A cura da saudade: pacientes do Hospital do Subúrbio voltam para casa no fim de ano

Só os doentes internados na ala de nefrologia terão a chance de visitar seus lares em ação promovida pelo Hospital do Subúrbio

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  • Da Redação

Publicado em 30 de dezembro de 2017 às 06:20

- Atualizado há um ano

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“Quando eu botar o pé pra fora desse hospital, eu vou ajoelhar e agradecer a Deus pelo carinho que ele tem por mim”. É dessa forma que o ex-porteiro Francisco de Assis, 47 anos, paciente da ala de nefrologia do Hospital do Subúrbio há quase cinco meses, pretende sair do seu leito para passar o Réveillon com a sua família.

 Francisco tem insuficiência renal crônica em estágio avançado e por isso depende da terapia por hemodiálise para sobreviver. O uso do equipamento substitui a função dos rins: “O que me faz esquecer que estou no hospital é o atendimento, o carinho que a equipe tem com a gente. O hospital é o meu melhor amigo, todo mundo me trata bem aqui”. As limitações da dieta mexem um pouco com Francisco, mas ele não reclama: “Eu queria mesmo era uma feijoada, mas dá para levar”, compartilha, aos risos.

Movido pela ansiedade, ele já organizou todo o seu dia de hoje (30): “Assim que eu chegar na minha casa vou tomar o meu banho do jeito que eu gosto e organizar tudo do lar”. A saudade da esposa, Camila, e do seu filho Josué, 22, é grande, apesar deles o visitarem frequentemente no hospital.  Mas o ex-porteiro está preocupado mesmo é com o encontro com a sua cadelinha de cinco anos, Princesa: “Eu acho que ela vai desmaiar quando me ver, já faz cinco meses. Me dizem que ela chora de saudade de mim”. Quando perguntado sobre a Virada Salvador, seu Francisco lamenta: “É muita gente naquele espaço, eu não posso ficar abafado. Tenho orientações medicas para seguir”.

O diretor médico Jorge Motta explica que todos os 21 pacientes que tiveram o direito de passar os festejos de fim de ano fora do hospital fizeram uma sessão de hemodiálise antes de sair e farão outra depois de voltar, daqui há quatro dias. Além disso, eles assinaram um termo de responsabilidade prometendo seguir as orientações médicas e nutricionais. “A ideia é que eles tivessem sua autonomia respeitada com o mínimo risco de saúde possível”, completa o diretor. A dona de casa Tânia Borges, 57 anos, está com a energia renovada para continuar o tratamento (foto/Marina Silva)

Apoio na fé e no amor

Tânia Cristina Borges, 57 anos, é uma das pacientes mais antigas da ala. Ela está há mais de um ano internada e viu na saída do Natal um sopro de esperança para dias melhores. “O Natal foi ótimo, pena que durou pouco. Eu passei com minhas filhas Ingrid e Mileide em nossa casa”, conta a dona de casa. 

Tânia tem muitos motivos para agradecer por essa oportunidade de poder visitar as suas filhas: “Assim que eu me internei aqui, perdi o meu marido para a cirrose. Logo depois, eu perdi a minha mãe, que morreu por conta de problemas no coração”. Ela conta que foi através da fé em Deus que ela arranjou forças para continuar, juntamente com o amor pela sua filha Mileide, que tem paralisia cerebral.

“Quem cuida de Mileide agora é uma moça paga por Ingrid, que, por ser frentista, precisa sair para trabalhar e não tem como cuidar da irmã. Tem dia que Mileide chora muito de saudade”. No encontro das duas no Natal, o que não faltou foi afeto: “O nosso encontro foi ótimo, eu pedi um abraço a ela e ela me deu”.

Para se distrair da saudade das filhas, dona Tânia costuma acompanhar a novela das 9, O Outro Lado do Paraíso, religiosamente. “Assisto todos os dias, eu tô gostando muito”. Além disso, ela também conta que a beleza dos médicos do hospital a distraem bastante: “Meu médico preferido é o doutor Thiago, ele é cirurgião e é muito bonito”. Alex Sandro Lima, 38 anos, está internado há cinco meses e processou a Comissão Estadual de Nefrologia (foto/Marina Silva)

Luz no fim do túnel

O paciente Alex Sandro Lima, 38 anos, está há cinco meses no Hospital do Subúrbio. Ele morava com a sua mãe no bairro Alto da Teresinha e foi lá onde ele passou o Natal com toda a sua família. Ao retornar ao seu leito, após os festejos natalinos, o sentimento de impotência o dominou: “Na hora de voltar foi triste, minha mãe chorou quando me despedi... Quando eu lembro me dói, foi a primeira vez que a vi chorando. Ela ainda está muito abatida”. Alex era responsável pelos cuidados de sua mãe, Maria José, de 65 anos. “Ela fica sozinha em casa. Eu me preocupo com isso porque se ela sente algo em casa não estou lá para dar um socorro nem nada”, desabafa. 

No retorno a sua casa, ao ver o seu quarto reformado, concluiu que não tinha necessidade de comprar uma cama nova: “Não tenho data de sair daqui, então, não tem necessidade. Não culpo o hospital pela demora da minha saída, de forma alguma, mas complica a gente ficar trancado aqui”.

O diretor médico Jorge Motta afirma que esse cenário aflige muito a equipe médica. “A partir do momento em que o paciente fica dependente da máquina, existe uma preocupação ética de que ele seja inserido em um programa ambulatorial de hemodiálise. O paciente só sai daqui se ele tiver uma vaga garantida em uma clínica ou hospital que ofereçam isso. Encaminhamos os nomes para a Comissão Estadual de Nefrologia e ela que distribui os pacientes”, diz, destacando que o grande problema é a alta demanda de pacientes para poucas vagas.

Desamparado, Alex não viu melhor forma de lidar com a saudade da família e, cansado de esperar pela sua vaga, processou a Comissão Estadual de Nefrologia pela demora: “Me deram um prazo de dez dias para resolver a questão, mas não cumprem. Eles dizem que as clinicas estão cheias. Já vai fazer dois meses que coloquei eles na justiça. É muito triste você não ter mais a sua liberdade em casa, sair para resolver as coisas...”

A assistente social Daniella Bonfim, 38, destaca o papel da família nesse processo: “Tem que dar forças para o paciente querer continuar. A gente sabe que é difícil, e é aí que a família entra, no incentivo para que ele possa permanecer no tratamento”. A saída dos pacientes da ala de nefrologia para o Natal e Réveillon é uma ação inédita no Hospital do Subúrbio e enche o coração deles de esperança por dias melhores, quando poderão finalmente conviver com seus familiares no conforto do próprio lar. 

*Integrante da 12ª turma do Correio de Futuro, orientado pela chefe de reportagem Perla Ribeiro e pela editora Dóris Miranda