A saga de Lessa, o político que tem ajudado a desvendar o assassinato do filho

Pai obteve imagens e documentos que explicam crime; força-tarefa tem 5 delegados

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  • Tailane Muniz

Publicado em 13 de setembro de 2018 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Almiro Lopes/Arquivo CORREIO

Arnando Lessa é suplente de vereador e atualmente diretor de uma escola (Foto: Almiro Lopes/Arquivo CORREIO) O suplente de vereador Arnando Lessa tem 65 anos e, destes, ao menos 37 dividiu entre a carreira política e salas de aula de cursinhos pré-vestibulares de Salvador. Há pouco mais de três semanas, no entanto, o professor Lessa, já aposentado, incluiu à rotina uma nova atribuição: a de investigador criminal.

Desde o dia 16 de agosto, quando seu filho, o servidor público Michel Batista de Sá, 35, foi torturado e assassinado após negociar a venda de um carro na internet, o professor Lessa passou a apurar, por contra própria, as circunstâncias da morte do rapaz - que adotou aos 15 anos de idade. 

Atualmente diretor de uma escola, o pai de Michel disse que nos 15 dias posteriores ao crime viveu exclusivamente para investigar o caso. Lessa afirmou à reportagem, nesta quarta-feira (12), que tocou as investigações por conta própria junto com um irmão biológico da vítima. Os dados coletados pelos dois foram levados à Polícia Civil, e ajudaram a remontar o cenário que terminou com a morte de Michel.

O servidor morto, que dividia a atenção de Arnando com outros dois filhos biológicos, chamava o pai carinhosamente de 'velho'. Michel, que também já atuou como assessor parlamentar, tem três irmãos de sangue, além de pai e mãe vivos, com os quais ele convivia, de acordo com Lessa. E, segundo ele, é o tamanho do amor, a admiração e boa relação que tinha com Michel que o motiva, diariamente, a "desvendar o crime". Michel foi torturado e morto (Foto: Divulgação) Foragido da Justiça, Gabriel Bispo dos Santos, 22, é o principal suspeito do assassinato. Na terça-feira (11), o CORREIO divulgou a informação de que o pai de Gabriel, o empresário Maurício Lucas de Teive e Argolo, e seu motorista, Itazil Moreira dos Santos, passaram a ser investigados pela polícia após terem digitais detectadas no veículo do servidor. 

Para Arnando, que já seguia os passos de Maurício, isso não foi novidade."Sinceramente, eu falo isso para a polícia desde sempre porque recebi essa denúncia na semana do crime. Esse cara e o filho dele, junto com esse motorista, todos eles compõem uma quadrilha familiar. Estelionatários, homicidas e que já deviam estar presos", afirmou o suplente de vereador à reportagem. Apuração própria Para reunir as informações que completam o quebra-cabeça, Arnando Lessa comentou que teve a ajuda de muita gente. Pelo menos dez pessoas, algumas inclusive ligadas ao principal suspeito, ajudaram o pai da vítima fornecendo pistas que, posteriormente, foram levadas ao conhecimento da polícia.

Oficialmente, o assassinato de Michel é investigado por uma força-tarefa composta por quatro delegados, uma delegada e 17 investigadores - todos eles do Departamento de Crimes Contra o Patrimônio (DCCP). Os responsáveis oficiais pelas investigações informaram ao pai da vítima que terão novidades sobre o crime até essa sexta-feira (14). 

Os prazos auto-impostos por Lessa, no entanto, vencem diariamente. Ele relatou à reportagem que faz tudo o que pode para adiantar o processo de identificação e prisão dos responsáveis por matar Michel desde que entendeu que o filho havia sido vítima de um "crime bárbaro".

E isso envolveu se expor, ir atrás de imagens de câmeras de lugares por onde o servidor passou no dia de sua morte, além de entrevistar, pessoalmente, testemunhas. Às 21h daquele dia, foi até o Shopping Salvador, onde tudo aconteceu.

"Procurei ele por todos os lugares, e nada. Depois, à meia-noite, quando recebemos os avisos de compras no e-mail dele, vi as lojas e também estive nelas", recorda ele, acrescentando que levou, pessoalmente, algumas imagens até a polícia. Gabriel Bispo dos Santos, 22, que segue foragido, esteve em shopping com vítima para negociar venda de carro (Foto: Reprodução) Além de gravações, algumas recebidas por anônimos, o professor também indicou à polícia nomes de suspeitos de envolvimento, a exemplo de Maurício, o pai do assassino confesso, e Itazil.

"No segunda-feira, 20 de agosto, eu passei o dia inteiro na delegacia e dei algumas entrevistas. Depois disso, recebi muitas ligações de pessoas que hoje viraram minhas amigas. Além disso, sou um homem público e isso também me ajudou no processo. O nome do pai dele foi um dos primeiros que me relataram e eu corri atrás", contou Lessa.

Além de investigar a vida criminal de Maurício, Lessa também descobriu que ele mora na Avenida Paralela e que não é mais casado com a mãe de Gabriel. Também soube que, apesar disso, foi a mãe do foragido que contratou o advogado de defesa, o qual abandonou o caso depois de uma semana.

Golpe milionário na Europa Outra descoberta importante diz respeito a um golpe dado por Maurício em Barcelona, na Espanha."Maurício deu um golpe milionário na Europa, mas quando ele se apresentou espontaneamente na delegacia, ninguém checou o histórico dele. Eu quem tive que fazer isso", afirmou o professor.Ele lembra que chegou a procurar a esposa de Gabriel no trabalho dela, uma academia no bairro de Narandiba, mas não encontrou a mulher.

Não satisfeito, Lessa foi ao encontro do pai biológico do assassino, que não teve o nome divulgado. "Ele é um comerciante trabalhador. Me contou que ficou muito triste de saber que o filho é um bandido. Ele não tem culpa nenhuma, diferente do pai adotivo", mencionou.

Todos os nomes, endereços e imagens obtidas [shopping e cartório], faz questão de reiterar, foram entregues em mãos aos investigadores do crime.

Riscos Pai de dois filhos biológicos, o político confessa que acabou correndo riscos durante a saga investigativa. "Minha família me apoia porque todos amavam Michel, mas nós sabemos o risco ao qual eu me coloquei indo atrás de informações. Eu não tenho dúvidas de que ele teria feito o mesmo por mim. Era muito mais que um filho".

O CORREIO procurou a Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA) para entender se o auxílio de familiares de vítimas é comum nas investigações da Polícia Civil mas, por meio da assessoria, a pasta afirmou que não se posicionaria sobre o assunto.

Último contato Arnando Lessa contou ao CORREIO que Michel anunciava o carro havia cinco meses na internet e que durante 11 dias conviveu quase diariamente, entre contatos físicos e por telefone, com Gabriel. O professor afirmou que o suspeito esteve no trabalho do filho, na casa, no cartório e em dois encontros em shoppings da cidade.

"Primeiro ele buscou todas as informações possíveis sobre a vida de Michel, viu os carros do meu filho e se preparou para dar o golpe. Ele planejou tudo", acredita.

Foi o pai quem falou com Michel pela última vez. O contato aconteceu por telefone, às 16h do dia 16 de agosto. Na ligação, o filho demonstrou nervosismo e relatou ao pai que Gabriel, então comprador do seu carro, havia sido vítima de um golpe. Para Lessa, no entanto, todo o discurso do filho havia sido orientado pelo assassino.

"Michel falou com a esposa cinco minutos antes de falar comigo. Disse que chegaria em casa às 21h, e ele mandou meu filho falar isso para ganhar tempo de comprar com o cartão [de Michel] e matar ele. Ele [Michel] xingou com a esposa no telefone, e em sete anos de casamento ele nunca havia feito isso", destacou.

Além do comportamento estranho que o rapaz havia demonstrado ao pai e à esposa, Michel também parou de responder as mensagens de familiares e amigos no celular.

"Acendeu a luz vermelha para nós. O celular dele foi desligado por volta de 20h30 e foi aí que minha saga começou porque eu sabia que alguma coisa estava muito errada", lembra ele.

A seis dias de completar um mês da morte de Michel, Lessa acredita que os envolvidos serão presos logo porque, para ele, o quebra-cabeça está montado [ver abaixo].

A família da vítima, segundo Lessa, por meio de seus advogados, já solicitou as prisões de Maurício e Itazil à Justiça.Caminhos legais Conforme o professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e advogado criminalista, César Faria, nada impede que o assistente de acusação, ou seja, advogado da família da vítima, faça um requerimento de prisão preventiva dos suspeitos. 

"Normalmente, o advogado faz o requerimento ao Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) que, em concordando, requere ao juiz. Mas não há impedimento que o advogado, futuro assistente de acusação, faça a representação da prisão preventiva", disse, acrescentando, porém, que o pedido é submetido a "pressupostos e requisitos".

O professor comenta que, antes de decidir, o juiz ouve o MP-BA - responsável por fornecer a denúncia criminal. Ainda conforme César Faria, o juiz pode decretar a prisão preventiva mesmo na fase "pré-processual ou inquisitorial", ou seja, a fase do inquérito da Polícia Civil. 

Quanto às imagens e documentos que chegaram à polícia com o auxílio de Arnando Lessa, o professor mencionou a Lei 13.245/2016, que altera o artigo 7ª do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.A lei diz que "o advogado poderá examinar, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigação de qualquer natureza, em qualquer instituição responsável pela apuração de infrações penais". O que, explicou César, significa dizer que o advogado da família defende a prática, tanto para advogado da defesa quanto de acusação, de alguns atos de investigação.

"Isso não está ainda regulamentado no Brasil, mas nos Estados Unidos é bem comum que famílias investiguem, contratem detetives, independente das investigações oficiais", afirmou o criminalista, mencionando que a prática não é tão comum no Brasil. 

"As provas podem ser juntadas ao inquérito policial. Quem vai dar a palavra de autoridade é o MP-BA, com a autorizada opinião, porque é o órgão que oferece a denúncia. Se a pessoa não cometer nenhuma ilegalidade, não há impedimento. Mas é o promotor de justiça quem vai avaliar se esses elementos são suficientes para oferecer a denúcia".

CRONOLOGIA E QUEBRA-CABEÇA [POR ARNANDO LESSA] Março: Michel anuncia carro na internet por R$ 73 mil  Agosto: Michel e Gabriel se conhecem e passam a negociar veículo  Agosto: Michel e Gabriel têm pelo menos quatro encontros no trabalho, na casa da vítima e em shoppings 16 de agosto - Dia do crime 11h - Michel vai ao cartório com Gabriel 12h - Dupla sai do cartório, no carro de Michel [já transferido legalmente para Gabriel], e vai até o Salvador Shopping13h - Michel encontra esposa para almoço em shopping. Gabriel se afasta do casal.13h - Gabriel vai até a agência do Banco do Brasil e deposita R$ 59 mil em espécia na conta de uma mulher 15h - Michel e esposa, já com Gabriel, vão até estacionamento e transferem pertences do carro vendido para o veículo da mulher da vítima. Michel permanece no shopping para receber pagamento15h30 - Gabriel apresenta o TED a Michel, que envia para o irmão [gerente de banco] e é alertado da falsidade do documento16h - Imagens monstram Michel, Gabriel, ao lado do pai [Maurício] e do motorista [Itazil] saindo do Salvador Shopping no carro de Michel16h30 - Vítima faz contato com a esposa e, em seguida, com pai. Michel afirma aos familiares que o comprador de seu carro sofreu um golpe e que ele precisa ajudar Gabriel a prestar queixa19h - Gabriel aparece sozinho, em imagens obtidas por Arnando, descendo escadaria do Salvador Shopping20h30 - Celular de Michel é desligado e família inicia buscas21h - Michel é assassinado  17 de agosto  6h30 - Corpo de Michel é encontrado atrás do Shopping Paralela10h30 - Carro da vítima é encontrado próximo ao estacionamento do Shopping Bela Vista 20 de agosto - Gabriel, por meio de advogado, confessa que matou Michel - sem revelar motivo - e que vai se apresentar à polícia, mas não apareceDetalhes1. Segundo Arnando, nas imagens em que Gabriel aparece no Banco do Brasil, ele está acompanhado de um homem que não é Michel.2. O rapaz aparece com camisa diferente da que está vestindo quando esteve no cartório com a vítima.3. Arnando acredita que pai de Gabriel e motorista já aguardavam no shopping, após analisar horários de filmagens.4. Arnando afirma que o filho devia estar rendido no carro com comparsas de Gabriel, enquanto suspeito principal fazia compras.5. Ao receber mensagens de Michel, irmão afirmou que CPF que constava no TED era de uma pessoa de Goiânia e o alertou sobre golpe. Arnando acredita que a descoberta tenha despertado fúria de Gabriel.6. Arnando ouviu de testemunhas, onde corpo foi encontrado, que tiros ocorreram por volta de 21h7. O professor defende que o filho sequer viu o comprovante em nome da mulher, em valor que não corresponde ao anunciado por Michel na venda do carro. Que o depósito em dinheiro foi feito para Gabriel apenas para, posteriormente, ser usado como álibi. 8. TED enviado por Michel ao irmão tinha nome da vítima escrito errado9. Polícia chegou a três mulheres que abrigaram Gabriel por meio de GPS de dois Iphones que o suspeito comprou no dia do crime com o cartão de crédito de Michel. 10. Arnando Lessa afirma que Maurício Lucas responde a processos por estelionato e roubo.