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Malu Fontes
Publicado em 10 de dezembro de 2018 às 05:00
- Atualizado há 10 meses
Em Pecado Original, Caetano canta: “Todo mundo, todos os segundos do minuto/Vivem a eternidade da maçã/Tempo da serpente nossa irmã/Sonho de ter uma vida sã”. Diante do escândalo sexual envolvendo um dos gurus espirituais mais famosos do Brasil, e do mundo, o médium João de Deus, esses versos caem como uma luva para traduzir o que é essa fé que as pessoas, sentindo-se protegidas por uma confiança religiosa cega, depositam num homem ao ponto de considerá-lo não humano, sujeito incorpóreo desprovido de desejo, sexualidade e defeitos. Esquecem da serpente, da maçã.
Fiéis, movidos pelo desespero, por dores físicas e principalmente psíquicas, se prostram acríticos diante do que consideram como seus faróis religiosos e, literalmente, se entregam de corpo e alma. E convenhamos, mais de corpo que de alma, sob o ponto de vista desses gurus que os acolhem. As histórias estão aí com detalhes escabrosos: Sai Baba, Rajneesh, o Osho, Prem Baba e até o guru dos Beatles, Mahareshi Yogi.
ESPERMATOZOIDES E as histórias de Roger Abdelmassih, claro, que não era guru religioso, mas era mais que isso: a riqueza brasileira, quando infértil, recorria aos seus poderes de deus da medicina genética para fertilizar embriões e construir famílias de propaganda de margarina. A beleza daquilo tudo virou caso de polícia e se transformou em tragédias familiares quando tudo veio à tona: casais se despedaçaram, filhos foram renegados por pais e muitos sequer eram filhos biológicos de quem pagou por óvulos fecundados por espermatozoides em pipetas caríssimas no Jardim Europa.
Agora, João de Deus, o dono do mais famoso centro de cura religiosa do Brasil, chamado por muitos de hospital espiritual, em Abadiânia (GO), surge internacionalmente em uma versão monstruosa, com direito a narração comovida de Pedro Bial. Emerge um João que coloca seu pênis nas mãos, bundas, coxas, rostos e vaginas de mulheres, jovens, adolescentes, meninas. O argumento: seu pênis é um instrumento dos espíritos, que as mulheres, e curiosamente só as mulheres, precisam introduzir em seus corpos para, só assim, serem conectadas com Deus e serem curadas de suas dores.
LOBISOMEM As histórias são nojentas, com direito a relatos de quem viu e limpou o rosto de crianças sujo de sêmen do guru. É o sonho de ter uma vida sã, levando mulheres de todas as idades, nacionalidades, classe social, constrangidas, num ritual de fé, a aceitar da serpente do paraíso a tal maçã, imposta pelo guru, o homem lobisomem da canção de Caetano que, diferente da música sabe, sim, onde colocar o seu desejo: no corpo de quem não consentiu e chegou ali em busca de outra coisa. Pode ser só um detalhe, mas desconfiar de coincidências é saudável. O guru curandeiro, que se diz literalmente analfabeto mas prescreve remédios que farmácias da sua própria holding espiritual vendem, tem 11 filhos. Com 11 mulheres diferentes.
E se ele vem abusando mulheres e usando sua genitália com a duplicidade de fins, para ter prazer e para “introduzir” biblicamente seu deus peniano e seus espíritos sexualizados nas dores dos outros, não foi por falta de aviso que ninguém ou nada o deteve nesses anos todos. La nos idos de 1980, ele já era acusado e processado por tráfico de 300 quilos de material radioativo, exercício ilegal da medicina, sedução de menores e homicídio (o amante de sua então mulher). Todos os processos foram arquivados, nada difícil de entender, quando se trata de uma pessoa poderosa e que move milhões na economia de uma região enriquecida na esteira do turismo esotérico em torno de sua fama.
A fé cega das pessoas nos poderes mediúnicos curativos de João de Deus se transformou em faca amolada, introduzida há anos, literalmente, no corpo de mulheres e meninas doentes. Não era bem uma faca.