'A arte entende o corpo nu muito além do sexo', diz Jorge Alencar sobre performance

La Bête foi encenada em Salvador e não teve maiores repercussões; agora artista Wagner Schwartz é acusado de pedofilia

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  • Da Redação

Publicado em 29 de setembro de 2017 às 22:23

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Humberto Araujo/Divulgação

Se a máxima rodrigueana de que “toda nudez será castigada” estivesse valendo neste ano, a performance La Bête (O Bicho) teria chocado o público desde agosto, no Encontro Internacional de Artes (IC) em Salvador. Protagonizada pelo bailarino Wagner Schwartz, que se apresenta nu, o espetáculo deu início à nova polêmica sobre a liberdade artística nessa semana, após ser apresentada na última terça no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM).

Na madrugada desta sexta (29), viralizaram fotos e vídeos da montagem nas redes sociais. O vídeo feito em São Paulo mostra uma menina, que aparenta ter em torno de 5 anos, tocando os pés do artista nu, que estava deitado sobre o chão. Também circula na web uma foto da performance em Salvador em que quatro crianças ficam de mãos dadas e interagem com o coreógrafo. 

Na performance, deitado em um tatame, Schwartz manipula uma réplica de uma das esculturas da série Bichos (1960), da artista plástica Lygia Clark, provocando interação com o público.   (Foto: Humberto Araujo/Divulgação) As críticas na internet, encabeçadas pelo Movimento Brasil Livre (MBL), acusam o museu até de “incentivo à pedofilia”. O teor dos comentários é o mesmo dos que levaram o Santander Cultural a encerrar a exposição Queermuseu. O MBL argumenta que a montagem vai de encontro com valores da família brasileira e que não pode ser considerada arte. “Este é mais um caso de obscenidade envolvendo crianças e patrocinado com verba pública”, diz a postagem na página do MBL. No comentário mais curtido desse post, um internauta acusa o artista de pedofilia: “É notório o constrangimento da criança”.

A foto de La Bête em Salvador foi parar no Instagram do deputado Jair Bolsonaro (PSC- RJ). “Covardia o que estão fazendo com nossas crianças”, disse. 

Polêmica vazia Enquanto isso, o MAM não mostra intenção de cancelar a performance. “As acusações de inadequação são descabidas e guardam conexão com a cultura de ódio e intimidação à liberdade de expressão que  se espalha pelo país e nas redes sociais”, diz a nota. O museu garante que não há  qualquer conteúdo erótico na peça, ressaltando que a criança do vídeo estava acompanhada da mãe. Também destaca que a sala onde ocorria a performance estava sinalizada sobre o teor da apresentação. (Foto: Humberto Araujo/Divulgação) Já os responsáveis pelas crianças que aparecem nas fotos de Salvador se mostraram preocupados em preservar a imagem delas e disseram, em nota, que “num momento como esse de polêmicas vazias e falsamente moralistas tudo é deturpado para alimentar o discurso de ódio. O contexto da foto foi deturpado bem como a natureza do trabalho do performer. Não há fundamento nas acusações contra o artista, são expressões de ódio e intolerância”.

Liberdade A Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA) definiu as recentes polêmicas como um cerceamento de liberdade de expressão artística no Brasil. “Lutamos por uma sociedade plural constituída pelo debate e fortalecida nas mais variadas formas de expressão. Somos contra qualquer forma de censura, pois ela restringe a liberdade de expressão e tenta retirar da arte sua potencialidade de dissidência e ruptura. Como ser livre tentando calar o outro?”, escreveu a presidente da entidade, Maria Amelia Bulhões. 

Para o artista e curador do IC, Jorge Alencar, essas manifestações de ódio na internet são fruto de desinformação. “Em nenhuma dimensão Le Bête, fruto de um trabalho muito sério, tem conexão com sexualidade e erotismo”. Segundo ele,  quando veio a Salvador, o espetáculo permitiu entrada de crianças acompanhadas dos pais e foi elogiado pelo público por sua delicadeza: “Houve harmonia entre crianças e adultos. Estamos certos de que a arte entende o corpo nu muito além do sexo. Somos nós. É lugar de resistência e de liberdade. Com essa onda conservadora potencializada pelas redes, o nu é culpabilizado. Corpo nu é lugar de poesia”, defende. Os ataques chegaram ao músico Luciano Simas, confundido com Schwartz. Em agosto, ele fez uma postagem elogiando Le Bête e teve sua foto compartilhada por Bolsonaro, ontem. “Na Bahia La Betê foi acolhida com encantamento, foi compreendida; infelizmente em São Paulo foi diferente. Mesmo sem saber nada sobre a performance estão fazendo esse julgamento e confundindo corpo nu com sexo e sexo com coisa suja”, diz.