutrina e me tornei bolsonarista, crendo que ele seria bom. Mas ele me decepcionou e feriu algo que não abro mão: a democracia. este ano, votarei em Lula, como em 2002”, avisa o militar baiano, que pediu anonimato e mora atualmente no Rio de Janeiro. “Eu não escondi minha mudança e hoje sinto um isolamento de alguns amigos. Me incomoda, mas assumo minhas escolhas”, conta. 

Outro militar, mas da PM baiana, tem seu curriculum bem diversificado. Também com receio de represálias de superiores e afastamento de amigos, pediu para não ser identificado. Já votou em Lula e Dilma, mas optou por Ciro em 2018, no primeiro turno.“No segundo [turno], votei em Bolsonaro, por influência dos amigos militares. Não me arrependo. Atualmente, prezo pela família, sou contra aborto e sou patriota. O que eu acredito vai de encontro com a filosofia esquerda de Lula. Respeito ele, mas acreditamos em coisas opostas. Por isso, continuo com meu voto em Bolsonaro. Pior que a maioria da minha família ainda é Lulista. Mas não brigamos. É um clima de futebol, sabe? Me chamam de vira-folha, mas tudo bem”, revela o PM. Apesar de opiniões distintas, todos, ou pelo menos quase todos, prezam por outro aspecto importante na democracia: o respeito. “Quando entendemos que a liberdade de escolha é premissa básica  da democracia, passamos a respeitar a decisão  do outro. Nosso  país vive no Estado Democrático de Direito. Extremos e exageros ferem a democracia”, dá o recado Cleide Alonso. Saulo concorda com a opositora. “A democracia está na base da sociedade brasileira e, independentemente das eleições, devemos respeitar a opinião do próximo, mesmo que seja contrária. Nesta eleição tão violenta e intolerante, a democracia deve reinar”.

Nestas eleições tão intensas e atípicas, criou-se outro tipo de eleitor, conhecido como voto envergonhado. Não que o eleitor sinta vergonha do seu voto, mas é o medo da represália no seu convívio social. É como ser inserido num determinado grupo predominantemente de um segmento político, mas você acreditar em outro. É justamente o medo da exclusão, da intolerância e da própria violência. Este perfil, acreditam especialistas, sequer está nas pesquisas de intenções de voto, pois eles preferem esconder sua preferência, deixando para depositar seu voto na hora, diante da urna eletrônica.

“Quem é civilizado não mata porque o seu semelhante pensa ou apoia uma doutrina diferente da sua. A ideia de que política não se discute está cada vez mais ultrapassada e se faz necessário dialogar. No entanto, precisamos evoluir muito, buscar mais conhecimentos sobre o que é política, em termos de conteúdo e diálogo. A política não pode ser um tabu, tampouco um cabo de guerra, onde apenas o lado que defendo está sempre certo”, finaliza Laine Reis.