A assunção de santa Edwiges no banheiro da rodoviária

Por Rogério Menezes

  • D
  • Da Redação

Publicado em 31 de dezembro de 2017 às 07:00

- Atualizado há um ano

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[1999] [Desabada na privada do banheiro da rodoviária do Plano Piloto de Brasília, Linalva, 17, exaurida depois de caminhar dezenas de léguas adormeceu – vinha fugida da fome de Planaltina. Acordou quando alguém a zabumbou como se a zabumbasse com zabumba do Bando Maracatu do Salu – honra e glória da nação pernambucana. A propósito, viva Pernambuco! Viva o Chico Science!].

O alguém pernambucano que a zabumbou não tinha beleza extraordinária – ao contrário: aos 64, tinha + ou menos dez arrobas de peso, corpo salpicado por manchas de vitiligo e  nádegas que pareciam  jacas gigantes e disformes.

A dama de triste figura acalentou-a cheia de sorrisos: - Não se aflija, visse? Sou Edwiges. Percebi desde criança que, assim feia, não sobreviveria se não me tornasse necessária. Então me formei professora e virei fada fajuta, visse minha linda?

Arrastou Linalva até banheiro próximo, e, com sabonete comprado no camelô, deu-lhe banho tão bem dado que a adolescente perdeu + ou menos 1 libra de sujeira acumulada. Retirou muda de roupa velha da mochila esmolambada da retirante, vestiu-a, e a levou para comer pastel com caldo de cana na Lanchonete Viçosa da rodoviária, onde se refestelaram. [Eu estava lá, e foi assim que as conheci].

Edwiges elaborou plano de metas. Linalva passaria a morar com ela na casa modesta, mas própria, da Vila Planalto – e passaria por faxina completa. Dito e feito. Limpa, alfabetizada, alimentada, prendada, tornou-se a melhor fazedora de quitutes e acepipes pernambucanos de todo o Plano Piloto – o bolo de rolo, ai, era, e é, dos deuses! Aprendeu a se pentear, a se enfeitar, e a encantar os rapazes. [No começo não sabia o que fazer quando os moços lhe faziam amassar troço roliço que lhes inchava sob as calças. Aprendeu rapidinho].

Em 2005 casou com Lucindo, gari cor de ébano, e deu à luz os gêmeos Felipe e Wagner. [Enquanto Linalva   refulgia, Edwiges decaía. Já não suportava o peso do corpo e a nádega direita migrou para a parte traseira do joelho, o que a imobilizou – e então passou a servir de macio sofá-cama para os ‘netos’. [Linalva a chamava de mãe-anja. Os meninos, de vó-anja. Lucindo a mimava com profiteroles comprados na Pralinê Confeitaria Suíça, na 205 Sul].

De nada serviram os mimos. Edwiges desencarnou em 2012. Devido ao corpanzil careceu caixão especial – transportado na carroceria de caminhão para o cemitério de Planaltina, onde mereceu mausoléu cercado de flores do cerrado.

Desde então Linalva, Lucindo, Felipe e Wagner a veneram. Encomendou-se quadro a artista de Pirenópolis: o rosto gordo de Edwiges emerge entre céu divinal, lagos dourados e o palácio da alvorada. [Colocado na sala, todo dia às seis da tarde se prostram em frente ao retrato e oram].

[Com o tempo a bunda de Linalva cresceu – e o desejo de melhorar a vida de alguém lhe abarrota o corpo cada vez + gordo. Lucindo. Felipe e Wagner a estimulam nessa missão em processo]. [Donde posso deduzir: em 2018 Linalva anjará para todo o sempre]. [Publica-se e cumpra-se!]