A Procissão da Boa Morte no Bonfim era de gênero, como se diz hoje em dia

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  • Nelson Cadena

Publicado em 10 de agosto de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

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A tradicional festa de Nossa Senhora da Boa Morte, atualmente realizada no Recôncavo baiano, em especial em Cachoeira, foi um dos eventos marianos de maior prestígio em Salvador no século XIX e na primeira metade do século XX. Várias igrejas mantinham um nicho com a imagem de Nossa Senhora das Angústias que, ornamentada, saía em procissão no entorno do templo, o ponto alto da festa ocorria em 15 de agosto. As procissões da Boa Morte em Salvador deixaram de existir há tempos, uma das mais concorridas, a da Igreja do Senhor do Bonfim -  constava do calendário oficial - era uma das quatro festas realizadas com pompa e circunstância pela irmandade: Nossa Senhora da Guia, Senhor do Bonfim, São Gonçalo e Nossa Senhora da Boa Morte.

A procissão do enterro de Nossa Senhora da Boa Morte era celebrada nas Igrejas da Barroquinha - onde tudo começou -  Nossa Senhora do Pilar, Nossa Senhora do Carmo, Sant’Ana, Nossa Senhora da Saúde, Senhor dos Aflitos, Nossa Senhora da Glória, Santíssima Trindade, São Domingos, São Francisco, Perdões, Senhor do Bonfim, Capela de Santa Bárbara (no mercado velho do Morgado) e no Convento do Desterro.

A festa da Boa Morte da Barroquinha, inicialmente organizada pela Irmandade de Nossa Senhora dos Martírios e após pela Irmandade da Boa Morte da Barroquinha (constituída na década de 1850) é que deu origem às celebrações da Boa Morte no Recôncavo. A de Santo Amaro, já realizada em 1841, segundo documentos do Arquivo Público, e a de Cachoeira, já realizada em 1850, segundo ofício da irmandade, publicado no Noticiador Católico. Qualquer outra data de referência é especulativa, com base em depoimentos orais confusos e duvidosos. A dita oralidade tão explorada para fazer estórias e não história. 

Todas as celebrações da Boa Morte tinham em comum as confrarias formadas exclusivamente por mulheres e a chamada troca dos anéis, um rito que não consegui apurar em que consistia, salvo o informado nos jornais. Eram anéis de louça ou vidro, importados de Portugal por José Teotônio Antunes, dentre outros marchands. Imagino que tinha a ver com os anéis e brincos da imagem de Nossa Senhora que por mais de uma vez foram furtados por gatunos. O diferencial das festas era a composição étnica dos participantes, o da Barroquinha formado por afrodescendentes, enquanto o das outras igrejas por fiéis brancos, ou, por brancos e mestiços. Três festas da Boa Morte se destacavam: a da Barroquinha, berço do culto, a da Igreja dos Aflitos e a do Senhor do Bonfim.

Nos Aflitos,  o evento tinha as características de festa de largo com fogueiras acesas, balões soltados ao ar, quermesse, ladainhas à noite; música de bandas, lanternas de vidro nas sacadas das residências e fogos de artifício. A da Igreja do Bonfim era mais solene - a ela compareciam o governador e o arcebispo -  e contava com a banda da Polícia Militar que animava os fiéis no palanque e não faltava o tradicional fogo de planta, tão comum nas festas populares daquele tempo. O culto a Nossa Senhora da Boa Morte no Bonfim foi iniciativa de uma viúva que, enquanto viveu, manteve acesa a chama da devoção. Após seu falecimento,  o vigário da igreja manteve a procissão com o auxilio de um grupo de senhoras.

A Procissão da Boa Morte no Bonfim era de gênero, como se diz hoje. Participavam quase que exclusivamente mulheres e percorria as ruas do entorno em dois momentos: o primeiro, a celebração da morte de Nossa Senhora - a sua imagem ornada com vestidos e flores brancas -  e no outro a imagem de Nossa Senhora em rica charola representando a subida aos céus, a segunda realizada no dia 15/8. Os festejos duravam 10 dias, contados os destinados à novena.