A Bahia não é de Todos os Santos. É de Santo Antônio, o mais amado de todos!

Por Nelson Cadena

  • Foto do(a) author(a) Nelson Cadena
  • Nelson Cadena

Publicado em 8 de junho de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

A Bahia não é de Todos os Santos. É de Santo Antônio, o mais amado, venerado, reverenciado, cultuado de todos os oragos de devoção; chegou a ter concedida pela Câmara Municipal, em tempos remotos, a patente de soldado - depois a de capitão - com direito a soldo, verba, esta, recebida até meados do século XIX pelos franciscanos. Na fortaleza de Morro de São Paulo a sua patente era de alferes. Esse Santo Antônio que na Bahia é cultuado em duas igrejas (Santo Antônio da Barra e Santo Antônio Além do Carmo) e em várias capelas e empresta seu nome ao Forte do Farol da Barra e a um bairro da cidade, também foi conhecido entre nós como Santo Antônio da Velha Bárbara.

É claro que você nunca ouviu falar dele, não há infelizmente rastros de seu culto em nossa literatura histórica, existem referências concretas apenas nos livros manuscritos de registros e de despesas dos arquivos da Santa Casa de Misericórdia da Bahia. Esta celebrava a trezena todo mês de junho e no dia 13 os devotos participavam da missa solene, com duração de duas horas, e a ela compareciam por obrigação o provedor, mesários, definidores da Santa Casa e os membros da irmandade eram convidados, através de anúncios nos jornais. O não comparecimento não era bem visto. Era uma desfeita.

A Bahia foi o único lugar do mundo onde existiu o culto a Santo Antônio da Velha Bárbara. Segundo a lenda, a Velha Bárbara era um personagem de carne e osso, uma beata, devota que praticava a caridade nas ruas e residências de Salvador. Assistia os doentes e os moribundos com desvelo e em qualquer lugar em que sua presença fosse solicitada para esses atos de misericórdia, comparecia, não importava se de dia ou de noite. “Quantas vezes viam-na no meio da noite, sem receio de chuva, que caía grossa e forte, com uma capona sobre os ombros, atravessando as ruas desertas”, escreveu o cronista Ernesto Calmon, no jornal O Monitor, em 1892. Deixou claro que contava as coisas como lhe foram ditas, tradição popular.

Um domingo, a velha tropeçou com três marinheiros bêbados no alto da Ladeira da Misericórdia, um deles levava, embaixo do braço, uma pequena escultura do santo que jogou para o ar como peteca. A velha Bárbara o repreendeu com firmeza e pediu a imagem. Os marinheiros toparam entregar desde que a beata aceitasse levar uma bofetada no rosto. Concordou e logo se viu no chão, ensanguentada, e com a imagem do santo atirada a seus pés. Recomposta, beijou a figura e foi para a casa. No dia seguinte não havia nenhum sinal da violência cometida contra sua pessoa, milagre que foi atribuído ao orago. Doentes e moças casamenteiras de Salvador passaram a procurar a velha Bárbara e seu Santo Antônio, no cotidiano, que segundo a lenda, de fato realizava milagres. Quando a velha Bárbara faleceu, a imagem foi doada à Santa Casa de Misericórdia.

O pequeno oratório de Santo Antônio da Velha Bárbara ainda existe, no térreo, quase subsolo, do prédio da Misericórdia, na rua do mesmo nome, encoberto do lado de fora por uma porta de ferro e sem acesso pelo lado de dentro. Não sabemos se a imagem ali existente é a original. No interior há um altar que exibe ex-votos, inclusive de cera. Possui uma fenda para os devotos depositarem moedas e medalhas. O oratório não é aberto ao público e permanece fechado o ano inteiro. E a mesma fenda que serve para depositar ofertas serve para os ladrões de esmolas jogarem uma linha com ímã para subtrair três ou quatro moedas, de R$ 0, 50  ou de R$ 1. As vezes o ímã, que custa mais do que as moedas tomadas, cai no chão, do lado de dentro. As moedas e algumas cédulas são recolhidas a cada três meses pela Santa Casa e o montante das esmolas doado para obras sociais da Misericórdia.