A cabeça de meu tetravô

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  • Nelson Cadena

Publicado em 18 de outubro de 2019 às 05:00

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Em 21 de setembro de 1901, o General Tulio Varón, meu tetravô paterno, após ser ferido no pulmão por um franco atirador tocaiado na Avenida “La Ibaguerenã”, em Ibagué (Colômbia), teve a cabeça arrancada a golpes de facão, ainda respirava, e, logo após, seus órgãos sexuais e, na carnificina que se deu no calor dos acontecimentos, seu corpo esquartejado e arrastado por mulas para a população assistir a queda e o fim do temível “Machetero”, apelido do militar a serviço do partido liberal, que atazanara os conservadores em batalhas épicas durante anos e, no final do século XIX, no conflito que passou para a história como a guerra dos mil dias.

Tulio Varón morreu de soberba. Se considerava invencível, líder de um bando composto por cerca de 150 camponeses. Criara um figurino próprio para as operações de guerra: trocava o poncho preto por uma capa vermelha, vestia enorme chapéu e botas longas. O ritual incluía a encenação de uma carroça de bambu, coberta com um pano escuro, assim simulava um canhão, um blefe, e antes farta bebida de aguardente de anis de panela, misturado com pólvora, dizia potencializava a audácia e a valentia. No dia em que o General Varón foi decapitado estava bêbado, não conseguia se equilibrar no seu cavalo negro, a despeito de ser um hábil montador desde criança; o seu estado de ebriedade foi uma das causas da derrota sofrida em Ibagué onde esperava surpreender os conservadores e acabou surpreendido por eles que de alguma forma souberam de seus planos com antecipação. 

A  cidade era terreno hostil para os liberais, o clero tornara-se já algum tempo o seu maior inimigo, pregava a vingança contra o general pelo seu atrevimento em invadir a igreja do município de El Espinal e subtrair os terços do templo que colocou no pescoço das mulas, no seu desfile triunfal, após mais uma de suas batalhas vitoriosas.

Tulio Varón se criou entre cavalos e camponeses nas fazendas do estado de Tolima, ainda adolescente já estava alistado entre as forças do exército liberal, a sua luta contra os “godos” ou “azuis”, durou longos 25 anos, seu nome tornou-se uma lenda pela sua valentia e as suas estratégias de guerra. Ganhou o apelido de “El Machetero” após uma batalha onde surpreendeu e dizimou, em sua própria trincheira, 250 soldados, abatidos a golpes de machete (facão). Um dia cansou de ser liderado e formou seu próprio bando, formado na maioria por camponeses. As suas armas consistiam em facões e escopetas de caça. Não servia ao partido, agia em nome dele.

Casou-se com Cleotilde Montealegre, 13 anos de idade, com quem teve oito filhos. Um deles foi Saturnino Varón Montealegre, meu tataravô. A guerrilha de Tulio Varón Perilla era temida pela sua audácia, habilidade dos cavaleiros e uma rede de informantes que o atualizavam sobre a movimentação do inimigo e as estratégias do governo para derrotar os oposicionistas, armados e divididos em bandos. No dia em que foi morto e seu corpo ultrajado, contava com apenas 41 anos de idade.

Na década de 1990 um grupo das FARC se autodenominou Frente Tulio Varón, operava na mesma região geográfica onde o “El Machetero” lutou a guerra civil, financiada pelas oligarquias. O fato deu visibilidade ao personagem e estimulou pesquisadores a escrever teses e livros, um deles, “El Guerrero Heroico” de Álvaro Coymat.