A dama à frente da maior festa literária da Bahia

Por Flavia Azevedo

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 30 de agosto de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Foto: Érica Ribeiro Soteropolitana, capricorniana e fã de Janis Joplin, a jornalista e escritora Kátia Borges é a mulher que está desenhando a nona edição da Festa Literária Internacional de Cachoeira (FLICA), que acontecerá em outubro, na cidade de Cachoeira, no Recôncavo. Ela é mestre e doutora em literatura e cultura, pela Universidade Federal da Bahia. Escritora, tem seis livros lançados, sendo cinco de poesias e um de contos. Além disso, participa de diversas antologias no Brasil e exterior. Professora do curso de jornalismo da Universidade Salvador, também escreve crônicas, semanalmente, para o Jornal Correio.  Quanta - Como percebe o fato de ser a primeira mulher curadora da FLICA? Kátia - Penso que reflete uma abertura importante em um universo ainda predominantemente masculino. A FLICA é a maior festa literária da Bahia e tem naturalmente um peso no processo de afirmação desse campo no estado. As escritoras vêm conquistado espaço, a partir de iniciativas como o Mulherio das Letras, o Leia Mulheres e o SLAM das Minas, entre outros, e recebi o convite com alegria, encarando a curadoria como parte desse processo e, ao mesmo tempo, um desafio pessoal.

Q - Na prática, quais são, exatamente, as suas atividades nessa curadoria?  K - A função da curadoria é lançar um olhar sobre o mercado, propor um recorte, estabelecer uma conexão, um diálogo entre os autores convidados. A FLICA é uma festa essencialmente literária e, como tal, o circuito oficial das mesas se configura como a nossa missão principal. Em breve, anunciaremos a programação oficial. O que posso adiantar é que algumas temáticas, ainda não abordadas, estarão presentes.

Q- Quantas pessoas são esperadas, para este ano?  K - A média de público, nas oito edições da festa, tem sido de cerca de 35 mil pessoas. Trata-se de um fluxo turístico que movimenta toda a região, abrangendo, além de Cachoeira, São Félix e Santo Amaro, com ocupação de 100% dos leitos nos hotéis, e a mobilização de comerciantes em setores que vão do comércio à alimentação. 

Q - Nessa edição da feira, há um tema central a ser discutido?  K - Não, a FLICA não tem um tema central a ser discutido. Os diálogos entre os autores, nessa edição, devem girar em torno de diversos tema contemporâneos, como a revisão da história do país, as representações literárias e identitárias, e a contribuição dos autores na reconfiguração do imaginário de nossa época.

Q - Há uma preocupação em equilibrar as presenças masculina/feminina na FLICA? K - Sim, mas numa perspectiva na qual predominem os diálogos entre autoras e autores sobre a literatura que produzem, e não apenas cor ou sexo.

Q - Num mundo cada vez mais digital, que lugar ocupa o livro físico?  K - O livro segue como a experiência táctil mais incrível que um leitor pode ter. Há uma retração do mercado e o avanço da leitura em meios digitais, mas nada substitui o contato do corpo de quem lê com o corpo dos livros em sua forma física.

Q - Na FLICA haverá um espaço para pessoas que publicam textos em outros meios? "Fenômenos" das redes sociais, por exemplo?  K - A FLICA abriu espaço para esses autores em algumas de suas edições, sempre acolhendo manifestações contemporâneas diversas da literatura. Seguimos essa linha.

Q - Há um número cada vez maior de mulheres escrevendo sobre feminismos, principalmente no ambiente digital. Como você percebe esse movimento?  K - É um movimento necessário, sobretudo quando se pensa a pluralidade que o feminismo abriga e à qual nunca foi dada a devida atenção. É hora, penso, de fazermos essas revisões. Q - Sobre essas novas escritoras, essa escrita de militância: o que você acha que permanecerá, daqui a 20 anos, por exemplo. Percebe qualidade literária? Vê apenas como discursos de palanque?  K - Logicamente, há discursos de palanque e trabalhos com qualidade literária. O mercado dita as regras imediatas que colocam em evidência esse ou aquele nome. Alguns ficarão, pela força do que produzem. De todo modo, é saudável que exista uma escrita de militância, e penso que ela tem a honrosa função de dinamitar as instâncias de legitimação e de promover a revitalização do campo literário.

Q - Você acha que, para mulheres, o ato de escrever pode ter um sentido específico, diferente do que significa para homens? K - Não, não se pensarmos essa escrita como sendo “feminina”, reconhecível como tal a partir da presença de certas marcas, impressas pela leitura enviesada dos homens ao longo de séculos. 

Q - Que lugar ocupa a literatura produzida por mulheres, no cenário nacional?  K - Hoje, um espaço maior, porém ainda questionável. Graças a um longo trabalho de resgate, feito por pesquisadoras, conhecemos autoras que foram invisíveis por décadas. 

Q - Nas redes sociais, todo mundo escreve textão e há muitos desafios postos por esse movimento. O jornalismo precisa encontrar respostas para sobreviver, por exemplo. E a literatura? Que questão (ou questões) está colocada para a literatura, em nosso tempo?  K - Bom, existe uma metáfora boa sobre isso, que é um koan. Como seguir reto em uma estrada cheia de curvas? Esse é o desafio da literatura e do jornalismo. Há algumas décadas, todo mundo pensava que seria impossível conquistar leitores com histórias longas no meio digital. Hoje, o formato Longform é considerado um caminho sem volta. O romance, a poesia, o conto se reinventam continuamente. As boas histórias continuam por aí, esperando para serem contadas em qualquer meio.

Q - Quem você gosta de ler?  K - Leio os clássicos e os contemporâneos. Baianos, nacionais, autores estrangeiros. Os contemporâneos predominam na minha estante. Vou citar três romances que li recentemente e que me impressionaram bastante pela qualidade e maturidade narrativa, Torto Arado (Itamar Vieira Junior), Céus e Terra (Franklin Carvalho) e As margens do paraíso (Lima Trindade).