A liberdade refém da burocracia

Luiz Fernando Pedroso é psiquiatra e diretor clínico da Holiste Psiquiatria.

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  • Da Redação

Publicado em 15 de novembro de 2017 às 03:44

- Atualizado há um ano

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Congresso Brasileiro de Psiquiatra teve como tema O Futuro da Psiquiatria dentro da Neurociência. Mas o que mais me chamou a atenção foi a prevalência de uma visão autoritária e estatizante nos debates envolvendo políticas públicas de saúde mental.

Numa das mesas sobre a política de drogas no Brasil, dirigida por uma promotora, o recado dado foi que o estado, leia-se a burocracia, não pode perder o controle da sociedade, como se, numa democracia, não fosse o inverso o verdadeiro: a sociedade é que não pode perder o controle sobre o Estado. Para ela, a política seria incompetente para legislar sobre os problemas brasileiros, a guerra às drogas deveria continuar com o protagonismo do Judiciário e seria preciso mais verbas, mais impostos, para que a burocracia estatal consiga defender a sociedade dela mesma.

A supressão da liberdade, valor maior da democracia, estaria justificada por motivos de ordem superior, um suposto e demonizado inimigo: as drogas. Nesse pragmatismo reducionista, o estado continuaria tutelando a sociedade com burocratas de toda ordem, decidindo o que é melhor para o cidadão em detrimento do seu livre-arbítrio e do seu dever de assumir responsabilidades.

Assim, o debate sequer tangenciou a questão da liberação das drogas no Brasil, ou tampouco seu uso abusivo e/ou patológico como uma questão de saúde pública, mas limitou-se a tentar amenizar a guerra às drogas, com uma maior ou menor criminalização do usuário para justificar a ação redentora dos que se arvoram em salvadores da pátria.

Se há um tipo de agente público pior que o político corrupto é aquele que quer legislar sem ter sido eleito; é o concurseiro que aparelha a máquina pública para impor sua ideologia e que ninguém consegue se livrar na eleição seguinte. É aquele que imbuído de uma suposta superioridade moral transmuta-se num justiceiro defensor dos fracos e oprimidos, num padrão mental que Melanie Klein definiu como infantil e esquisoparanoide.

A defesa da legalização das drogas não é uma apologia às mesmas, nem é falta de crítica aos comportamentos de risco. A questão em jogo é o limite da intervenção estatal na vida das pessoas. A criminalização das drogas transfere para o Estado a responsabilidade pelas escolhas individuais, infantiliza a sociedade, cria uma reserva de mercado para financiar a criminalidade e dificulta as abordagens terapêuticas dos dependentes químicos.

Uma vez que problemas em relação às drogas sempre existirão, sejam elas legalizadas ou não, a questão é escolhermos os problemas com os quais queremos trabalhar, se com aqueles decorrentes de um estado paternalista, autoritário, ineficiente e caro, ou se com aqueles de uma sociedade moderna e democrática.